Está em discussão pública até ao dia 13 de março um documento elaborado por um grupo de trabalho nomeado pelo Ministério da Educação que coloca em discussão quais as competências que queremos que a escola desenvolva nos alunos de hoje. Como é óbvio, um documento desta índole pode e deve ser visto sob diferentes perspetivas e recolher os múltiplos olhares sobre um tema tão fundamental. Gostaria de apresentar muito brevemente o conceito de competência, a lista de competências que o documento enuncia e finalmente uma rápida visão sobre as críticas que têm sido feitas ao documento.
Antes de mais convém clarificar o que significa competência. Ter uma competência significa que se é capaz de mobilizar um determinado conhecimento. E mobilizar tem a ver com usar esse conhecimento de forma adequada, no tempo e no grau que é necessário. A competência não é um mero conhecimento que se tem, que se exibe, mas é, sobretudo, a utilização que se faz deste conhecimento. Daí que é muito importante recolocar o foco nas competências e voltar a pensar que elas constituem um dos grandes objetivos da Educação. Não procurar cabeças cheias de conteúdos, não empolar discursos sobre o conhecimento, mas sobretudo como é que esse conhecimento se mobiliza para nos fazer atuar e entender os contextos de valores, organizativos e culturais e em que estamos.
O documento “Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória” apresenta dez competências que, tendo recolhido inspiração em documentos de agências internacionais – nomeadamente a OCDE, e a UNESCO – nos apontam os pontos de chegada que gostaríamos que todos os alunos portugueses atingissem no final da sua escolaridade obrigatória de 12 anos. Estas dez competências são: 1. Linguagens e textos que tem a ver com a utilização das várias linguagens de cultura, língua materna, línguas estrangeiras, música, artes, etc; 2, Informação e comunicação que tem a ver com o domínio das tecnologias digitais nas suas vertentes de informação e comunicação; 3. Raciocínio e resolução de problemas como a capacidade de encontrar respostas para situações inusitadas ou que se desconhecem; 4. Pensamento crítico e criativo, entendido como argumentar a partir de diferentes premissas e variáveis assim como aplicar novas ideias e soluções para conteúdos específicos; 5. Relacionamento interpessoal visando uma interação equilibrada e profícua com os outros; 6. Desenvolvimento pessoal e autonomia, uma área que procura a integração de vários domínios do desenvolvimento humano nomeadamente o pensamento, emoções e comportamento num todo coerente e mobilizador; 7. Bem-estar e saúde relacionadas com a qualidade de vida do indivíduo e da comunidade; 8. Sensibilidade estética e artística vista como a capacidade de desfrutar de diferentes e múltiplas realidades culturais; 9. Saber técnico e tecnológico encarado como a capacidade de saber fazer de desenvolver projetos pragmáticos e exequíveis; 10. A consciência e o domínio do Corpo desenvolvendo uma noção positiva com o corpo e com o movimento e sobretudo obter uma familiaridade com a expressão e comunicação através do corpo.
Este conjunto de 10 competências, a ser adotado desencadeia reflexões que podem vir alterar - e muito - o currículo. Cada uma das áreas curriculares ou disciplinas devem-se perguntar o que é que cada uma delas contribui para estas competências. Por exemplo, qual é a contribuição da Matemática para o relacionamento interpessoal, qual será a contribuição do Português para o raciocínio e a resolução de problemas, qual será a contribuição da Educação Física para o pensamento crítico e criativo. Assim, estas competências chamam-nos a atenção que todas as áreas curriculares têm responsabilidades partilhadas no desenvolvimento de todas estas competências.
Têm sido já produzidas críticas ao documento que gostaríamos brevemente de comentar. Antes de mais diz-se que este perfil é utópico (no errado sentido de irrealizável). Para os autores destas críticas estaríamos espartilhados numa escola tradicional, que não satisfaz ninguém, mas que também não é possível modificar. Valha-nos o conhecimento que temos da história da educação para saber que por mais empedernidos que pareçam os sistemas, mais cedo ou mais tarde eles terão que se modificar. Outras críticas situam-se nos antípodas deste perfil afirmando que não há nada de novo. Este documento seria “mais do mesmo” e um mero remendo em tecido já muito puído. Estas críticas têm a saudável ambição de ir mais longe… mas para onde? Não será que um documento ainda mais ousado não descredibilizaria qualquer possibilidade de reforma? Há ainda alguns saudosistas das “metas” e das “capacidades” que são eloquentemente desmentidos pelos textos mais atuais e de melhor qualidade sobre o futuro da Educação. Por fim, existe um conjunto de críticas que é a menos interessante, são as críticas que se dirigem a pessoas, às pessoas que estiveram na elaboração deste trabalho. São críticas avinagradas, ressabiadas, ultrapassadas no seu prazo de va(l)idade e que não contribuem para nada na sua ânsia de provar que tudo está errado.
Precisamos de mudar a nossa escola, a nossa Educação e o nosso sistema educativo. Este perfil é um “pontapé de saída” para a discussão. Mas é também um pontapé nas conceções mais imobilizadas, conservadoras e conformadas com “as coisas como elas (nos parecem) que são”.
Como dissemos antes não temos dúvida que é preciso melhorar o documento; temos aqui uma excelente oportunidade para sugerir, discutir, discordar, acrescentar. É que com este assunto não se brinca: estamos a dizer o que queremos que os nossos alunos e os nossos filhos saibam para cuidar – esperamos que melhor que a nossa geração – do mundo que lhes deixamos.
David Rodrigues
Fonte: Público
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