1. O Ministério da Educação divulgou uma síntese de resultados (Educação Inclusiva 2020/2021) conseguidos pelas escolas públicas, no domínio dos apoios à aprendizagem e à inclusão. Está lá um quadro que compara as taxas globais de transição/conclusão dos diferentes ciclos de estudo com as mesmas taxas relativas aos alunos alvo das chamadas medidas selectivas e/ou adicionais (linguajar do DL 54/2018). Todas são excelentes, bem acima dos 90%, em todos os ciclos de estudo e nos dois grupos: o global e o dos alunos com necessidades educativas especiais (linguajar antigo, do século XX).
Só que há um problema, quando cruzamos estes maravilhosos dados com outros, do insuspeito Iave [Instituto de Avaliação Educativa] (provas de aferição de 2021). Com efeito, sobre a prova de Português e Estudo do Meio, do 2.º ano, disse o Iave que, na “análise e avaliação do conteúdo” de um texto, a percentagem média de respostas correctas se situou nos 19% e que apenas 7,8% dos alunos responderam de forma inteiramente correcta, ou seja, “apresentaram uma explicação fundamentada, analisando as ideias e construindo um raciocínio”. E disse ainda que, em Matemática, os alunos do 2.º ano e do 8.º evidenciaram dificuldades persistentes na “resolução de problemas” e, no 5.º e no 8.º, na maioria dos domínios analisados, a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades ficou aquém dos 20%, registando-se domínios onde não superou os 2,7%.
Termos em que a conclusão é óbvia: os excelentes resultados globais, apresentados pela desvergonha propagandística de um serviço são caricatamente resumidos, por outro serviço, à mediocridade que a soma das partes evidencia.
A manipulação dos resultados educativos, superestimando o que realmente os alunos aprendem, é absurda e irracional. Mas tudo continua porque na Educação há um padrão recorrente nas políticas do Governo: perante os factos problemáticos, não procura soluções; prefere alterar os factos, manipulando os dados, para escamotear a realidade.
2. Entre Janeiro e Abril deste ano, a Segurança Social processou menos 45 mil pagamentos relativos a subsídios de educação especial, que se destinam a crianças com dificuldades educativas severas, isto é, cortou, não certamente em nome da propalada educação inclusiva, um em cada quatro subsídios requeridos.
Quem está no sistema (professores de educação especial, terapeutas e, naturalmente, pais) sabe das dificuldades com que tem de lutar para garantir aos alunos o cumprimento de um direito constitucional básico, qual seja o direito à educação. Será que quem assim decide sente o mesmo? Ou achará, outrossim, que há que regular “privilégios” porque, embora não estejamos em austeridade (vocábulo proibido), para doar 250 milhões à Ucrânia e 50 à Polónia, temos de “economizar” nalgum lado?
(...)
4. Temos hoje, convenientemente, já se vê, um processo de formação contínua de professores, cuja característica distintiva é torná-los radicalmente cegos para tudo o que se oponha à narrativa da pedagogia religiosa do ministro e dos seus lobitos. As crenças substituíram o conhecimento e o poder decisório está nas mãos de uma seita, disposta a sacrificar os progressos recentes do sistema nacional de ensino. Fanáticos que são, estigmatizam e eliminam os que recusam juntar-se ao rebanho. Os mais ansiosos, os mais precários, os detentores de saberes menos sólidos, os mais compreensivelmente descontrolados pela ausência de futuro e os mais oportunistas vão aderindo à estratégia da seita e estabelecendo com ela o vínculo social que lhes faltava.
Santana Castilho
Fonte: Público
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