O Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 7 de junho de 2022 emitindo a Recomendação n.º 3/2022 sobre o acolhimento de migrantes e a construção de uma escola mais inclusiva.
Deste documento, publica-se a Introdução:
A inclusão de alunos/as de origem migrante numa escola que se pretende para todos e todas não é um objetivo novo. A Europa tem vindo a confrontar-se com este desafio há décadas, explicado pelas diversas guerras que têm ocorrido (por exemplo, na Jugoslávia, Kosovo, Síria). Em 1990, existiam cerca de 2,5 milhões de pessoas refugiadas. Em 2017, o número de pessoas refugiadas nos países da OCDE passou para cerca de 6,4 milhões (Cerna, 2019). Na atualidade, com a guerra da Ucrânia, esta problemática agudiza-se. Disso é expressão a recente Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2022, de 1 março, onde se pode ler um conjunto de medidas que permitem agilizar e tornar mais célere a concessão de proteção temporária a pessoas deslocadas da Ucrânia. Embora seja um primeiro passo importante, há que continuar a desenvolver uma política que responda à necessidade de se construir uma escola inclusiva, em particular para a toda a população de migrantes já existentes em Portugal, e para os milhares que estão a chegar no momento.
No ano letivo 2019/20, em Portugal Continental, o número de alunos/as de nacionalidade estrangeira matriculados/as no ensino básico e secundário é de 68 018, representando 6,7 % do total de alunos/as. No período de 2010/11 a 2019/20, verificou-se uma redução do número destes alunos/as, invertendo-se esta tendência a partir do ano letivo de 2016/17 (Oliveira, 2021). O decréscimo verificado entre 2010 e 2015 é explicado, por um lado, pela redução do número de pessoas estrangeiras residentes em Portugal e, por outro, pelo "aumento do número de cidadãos estrangeiros, nomeadamente de descendentes de imigrantes já nascidos em Portugal, que adquiriram a nacionalidade portuguesa" (Oliveira, 2021, p. 96).
No ensino superior, em 2019/20, estão matriculados 62 690 alunos/as de nacionalidade estrangeira, o que corresponde a 16,5 % dos/as alunos/as. Neste caso, considerando o mesmo período, verifica-se que o número de alunos/as de nacionalidade estrangeira inscritos/as no ensino superior tem aumentado, assim como o seu peso relativo quanto ao número de alunos/as de nacionalidade estrangeira inscritos/as no ensino superior tem aumentado no mesmo período, o mesmo se verificando no seu peso relativo em relação ao número total de alunos/as. Segundo Oliveira (2021), a sucessiva legislação sobre o Estatuto do Estudante Internacional que procurou promover "a igualdade de tratamento dos cidadãos da União Europeia e dos seus familiares nacionais de Estados Terceiros" (p. 107), poderá em parte explicar este aumento.
Portugal tem uma longa tradição de pensar os desafios de uma escola intercultural e de como lhes responder. Existe um reconhecimento, a nível nacional e internacional, da existência de políticas educativas dirigidas à inclusão de alunos e alunas de origem migrante. Como pode ler-se no Parecer n.º 10/2018, Parecer sobre o Estatuto do Estudante Internacional, Portugal é um "país pioneiro na implementação de mecanismos (políticas nacionais e locais) para a integração de migrantes, nomeadamente através de planos nacionais e municipais de acolhimento e integração de imigrantes" (Conselho Nacional de Educação [CNE], 2018, p. 14977). Esta visão é partilhada por olhares internacionais, quando afirmam que "desde 2018, Portugal desenvolveu um enquadramento legal sobre educação inclusiva, embora já tivesse havido esforços antes para promover a inclusão e equidade desde os anos oitenta" (OECD, 2022, p. 14) do século XX.
Mas a inclusão é um processo dinâmico (UNESCO, 2020) que visa promover uma educação de qualidade para todos e todas, respeitando a diversidade, as necessidades e expectativas de todos/as e de cada um/a, eliminando todas as formas de exclusão. É de notar que há progressos: de uma prática local existente nas escolas portuguesas, a inclusão evolui para uma prática que se pretende global (Rodrigues, 2022). Iniciando-se com uma visão de que a inclusão acontece em espaços próprios e dirigidos a grupos de alunos/as muito específicos, passa cada vez mais a envolver todo o corpo docente e estudantil. Contudo, é ainda um processo a longo prazo e sujeito a sucessivos ajustamentos, dada a diversidade crescente social e cultural dos alunos e das alunas que exige naturalmente ajuste nos objetivos, medidas e práticas (OECD, 2019).
Segundo Cerna (2019), as pessoas refugiadas e imigrantes partilham o terem de se confrontar com o corte com o seu país de origem, tendo de se adaptar a uma nova cultura e forma de vida e ultrapassar a interrupção dos seus estudos num outro sistema e cultura. Poderão estar sujeitas a atitudes de racismo e discriminação e a crises de identidade por procurarem compatibilizar a sua cultura com aquela do país de acolhimento. Acresce que as pessoas refugiadas apresentam dificuldades específicas, tais como os traumas que muitas vezes viveram.
Para além disso, os/as alunos/as de origem migrante constituem grupos altamente heterogéneos no seu background. A tentação de os agrupar por origem pode parecer à primeira vista um meio facilitador da sua integração. Contudo, existem perigos vários que podem advir desta estratégia, como seja a criação de barreiras com outras comunidades, e o aumento da dificuldade de trazer à luz obstáculos ao seu bem-estar e à sua inclusão a longo termo (OECD, 2019).
É neste quadro de enormes desafios e de procura de respostas para os problemas que se colocam a uma escola que procura ser inclusiva que, em junho de 2019, surge uma Nova Agenda Estratégica da UE para o período de 2019 a 2024 que aponta como uma das suas quatro prioridades: "proteger os cidadãos e as liberdades (e prosseguir uma política de migração abrangente)" (CNE, 2021, p. 23). Partilhando iguais preocupações e tendo em conta a complexidade do processo de inclusão das pessoas migrantes, o CNE sentiu a necessidade de repor esta problemática na ordem do dia e refletir em conjunto para elaborar um conjunto de recomendações que visam contribuir para o desenvolvimento do processo de criação de uma escola inclusiva. É de fazer notar que este texto, muito embora contenha referências ao ensino superior, foca-se fundamentalmente no ensino básico e no ensino secundário. É ainda de fazer notar que a maioria das recomendações se poderá aplicar à educação de infância com os devidos ajustamentos a este contexto.
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