Nunca foi nem será fácil mudar práticas de instituições que, como as escolas, tendem para uma estabilidade e até para um certo imobilismo decorrentes de rotinas pedagógicas que foram sendo construídas e instituídas ao longo de décadas. A grande maioria dos docentes é indubitavelmente bem intencionada, esforçada, conhecedora das suas matérias e claramente envolvida com os seus alunos. Porém, está algo desconectada com questões tais como as que se relacionam com o currículo e o seu desenvolvimento, com perspetivas acerca do ensino e da aprendizagem e com o papel que a avaliação pedagógica pode desempenhar para melhorar a qualidade da educação. Esta situação dificulta a discussão fundamentada acerca do que, por exemplo, está em causa quando se afirma que o principal propósito da avaliação pedagógica é ajudar os alunos a aprender mais e melhor. Consequentemente, um número de profissionais tem dificuldade em reconhecer que nas questões curriculares, pedagógicas e avaliativas, que devem ser discutidas de forma integrada, há opções que se podem tomar com consequências muito diferentes ao nível das aprendizagens dos alunos e, por isso, ao nível do combate por uma educação mais igualitária e democrática. Este texto foi pensado e organizado para ajudar a clarificar as opções com que, presentemente, as escolas estão confrontadas.
Sendo necessário enfrentar desafios nos domínios do Currículo, da Pedagogia e da Avaliação Pedagógica, importa discernir consequências das opções que se fazem. Na verdade, as escolas deverão definir políticas claras e tão articuladas quanto possível nestes três domínios. E, ao fazê-lo, têm de compreender que as suas opções nunca serão neutras e têm consequências muito distintas na vida das crianças e dos jovens. Por exemplo, um currículo que se diz e que se reproduz verbalmente e/ou através de slides do power point, está associado a uma pedagogia em que o ensino e o papel do professor estão no centro do processo educativo e a uma avaliação centrada em testar se os alunos são ou não capazes de reproduzir o que lhes foi primorosamente transmitido através de imaculadas coleções de slides. Nesta visão de currículo e de desenvolvimento curricular os alunos têm sobretudo uma relação verbal e pouco crítica e pouco concreta com o conhecimento, limitando-se, em geral, a reproduzi-lo através de testes. Assim, os alunos não são preparados para observar e para analisar o que se passa à sua volta, nem para experimentar, refletir e escrever com sentido crítico. O sistema escolar, nestas condições, pouco ou nada faz para que se aprenda a pensar e pouco ou nada faz para que todos os alunos se envolvam nos processos de ensino, aprendizagem e avaliação.
Fica assim claro o que se pode esperar de um currículo que se diz, de uma pedagogia centrada no ensino e de uma avaliação que se limita a produzir juízos, muitas vezes definitivos e irreversíveis, sobre os desempenhos dos alunos. E fica igualmente claro que a opção por este tipo de desenvolvimento do currículo mantém afastados do acesso à educação, à cultura e ao conhecimento, largos milhares de alunos. Por uma razão muito simples: é claramente favorecido quem domina o código sociolinguístico que predomina no ensino e é claramente desfavorecido quem provém de meios sociais, culturais e económicos mais pobres. Consequentemente, o sistema escolar mantém e até aprofunda as desigualdades existentes entre alunos, com manifesto prejuízo, é mesmo esta a palavra, dos que são socialmente mais vulneráveis.
As escolas estão confrontadas com a necessidade de desenvolver uma renovada, flexível e dinâmica perspetiva do Currrículo, uma Pedagogia que traduza uma visão integrada, reflexiva e problematizante da aprendizagem, da avaliação e do ensino e uma Avaliação Pedagógica consistente com aqueles desígnios. Trata-se de uma opção que contrasta com a que acima se referiu. Aqui o currículo não é dito! É pensado, é questionado, é discutido e tem a ver com as vidas das crianças e dos jovens e dos seus professores e das suas famílias. O currículo é construído e reconstruído e é Vida, ou não o será de todo, pois o conhecimento e a sua utilização têm a ver com a vida. É um currículo que exige uma gestão mais flexível e inteligente para que todos e cada um dos alunos possam aprender. A pedagogia, nesta opção, prioriza a aprendizagem em vez do ensino e isto significa que os alunos são participantes mais autónomos e ativos em todas as ações que se desenvolvem nas salas de aula. Os professores são profissionais do ensino altamente qualificados que sintetizam o trabalho dos alunos, fazem pontos de situação, orientam, propõem tarefas e proporcionam as condições para que todos possam aprender. São, assim, um inestimável recurso.
