Para muitas famílias com crianças com deficiência, as férias tendem a ser sinónimo de ansiedade. Basta fazer as contas: os pais costumam ter cerca de um mês de férias por ano (isto se tiverem um emprego formal), o que talvez não chegue para cobrir um terço do tempo que os filhos passam sem aulas. Se já é exigente para as famílias típicas encontrarem soluções para ocupar os jovens durante as pausas lectivas, imaginem então para quem cuida de uma criança com necessidades específicas. A oferta de campos de férias inclusivos é limitada e, quando existe, depende quase sempre do trabalho incansável de associações que tentam preencher lacunas.
Fartas desta desigualdade no acesso às actividades de tempos livres, um grupo de mães de Braga decidiu fazer um protesto à porta da mais recente reunião do executivo. Segundo refere a Rádio Universitária do Minho (RUM), as mães foram recebidas pelo presidente daquela autarquia, Ricardo Rio, que “garantiu que vai ajudar”. A solução provisória encontrada passa por uma articulação com o Instituto Português do Desporto e da Juventude e a Associação Juvenil SYnergia.
Reparem como, mais uma vez, as respostas dependem do associativismo. Notem ainda como é caricato que, no século XXI, continuemos a reivindicar que as crianças com deficiência possam gozar o período estival como todas as outras. E, não menos importante, que possam estar num local seguro, apropriado e inclusivo enquanto os encarregados de educação trabalham para fazer face às despesas da casa. Custos esses que tendem a ser superiores aos de uma família típica, pois envolvem muitas vezes o pagamento de consultas, terapias e produtos de apoio (uma cadeira de rodas ou materiais pedagógicos adaptados, por exemplo). Porque, também aí, o Estado falha com alguma frequência.
Durante a tal reunião do executivo de Braga, ainda de acordo com a notícia da RUM assinada por Liliana Oliveira, foi aprovada por unanimidade uma recomendação da CDU para a criação de uma solução duradoura. “Existem, em Braga, diferentes programas de férias e ocupação de tempos livres para crianças e jovens do concelho. No entanto, as actividades programadas não têm respeitado o princípio da igualdade de oportunidades para todos, deixando algumas crianças de fora do acesso a estes programas”, refere a proposta da CDU, citada pela RUM. A afirmação diz respeito à realidade bracarense, mas, infelizmente, repete-se em muitos outros concelhos do país.
Não fossem as associações ligadas à deficiência, muitos pais não poderiam ter empregos. Aprendi isso quando voltei para o Porto em 2021. Após ter vivido alguns anos no estrangeiro, regressei de avião a Portugal com duas crianças e duas malas. Nesse Verão, precisava tratar de várias questões burocráticas ligadas à mudança de país e, ao mesmo tempo, realizar, transcrever e traduzir entrevistas. Seria humanamente impossível dar conta de tudo se não dispusesse de um lugar seguro para deixar pelo menos o meu filho mais novo. Sem os campos de férias da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM-Porto), não teria conseguido trabalhar e, simultaneamente, tratar da matrícula dos miúdos nas novas escolas, da renovação do cartão de cidadão, do agendamento de consultas e terapias, da procura de uma nova casa etc..O trabalho desta e de outras entidades é vital para que as famílias atípicas possam não só ter uma fonte de rendimento, mas também manter a cabeça à tona. Porque é difícil ter uma boa saúde mental sem saber onde deixar os filhos, felizes e em segurança, para poder ir trabalhar.
Sonho com o dia em que não seja necessário mencionar que um campo de férias é inclusivo. Todos deveriam sê-lo. No Porto, entidades como o Pony Club e a Associação de Desporto Adaptado do Porto (a ADADA, que vai acompanhar 48 alunos no programa Missão Férias@Porto da autarquia) oferecem este tipo de resposta. Além da APPACDM, que já referi, há pouco mais na cidade. Se tenho meia dúzia (ou menos) de campos de férias a anunciarem-se como abertos a crianças com deficiência, talvez isto queira dizer, nas entrelinhas, que todos os outros praticam a exclusão? Não é algo que se escreva, ninguém inclui num cartaz frases do tipo: “não aceitamos meninos diferentes”. Mas quem tem um filho com necessidades específicas sabe bem como as portas podem se fechar na hora da inscrição. São situações dolorosas que levam muitos pais, numa lógica de autopreservação, a nem sequer tentar uma vaga em campos de férias desenhados apenas para crianças com desenvolvimento típico. Porque é humilhante e cansativo. É por isso que, ao ler sobre o protesto das mães de Braga, só me apetece levantar e bater palmas para estas mulheres. Que incríveis são por estarem a lutar, em nome de todos nós, por uma sociedade mais equitativa. Envio-lhes um abraço apertado do Porto.
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário