Não devemos sentir incómodo em assumir que temos um problema nas mãos. A indisciplina dentro e fora da escola está a aumentar. Mas há silêncios ensurdecedores. Será a indisciplina tema tabu?
Recentemente, apresentei no “ComRegras” dados preocupantes sobre a indisciplina escolar. A quantidade de participações disciplinares, superando as 11 mil no ano letivo 2015-2016 em apenas 47 agrupamentos, mostra que esta é apenas a ponta do icebergue. Apesar do impacto mediático, as reações oficiais, quer por parte da Tutela, quer por parte dos principais representantes de pais e professores, ficaram-se por silêncios ensurdecedores, ao contrário da comunicação social que fez dos resultados apresentados o tema do dia. Qual o motivo para tamanho silêncio? Será a indisciplina tema tabu? Ou será que escasseiam soluções?
A disciplina não vem com manual de instruções, mas existem caminhos que podem ser percorridos. No meu entender, o que mais me agrada é seguramente o caminho da prática.
Existem escolas que estão organizadas e não esperaram por soluções externas, assumiram a sua realidade, as suas lacunas e fizeram das fraquezas força. “Profissionalizar” o combate à indisciplina escolar tem obrigatoriamente que passar por três fases. Reconhecer, conhecer e intervir!
Reconhecer
Não temos de ter medo, nem sentir incómodo em assumir que temos um problema nas mãos. A indisciplina dentro e fora da escola está a aumentar. Dados da Escola Segura, da violência do namoro, da indisciplina em sala de aula, entre outros, apontam claramente para um agravamento generalizado. Como digo aos meus alunos, não reconhecer que algo está errado é o primeiro passo para ficar tudo como está. É verdade que começo a sentir algumas vibrações de mudança mas, para já, não passam disso mesmo.
Conhecer
Defendo há muito um estudo aprofundado da indisciplina escolar dentro da sala de aula, algo nunca feito a uma escala nacional. Qual a verdadeira dimensão do problema? Quais as tipologias de indisciplina mais regulares? Onde é que ocorrem? Qual a influência das diferentes metodologias de ensino? Existe uma relação efetiva com estatutos socioeconómicos? Pessoalmente, já estou a trabalhar nesse campo e será útil o envolvimento de quem lidera a Educação em Portugal. Mas não basta ficar pelo estudo, é preciso acompanhar a evolução da indisciplina em Portugal, só assim saberemos que o caminho escolhido é o caminho correto e só assim será possível realizar os devidos ajustamentos.
As tutorias com 10 alunos por professor, que substituíram os incompreendidos e desorganizados cursos vocacionais, bem como a redução do número de alunos por turma, não farão milagres. O problema é mais fundo, transversal e está demasiado enraizado para ser resolvido pelos instáveis partidos políticos.
Intervir
Então o que fazer, na prática, sem nos ficarmos por perfis teóricos que, reconhecidamente, não passam de pontos de partida para algo maior? Ficam algumas ideias:
- Criar um sistema de monitorização informática, que recolha os dados disciplinares de todas as escolas portuguesas;
- Atribuir um crédito horário às escolas, especificamente para a abertura de Gabinetes Disciplinares (equipas multidisciplinares), fundamentais para uma política disciplinar de proximidade e consequente prevenção;
- Incluir na formação de base de futuros docentes uma componente teórico-prática de gestão/mediação de conflitos;
- Fornecer ao corpo docente e não docente, atualmente no ativo, formação específica sobre como gerir/mediar situações de indisciplina escolar;
- Dar formação/orientação a Diretores Escolares, a fim de uniformizar critérios disciplinares;
- Desburocratizar o estatuto do aluno, os procedimentos disciplinares são demasiado formais e tornaram a escola numa espécie de “tribunal dos pequeninos”;
- Reduzir a carga letiva dos alunos, otimizar o calendário escolar, os intervalos e a dimensão das turmas;
- Simplificar os percursos alternativos (onde muita da indisciplina se concentra), dando-lhes uma forte componente prática, reduzindo a sua carga letiva e apostando na formação cívica destes alunos;
- Apostar num regime de codocência em turmas de maior insucesso escolar e/ou com problemas comportamentais;
- Reforçar os meios de estruturas colaborativas e técnicos nas escolas (ex: Comissão de Proteção de Crianças e Jovens e psicólogos);
- Ajudar os encarregados de educação a lidar com os filhos que apresentem elevados níveis de indisciplina escolar;
- Responsabilizar de forma efetiva, através de cortes nos apoios sociais ou abonos, em detrimento das multas, os encarregados de educação que não cumpram com as suas obrigações, nomeadamente quando não comparecem à escola.
Muito tem de ser feito, muito terá que mudar. Trabalhemos em conjunto, criando pontes de diálogo entre os diferentes intervenientes sempre cientes que, se não o fizermos, esta e as futuras gerações pagarão bem caro a nossa incompetência, cegueira ideológica e falta de sentido cívico para com aqueles que são realmente importantes para todos nós – os nossos filhos, os nossos alunos.
É possível!
Alexandre Henriques
Fonte: Observador por indicação de Livresco
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