A avaliação tem de ser um processo pedagógico cujo propósito fundamental é apoiar os esforços de aprendizagem dos alunos e de ensino dos professores. Por isso se assume que avaliar é diferente de classificar. Avalia-se para tratar das aprendizagens dos alunos, isto é, para lhes distribuir feedback que os torne conscientes acerca de três questões essenciais: a) o que é preciso aprender; b) em que ponto se encontram em relação às aprendizagens a desenvolver; e c) os esforços e as estratégias que têm de utilizar para chegarem lá. Avalia-se também para regular os processos de ensino. Nestes termos, é preciso analisar o currículo, refletir acerca dele, identificar os seus domínios fundamentais, distinguir o essencial do acessório, para definir critérios que, no fundo, indicam aos alunos o que se vai avaliar e, por isso, o que é preciso aprender. Os critérios têm de ser simples, claros, facilmente compreendidos pelos professores, pelos alunos e pelos pais ou encarregados de educação. Idealmente, numa escola, deveria definir-se um conjunto de critérios de natureza transdisciplinar e independente dos níveis de ensino e ano de escolaridade. Imagine-se a simplificação que se introduziria e o que se ganharia em termos de aprendizagem, ensino e avaliação, se os alunos, os professores e os pais pudessem estar todos focados num conjunto limitado, mas muito relevante, de critérios. Obviamente que tudo isto tem de estar fortemente articulado com o currículo e com a pedagogia para que, por exemplo, seja possível gerar diferentes dinâmicas de trabalho nas salas de aula, recolher informação acerca do que os alunos sabem e são capazes de fazer através de uma diversidade de processos e tornar os alunos mais autónomos. É necessário que a avaliação formativa, para aprender, acompanhe os processos de ensino e aprendizagem para que o feedback possa ser distribuído atempadamente, é necessário fazer pontos de situação, balanços, para que, num dado momento, seja possível conhecer o que os alunos sabem e são capazes de fazer, mobilizando essa informação para distribuir feedback (avaliação sumativa sem fins classificatórios) ou para efeitos da classificação dos alunos (avaliação sumativa com fins classificatórios). E vem a propósito voltar a sublinhar que é necessário compreender que a avaliação e a classificação são de natureza muito diferente. A avaliação tem a ver com pedagogia, isto é, com os processos de aprendizagem e de ensino. A classificação é a utilização de um mero algoritmo, mais ou menos inteligente, mais ou menos significativo, que permite, tecnicamente, determinar a nota de um aluno. A classificação determina-se a partir dos dados gerados pelas tarefas de avaliação sumativa que se planearam exclusivamente para fins classificatórios e só essas. Estas tarefas devem ser diversificadas e desenvolvidas de forma a que os alunos tenham oportunidade de mostrar o que sabem e são capazes de fazer no que se refere aos aspetos mais relevantes dos domínios do currículo.
Ao fazer-se uma opção desta natureza ao nível do Currículo, da Pedagogia e da Avaliação Pedagógica estaremos a contribuir decisivamente para diminuir as desigualdades entre alunos provenientes de meios social, cultural e economicamente diferenciados. Estaremos a incluir e não a excluir milhares de alunos. Tem sido esta a opção das atuais políticas públicas materializada numa diversidade de programas nacionais (e.g., Autonomia e Flexibilidade Curricular, Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, Plano Nacional das Artes, Projeto de Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica – Projeto MAIA) que constitui um ambicioso desafio para todas as escolas.
É preciso prosseguir os esforços para que as escolas vão eliminando ou reformulando drasticamente as listas e as grelhas infindáveis de tudo e mais alguma coisa, disciplina a disciplina, com poucas relações entre si. É importante criar condições para que os professores, em vez de listas e grelhas de questionável utilidade, criem autênticas comunidades de estudo e aprendizagem para dialogar, pensar, refletir e trabalhar em conjunto acerca das coisas do currículo, da pedagogia e da avaliação pedagógica. Professores profissionais do ensino, intelectuais, gente da cultura e da educação, que se assume integralmente como tendo um papel insubstituível neste duro e difícil combate social pela democratização da escola. Uma escola em que cada um dos seus alunos possa ter reais oportunidades para aprender mais e melhor, com mais profundidade e compreensão.
Domingos Fernandes
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