Os professores portugueses não
vivem momentos facilitadores do desabrochar da ilusão, da fantasia criadora e
da utopia que leva à vontade de fazer e de vencer.
O clima percepcionado na maioria
das escolas é de desilusão, de desencanto, de anomia profissional.
Os mais jovens interrogam-se
sobre as escolhas que fizeram no momento em que decidiram vir a ser
professores. Os que acumularam mais experiência no desenrolar do seu percurso
profissional questionam-se sobre o sentido da dádiva desinteressada com que se
envolveram numa carreira que, pela sua nobreza e relevância social, deveria ter
sido indiscutivelmente gratificante.
As políticas de reconstrução do
tecido curricular, organizacional e de vida activa dos docentes e das escolas
correram mal. Correram mal a todos e pelos piores motivos. Correram mal aos
governantes, por precipitação, autismo e muita soberba. Correram mal aos
professores pelo desrespeito com que foram mimados, pelo desgaste da sua imagem
social, e pela total desestruturação do seu mundo conceptual sobre a escola e
sobre o seu futuro.
Há muito que os especialistas
tentam compreender estes estádios de carreira, ou ciclos de vida dos
professores.
Porque são previsíveis e, logo,
facilmente controláveis, em termos de expectativas e de procedimentos, a
literatura aconselha a manter os docentes em um dos três estádios clássicos do
seu percurso profissional: 1-O estádio
da sobrevivência, ou da fantasia, que geralmente coincide com o início da carreira,
e que se singulariza pela necessidade de afirmação do professor, no contacto
que mantém com os seus alunos, com os colegas e com comunidade educativa; 2-O estádio da mestria, em que o professor foca o seu esforço
no desempenho profissional, na preocupação de ser um "bom" professor,
dominando competências inerentes a essa intencionalidade, pelo que procura
respostas adequadas para determinadas situações que o acto de ensinar lhe
coloca: o número de alunos por turma, a ausência de regras bem definidas de
acção, a falta de materiais e condições para o exercício do seu trabalho na
classe, a falta de tempo para a consecução dos objectivos, ou para a abordagem
dos conteúdos; e 3-O estádio da
estabilidade, em que o docente
tenta individualizar o ensino, preocupando-se quer com os seus alunos, quer com
as suas necessidades e anseios, sejam elas tanto de ordem curricular, como de
natureza social e, até, familiar.
A pressão permanente sobre o
sistema e sobre os professores; a sua menorização pessoal, intelectual e
profissional, invariavelmente conduz a situações de prolongado e persistente
mal-estar, retirando os docentes de um desses três estádios clássicos e
colocando-os no que Francis Füller tão engenhosamente chamou de “curva ou estádio do desencanto”.
Infelizmente, vivemos em Portugal
um desses momentos raros e que presumimos indesejáveis para todos os
intervenientes: professores, pais e governantes. Momento em que se rompeu com
um período em que os professores se encontravam em ciclos da carreira de desinteressada
dádiva ao sistema, à escola e aos alunos, e que os tinham levado a optimizar o
seu investimento pessoal.
O ataque à sua profissionalidade
surgiu uma vez e outra, até que esta inesperada e evitável curva do desencanto
os atingiu fatalmente.
O acumular de situações
provocadas por esta já longa e insuportável conjuntura, por todos conhecida, o
retomar insistente de promessas incumpridas de verdadeira descentralização do
sistema educativo português, e a negação de se atribuir mais poder de decisão aos
professores e às escolas, também contribuíram para que a desilusão e o
desencanto se enquistassem no sistema, transformando as sinergias naturais em
processos de entropia irrefreáveis.
O trabalho do professor é
socialmente incontornável. Não depende apenas das políticas e dos políticos. É
uma exigência social, reconhecida e validada, que implica com a construção do
futuro e com o bem-estar da novas e das mais seniores gerações.
A escola é um bem não negociável.
Não pode ser objecto de argumentos de facção, de olhares recriminatórios e de
invectivas de tirania psicológica. Não pode, porque o que se faz à escola tem
um efeito multiplicador e de imprevisível bumerangue. O desrespeito desleal
pela escola marca e vitima os acusadores. A cicatriz social que daí resulta
leva tempo a sarar.
O mal-estar que se instalou por
demasiado tempo tem custos que ainda estão por calcular. E pagamos todos. Mesmo
aqueles que, como nós, continuam a pensar que para com os professores temos uma
dívida impagável que apaga todos momentos menos felizes do exercício da
profissão. Porque lhes devemos uma boa parte do que somos e do que ainda
queremos vir a ser.
ruivo@rvj.pt
Via correio eletrónico
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