Em 100 crianças, algumas podem ter deficiências, ser pobres, ter necessidades educativas especiais. Outras podem ser LGBTQI, imigrantes, deslocadas internas ou refugiadas, pertencer a uma minoria étnica, religiosa ou linguística, ou a um grupo indígena. As restantes podem viver em áreas rurais remotas, pertencer a outro grupo marginalizado, como uma raça ou casta. Metade podem ser meninas. Muitas podem ser obesas, deprimidas, trabalhar depois da escola, ter comportamentos disruptivos, ser órfãs, delinquentes, canhotas, asmáticas, alérgicas, ou apenas, novas na escola.
Vistas assim, tal como o Relatório de Monitorização Global da Educação 2020 (GEM) as descreve, “as diferenças são a única coisa que temos em comum”. A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) recorda que “a educação de qualidade inclusiva e equitativa” e a promoção da “aprendizagem ao longo da vida para todos” continuam na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Desenvolvimento Sustentável. O compromisso é de “não deixar ninguém para trás”.
Existem novos e velhos desafios à inclusão na educação. Antes da pandemia, um em cada cinco jovens, adolescentes e crianças, estava totalmente excluído da educação. Estigmas, estereótipos, e discriminação excluíam outros milhões nas próprias salas de aulas. Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO junta-se às vozes que acreditam que “a crise atual irá perpetuar ainda mais essas diferentes formas de exclusão”.
Por força do combate ao covid-19, mais de 90% da população estudantil mundial foi afetada pelo encerramento das escolas. “As diferenças sociais e digitais colocam os mais desfavorecidos numa situação na qual correm o risco de ter perdas de aprendizagem ou abandonar a escola”, sublinha Azoulay no prefácio do GEM 2020. A mensagem deixada pela diretora-geral da UNESCO “para todos os atores da educação” é que ampliem o seu entendimento do que é a educação inclusiva. “Um apelo para compilar melhores informações e dados, sem os quais não podemos entender ou mensurar a real abrangência do problema.”
A responsável pelo relatório GEM 2020, Helen Clark, reconhece que os “mecanismos de exclusão são essencialmente os mesmos”: género, local onde vivem, riqueza, deficiência, etnia, língua, migração, deslocamento, orientação sexual, encarceramento, religião ou outras crenças e atitudes. O relatório lembra algumas das “contínuas e perturbadoras disparidades educacionais”, sem nunca perder de vista que inclusão significa “todos, sem exceção”.
Clark não ignora que “existem dilemas e tensões quando se trata de atingir a inclusão total”. Diz ela: “Avançarmos em direção a sistemas educacionais que atendam às necessidades de todos os alunos, incluindo aqueles com deficiências graves, não é tarefa fácil, e talvez seja impossível.” Por outro lado, “esforços bem-intencionados de inclusão podem-se tornar opressivos, desgastar a identidade de grupos e excluir línguas maternas”. No terreno, os sistemas educativos encontram mais desafios como o de “decidir a velocidade da mudança”. “Se for imposta de cima para baixo, a inclusão nunca irá funcionar”, conclui.
Dados sobre e para a inclusão “são essenciais”
Informações e dados ajudam a entender o cenário mundial da educação inclusiva. Desde logo, o tal conhecimento da real abrangência do problema a que aludia Audrey Azoulay. Ora, apesar dos progressos, lê-se no GEM, muitos países ainda não fazem uma recolha e um tratamento de dados sobre os estudantes que são deixados para trás.
Alguma informação surge em estudos de âmbito internacional. Como é o caso do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (PISA) de 2018, no qual um em cada cinco alunos de 15 anos relatou sentir-se excluído na escola. Não só os estudos internacionais como “os dados administrativos” podem fornecer evidências qualitativas sobre a inclusão, avançam os autores do GEM, dando como exemplo a Nova Zelândia que monitoriza sistematicamente indicadores sensíveis ao nível nacional, incluindo avaliações sobre se os alunos se sentem cuidados, seguros e protegidos.
No entanto, desde 2015, 41% dos países – o que representa 13% da população mundial – não têm estudos nacionais disponíveis ao público com dados desagregados sobre os principais indicadores educativos. A região com menor cobertura é o Norte de África e a Ásia Ocidental. Dados atuais de 14 países que utilizam as Questões Propostas pelo Washington Group para Estatísticas sobre Pessoas com Deficiência sugerem que as crianças com deficiência constituem 15% da população que está fora da escola.
Se faltam dados, noutros casos o problema está no entendimento do conceito de educação inclusiva. De acordo com o GEM, enquanto 68% dos países têm uma definição, apenas 57% dessas definições abrangem os diversos grupos marginalizados.
Vários fatores barram as oportunidades de educação. Em todos os países, exceto nos países de elevados rendimentos da Europa e América do Norte, apenas 18 dos jovens mais pobres terminam o ensino secundário para cada 100 dos jovens mais ricos. Em pelo menos 20 países, sobretudo na África Subsariana, dificilmente uma jovem pobre a viver numa zona rural consegue concluir o 12.º ano.
Nos países de rendimentos médios, apenas três quartos dos adolescentes permanecem na escola aos 15 anos. Destes, só metade aprende o básico, e tem sido assim nos últimos 15 anos. O GEM alerta ainda que “várias avaliações superestimam o desempenho dos estudantes”. E dá como exemplo uma avaliação regional de 15 países da América Latina, em que, três quartos dos alunos que “não se saíram melhor em questões de escolha múltipla do que em questões aleatórias foram considerados proficientes em leitura”.
Não acreditar que a inclusão é possível
De acordo com o GEM 2020, “uma das principais barreiras à inclusão na educação é não acreditar que ela é possível e desejável”. Em 2018, um em cada três professores de 43 países – a maioria com rendimentos médio-elevados e elevados – dizia que não adaptava o seu ensino à diversidade cultural dos seus alunos.
Os professores, mas também os materiais didáticos e os ambientes de aprendizagem, “ignoram os benefícios de abraçar a diversidade”, escreve o GEM. Cerca de 25% dos docentes de 48 sistemas educativos reconhecem ter uma “grande necessidade” de formação contínua para ensinar alunos com necessidades educativas especiais. Apenas 41 países reconhecem a linguagem gestual como língua oficial. Na Europa, 23 dos 49 países não abordam de forma clara a orientação sexual e a identidade de género nos currículos.
Os livros didáticos podem também perpetuar estereótipos, em vez de os combater. Segundo o GEM, em muitos países, as mulheres são frequentemente sub-representadas e estereotipadas. Como exemplo, o relatório alude à proporção de mulheres nos textos e nas imagens dos livros didáticos de inglês, no ensino secundário: foi de 44% na Indonésia e 37% em Bangladesh. As mulheres eram também representadas como introvertidas e em ocupações menos prestigiosas.
Alguns países estão, neste momento, em fase de transição para a inclusão. Mas o relatório da UNESCO adverte que “a segregação ainda é predominante”. Leis e políticas diferem sobre se os alunos com deficiência devem estar nas escolas regulares. A legislação de 25% dos países prevê a educação em locais separados. A proporção excede 40% na Ásia e na América Latina e Caribe. Cerca de 10% dos países exigem a integração e 17% a inclusão, os restantes optam por combinações de segregação e integração.
O GEM conclui que “as políticas têm-se aproximado da inclusão”, realidade verificada em 38% dos países, mas “apesar das boas intenções consagradas nas leis e políticas, os governos geralmente não garantem a sua implementação”.
Fonte: Educare
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