Ensinamos aos nossos filhos inúmeras formas de se manterem seguros. Ensinamos a não se aproximarem do fogão, a olhar para os dois lados da rua antes de atravessar, a ter cuidado junto ao mar. Mas, na maioria das vezes, a segurança do seu próprio corpo é uma conversa que fica sempre adiada, por vezes para tarde demais. Tarde demais porque continuam a ser incrivelmente enormes os números de crianças abusadas em algum momento. Isso pode parecer extremo, mas, na verdade, o abuso sexual é um risco para todas as crianças.
Dados internacionais calculam que aproximadamente 1 em cada 6 meninos e 1 em cada 4 meninas são abusados sexualmente antes de fazerem 18 anos. E mais preocupante ainda: apenas 10% dos perpetradores são pessoas estranhas para a criança, significando isto que a maior parte dos abusos são cometidos por familiares, professores ou alguém da comunidade que a criança conhece e confia. Isto é não apenas assustador como significa que a prevenção do abuso sexual infantil deve começar junto da família e da comunidade.
Nós tendemos a presumir que as crianças estão seguras desde que não as deixemos sem supervisão com adultos que não conhecemos bem, mas alguns estudos apontam para o facto de os abusadores não serem sempre adultos, havendo uma grande incidência destes entre os 12 e os 16 anos.
Isto é algo que consigo ver nas muitas consultas de adulto que ainda faço, algumas das quais há mães que me procuram porque querem melhorar algum aspecto da sua relação com os seus filhos. Inevitavelmente encontro histórias destas, devido aos efeitos a longo prazo destas experiências, quer psicológicos (sabemos hoje que as vítimas de abuso sexual são entre duas e três vezes mais propensos a sofrer de distúrbios como transtorno de personalidade, depressão, ansiedade, stress pós-traumático ou até distúrbios alimentares), quer na saúde física (as vítimas de abuso sexual apresentam um risco de 1,35 a 2,12 vezes maior a ter problemas de saúde como dor/fibromialgia, doenças gastrointestinais, doenças ginecológicas, doenças cardiopulmonares ou obesidade).
Por tudo isto, não podemos olhar para a prevenção como um “assunto de Estado” com dia, hora e idade certos. Esta prevenção tem que começar muito cedo, com a forma como falamos com nossos filhos sobre os seus corpos, desde a infância. Claro que nunca teremos a certeza de eles estarem imunes a uma situação de abuso, mas podemos ter a certeza de que podemos ajudá-los a desenvolver competências para diminuir o risco de virem a ser potenciais vítimas.
Aqui estão algumas dicas básicas para o ajudar na educação do seu filho, de forma a evitar o abuso sexual.
Usar os nomes correctos
Embora muitas vezes usemos palavra como “pipi”, “pombinha” ou “pilinha”, é importante que as crianças, desde cedo, saibam os nomes correctos. Para isso, pode, por exemplo, usar livros ou imprimir bonecos para ajudar a explicar.
Proibido tocar!
Explique que nenhum amigo (criança, adolescente ou adulto) pode tocar nas suas partes íntimas, bem como ele nunca deve tocar nas partes privadas de outra pessoa, mesmo se a criança, adolescente ou adulto lhe pedir. E nunca deixar que vejam, tirem ou lhe mostre fotografias de partes privadas de outras pessoas.
Fora com beijinhos quando eles não querem!
Desde cedo, ensine o seu filho que o corpo dele é só dele. E que ele pode e deve dizer “não” se não quer dar beijinhos ou abraços a pessoas mais ou menos conhecidas. Apesar de isto ainda ser prática comum e de muitas vezes ser confundida com “boa educação”, estamos a ensinar os nossos filhos que é normal sentir-se desconfortável ou invadido pela presença de alguém. “Dar cinco” ou atirar beijinhos é suficiente e já é sinal de boa educação.
Estes estão no meu coração
Ajude o seu filho a identificar as três ou quatro pessoas do seu coração, aquelas com quem ele se sente seguro e confiante e que acreditariam nele se ele contasse fosse o que fosse. Mas esta deve ser uma escolha dele, não uma imposição dos pais.
Dizer “não” aos segredos
Explique que na família não existem segredos (podem existir surpresas, mas não segredos). Por isso, se alguém pedir ao seu filho para guardar um segredo, ele deve explicar que não guarda segredos, em particular se esse segredo o faz sentir mal ou desconfortável.
Dói-dóis na cabeça
Ajude a identificar estes dói-dóis na cabeça (como um dia um menino de 4 anos lhes chamou numa consulta) e a contar de imediato a alguma pessoa do seu coração que sente um dói-dói na cabeça. Explique ao seu filho que temos um dói-dói na cabeça quando nos sentimos desconfortáveis ou com medo, o que normalmente faz com que sintamos coisas na barriga, as pernas a tremer ou o coração a bater muito rápido. Estes devem ser para si também sinais de alerta que deve valorizar. Desta forma, ajuda a encorajar o seu filho a contar-lhe o seu dia e como se sentiu nas diferentes situações.
Arranjar uma palavra mágica
Por exemplo “pêssegos” — esta é a palavra que o seu filho deve usar quando estiver numa situação em que se sinta desconfortável ou inseguro e que não consiga falar acerca disso no momento.
Manter-se informado(a)
Perceba mais acerca do modus operandi dos pedófilos e de comportamentos estranhos de adultos próximos de si e da sua família. Normalmente estas pessoas tendem a ser muito atentas, solícitas e muito gentis, não só com a criança mas também com a família, para ganhar a sua confiança. E ensine a criança a sair de situações desconfortáveis dizendo por exemplo que quer falar com a mãe ou ir para casa.
Se algo não lhe parecer certo, confie no seu instinto!
Clementina Almeida
Fonte: Público
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