Ao longo do ano passado, houve um aumento significativo tanto no número de crianças acompanhadas pelas 310 comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ) do país como no número de comunicações recebidas sobre eventuais situações de perigo, em particular por suspeita de risco relacionado com violência doméstica.
O sumário executivo do Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ de 2019, entregue na Assembleia da República nesta quarta-feira pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), mostra que estas estruturas acompanharam 68.962 crianças e jovens ao longo de 2019, um aumento de 14% em relação a 2018, mas que ainda assim fica abaixo dos números registados em anos anteriores.
As comunicações de situações de perigo às CPCJ passaram para 43.796 no ano passado (mais 12% em relação a 2018), o que a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, atribui ao reforço das acções de formações locais e também às campanhas nacionais, com 1500 acções por todo o país. Num encontro com jornalistas onde foi apresentada esta segunda-feira uma síntese do relatório, a governante explicou estar a “sentir a comunidade a fazer mais comunicações de situações de perigo”, o que explica o aumento no número de crianças acompanhadas.
A exposição de crianças e jovens à violência doméstica foi a categoria de perigo mais comunicada (28,9%), ultrapassando as notificações por negligência (28,6%). As comunicações continuam a ser feitas maioritariamente pelas forças de segurança, escolas e o Ministério Público. Rosário Farmhouse, que preside à CNPDPCJ desde Novembro de 2017, mostra alguma prudência na interpretação deste aumento. “Pode ter que ver com o facto de a sociedade estar mais alerta”, afirma, sublinhando também o facto de ter sido um ano de grande atenção para essa área.
A caracterização de uma situação de perigo feita numa denúncia nem sempre se confirma após avaliação das comissões. Muitas vezes o diagnóstico passa a ser outro. E, por isso, a negligência continua a representar o maior número de novas situações de perigo diagnosticadas em 2019 (35%), num universo de 13.825 novas avaliações. Entre estes novos casos, 22,1% são situações de violência doméstica — eram 11,9% no ano passado, sendo a categoria que mais cresceu —, 21% de comportamentos de perigo e 15,2% de direito à educação.
No ano passado, houve 14.249 medidas de promoção e protecção aplicadas — 44,75% raparigas e 55,25% rapazes —, sendo o apoio junto dos pais a medida aplicada com mais frequência. O acolhimento familiar ocorreu em apenas 15 casos (0,11%), números que Rosário Farmhouse lamenta que não tenham oportunidade de aumentar este ano, devido aos constrangimentos trazidos pela pandemia.
Dos 72.016 processos registados — há processos de uma mesma criança que podem estar contabilizados em mais do que uma CPCJ —, 47,2% foram instaurados em 2019 (34.021, mais 9,1% do que os instaurados em 2018), enquanto dois em cada cinco processos vinham do ano anterior.
Ao longo do ano passado, as comissões que registaram um número médio mais elevado de processos activos são as de Sintra Oriental, Sintra Ocidental, Loures e Amadora (com 1017, 980, 892 e 818, respectivamente). Globalmente, a taxa de incidência de acompanhamento foi de 3,5%, ou seja, houve em média 3,5 crianças em cada 100 a serem acompanhadas por uma CPCJ em 2019 (em 2018, foram 3,2).
Covid-19
“As comissões não estiveram encerradas, mas tiveram que se reinventar”, refere Rosário Farmhouse, resumindo as dificuldades do trabalho nos últimos meses.
Uma das principais dificuldades foi no contacto directo com as crianças, fulcral para identificar situações de risco, que ficou limitado pelo confinamento. Houve 114 situações de perigo comunicadas através da linha de apoio a crianças em perigo; em Junho, foi criado um formulário online para estas comunicações, tendo-se registado 53 contactos por esta via durante este mês.
“Uma vez que o meio natural de identificação de situações de risco são as escolas, e estando as actividades presenciais suspensas, foi necessário desenvolver uma metodologia especial para que, no ensino à distância, fosse possível os professores identificarem situações que poderiam indiciar situações de risco”, descreve a ministra Ana Mendes Godinho. Esta “metodologia especial” traduziu-se numa ficha de detecção, divulgada entre professores em Maio, e que nos últimos dois meses levou a que tenham sido comunicadas 800 situações de perigo pelas escolas.
Entretanto, foram desenhadas acções de formação especializada sobre identificação de casos em contexto de ensino à distância, para professores e para outros funcionários escolares, a iniciar na próxima semana, para as quais cerca de 1700 pessoas se inscreveram nas primeiras 24 horas.
De acordo com a ministra da Segurança Social, há 186 crianças, entre as que estavam sinalizadas por situação de perigo e os filhos de trabalhadores essenciais, que foram integradas no mecanismo especial para poderem ser acompanhadas nas escolas.
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