Natural de Lisboa, estuda Informática Web na Universidade da Beira Interior, na Covilhã. Tiago é o protagonista de uma história invulgar: saltou três anos e aprendeu (quase) sempre em casa. Muitos dos alunos que chegam à faculdade antes dos 18 anos têm capacidades acima da média. Estima-se que entre 3 a 5% das crianças apresentem estas características, mas nas escolas nem sempre há sensibilidade para a temática.
Quando acabar o curso de Informática Web, Tiago Mascarenhas terá a idade com que a maioria dos jovens começa a formação universitária: 18 anos. Foi em 2020, num ano repleto de mudanças causadas pela pandemia de covid-19, que entrou na faculdade e começou o percurso que por si só pode transformar a vida de um jovem. Tinha apenas 15 anos e, antes dele, só três estudantes tinham ingressado na universidade com esta idade. Um caso tão raro e excecional que, na hora da matrícula, o sistema da Universidade da Beira Interior deu erro: o software só estava preparado para alunos a partir dos 16 anos.
É natural de Lisboa, mais propriamente da zona do Ribatejo, mas é na Covilhã que fala à equipa de reportagem (...). Numa sala de informática da faculdade, surge com a boa disposição que os colegas e professores já lhe tinham apontado. Usa uma tshirt vermelha que diz “Tokio” e que deixa adivinhar um interesse que haveria de ser confirmado mais à frente nesta entrevista: a cultura japonesa.
"Não acho que seja um 'supercrânio'", começa por dizer. E também não gosta de afirmar que tem capacidades acima da média, mas o certo é que conseguiu avançar três anos no percurso escolar e a estudar (quase) sempre em casa. Tiago é o protagonista de uma história invulgar que começa quando foi para o Brasil, aos oito anos - os pais saíram de Portugal por motivos profissionais. Algum tempo depois, quando a família voltou, Tiago sentia que estava num nível mais avançado do que os colegas de escola da mesma idade. Aplicou-se e passou um ano à frente. Foi o primeiro de três saltos.
“Tive de ficar um mês a estudar em casa. Quando terminou esse mês a minha mãe disse: ‘Tiago queres continuar a estudar em casa?´’ E eu pensei ‘porque não’? Isso foi no quinto ano. Então, eu fiquei do quinto até ao 11.º a estudar em casa. O que me permite passar anos à frente é que eu em casa estudo três anos em dois e isso faz com que eu pule um ano. Eu fiz isso duas vezes."
Se para a maioria dos alunos não frequentar a escola pode significar dificuldades de aprendizagem acrescidas, no caso de Tiago isso não só se verificou, como lhe possibilitou ter mais tempo livre para gozar. Sem professores ou tutores que o acompanhassem permanentemente, estudava sozinho e apenas ia marcando explicações pontuais para as matérias mais difíceis. Revela que não era nada organizado nem agarrado aos livros e muitas vezes, como tantas outras crianças, deixava tudo para a última. “Pensava ‘ah, vou jogar um jogo, deixa para depois a matéria, logo se estuda’.” Mas depois fazia os testes que eram necessários, as provas corriam bem e passava de ano.
“Apesar de estar em casa, estava inscrito numa escola porque tinha de fazer testes. As escolas fazem uma lista de conhecimentos que tem de se saber para se passar nos testes. Eu estudo aqueles itens da lista e depois faço o teste e consigo passar. Eu fiz isso tudo sozinho.”
Mas para uma criança, andar na escola é muito mais do que aprender matéria: é também brincar com os colegas, desenvolver ferramentas de socialização com os outros, criar laços afetivos. Porém, Tiago sente que não perdeu nada disto. É que apesar de não ter frequentado nenhum estabelecimento de ensino, no tempo livre desdobrava-se em atividades extracurriculares. Diz-nos que chegou a participar em cerca de sete atividades ao mesmo tempo, que incluíam vários desportos. “Eu fazia o pentatlo completo, então logo aí são cinco desportos diferentes: laser, corrida, natação, equitação e esgrima. Eu e o meu irmão o que mais gostamos foi esgrima, sentes que está num filme”.
A experiência de ir à escola só acabou por acontecer no 12.º, um ano por norma mais exigente, que antecede o concurso ao Ensino Superior. A ideia até era ir para uma faculdade na Irlanda, mas a covid-19 trocou-lhe as voltas. Candidatou-se e entrou em várias faculdades, mas acabou por escolher esta da Covilhã. Assume-se como um rapaz introvertido, mas com um grupo de amigos bastante diverso. “Tenho amigos que conheci aqui [na faculdade], tenho amigos que conheci ainda andava na escola no 12.º, a minha namorada está no conservatório”, revela.
"É um bom aluno", dizem os professores. Os docentes reconhecem que até há bem pouco tempo desconheciam a sua idade. “Até há uns dias não sabiam que ele tinha agora 16 anos. Ele foi tratado como um aluno normal e fez o seu desempenho normal. É um bom aluno. O que os professores notam é que é um aluno irrequieto, que faz perguntas, no qual notam uma certa rebeldia intelectual”, conta Mário Freire, professor e diretor do Departamento de Informática Web, na Universidade da Beira Interior.
Interessa-se por inteligência artificial e é esta área que pretende seguir num mestrado. "É uma nova área que está a moldar o mundo. E eu gostava de fazer parte dessa onda que está a moldar o mundo", sublinha com um olhar curioso para depois partilhar que até já tem objetivos mais ou menos traçados, como ir trabalhar para o Japão, onde há mais oportunidades no meio tecnológico. Volta-nos a chamar a atenção a t-shirt vermelha que traz vestida e na qual se lê “Tokio”. Porque talvez Tóquio seja mesmo o futuro e ele até já começou a ter aulas de japonês há coisa de “ano e meio, dois anos”.
Tiago foi o quarto e último aluno a chegar à faculdade com apenas 15 anos. Os dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior revelam que, antes dele, apenas três alunos tinham entrado num curso superior com esta idade: em 2019/20 um aluno em Música no Instituto Politécnico do Porto - Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, em 2017/18 um estudante em Matemática Aplicada e Computação na Universidade de Lisboa – Instituto Superior Técnico, em 2012/13 um aluno em “Música, variante de Instrumento” no Instituto Politécnico do Porto - Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo.
Entrar na faculdade com 16, não sendo tão raro, também não é habitual: apenas 52 alunos chegaram ao Superior com esta idade. Para se ter uma ideia, o número de alunos a entrar com 17 já sobe para 5.062.
As capacidades acima da média explicam muitos dos percursos dos jovens que entram num curso superior antes dos 17 anos. Estima-se que entre 3 a 5% das crianças matriculadas nas escolas sejam consideradas sobredotadas, mas a maioria está por identificar.
Fonte: CNN Portugal por indicação de Livresco
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