Tal como noutros países, também em Portugal se registará, até 2030, uma acentuada falta de professores, associada à aposentação de um elevado número de docentes, da educação pré-escolar ao ensino secundário. A escassez de professores é, assim, um tema que tem sido discutido em diversos relatórios, incluindo o da Eurydice (2019), Carreira docente na Europa.
A procura e a oferta de professores funcionam como indicadores de um planeamento prospetivo, tendo em conta quer o envelhecimento da população docente, quer a descida da taxa de natalidade, quer ainda a taxa de desistência da profissão que, em Portugal, não tem sido significativa.
Se, nas décadas de 1980 e 1990, aumentou o número de professores e alunos, seria previsível que, passadas três ou quatro décadas, o problema da falta de professores surgisse, agravado, nos últimos anos, pela grande diminuição da oferta e da procura de cursos de formação de professores, ao nível do ensino superior.
Como é referido pelo estudo da Universidade Nova de Lisboa “Estado de diagnóstico de necessidades docentes de 2021 a 2030” (DGEEC, 2021), a situação é mais crítica no 3.º ciclo de ensino básico e no ensino secundário, com incidência em determinadas regiões e em certas disciplinas.
Institucionalizada em 1901, a formação inicial de professores teve por base o modelo clássico e o modelo sequencial, robustecendo-se com o modelo integrado das universidades novas, nas décadas de 1970 e 1980, bem como das Escolas Superiores de Educação (ESE), completando-se com a profissionalização em exercício (1979-1985), com a formação em serviço (1985-1989) e com a profissionalização em serviço (a partir de 1989).
Com efeito, a falta de professores exige que a formação inicial seja repensada, incluindo os processos de seleção e de recrutamento, de modo a encontrar soluções inovadoras que respondam a um dos desafios mais estratégicos que o sistema educativo, hoje em dia, enfrenta.
A partir da publicação da Lei de Bases dos Sistema Educativo (1986), a formação inicial tem sido realizada, regra geral, pelas ESE, para a educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico, bem como pelas universidades, para o 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário, admitindo o 2.º ciclo do ensino básico – e, em parte, também o 3.º – uma maior flexibilidade.
Por legislação de 2007, a habilitação académica/profissional para a docência está ao nível de um curso de mestrado em educação/ensino, num percurso bietápico em que, na licenciatura, é adquirida uma habilitação na área científica de docência e, no mestrado, uma habilitação científico-pedagógica.
A falta de professores não colocará em causa, certamente, a sua formação nas instituições do ensino superior, cujo papel deve ser reforçado na procura de um novo modelo de formação que responda às mudanças que se têm verificado nas escolas e nas salas de aula, principalmente num desenvolvimento curricular mais centrado em aprendizagens interdisciplinares e integradas e menos em áreas de saber estanques, representadas pelas disciplinas.
Um outro princípio a reter é o de que a resolução do problema da falta de professores não pode passar pela diminuição da exigência na formação inicial, pois é razoável afirmar que a crescente qualificação educativa dos jovens depende, além de outros fatores, da qualidade da formação docente inicial e contínua, não sendo de ignorar o papel fundamental das instituições de ensino superior e dos centros de formação contínua.
Porém, algumas medidas podem ser pontuais e, unicamente, para áreas de formação em que se observe uma maior falta de docentes. Por exemplo, a atual “profissionalização em serviço” poderia ser reformulada, alterando-se as condições de acesso: mudar a habilitação científica exigida ao nível de uma licenciatura pré-Bolonha para uma licenciatura pós-Bolonha; repensar a exigência de cinco anos de experiência docente. Por outro lado, as condições de acesso ao mestrado em educação/ensino poder-se-iam tornar mais abrangentes.
Outro problema relacionado com a falta de professores prende-se com a sua seleção e o seu recrutamento. O já citado relatório da Eurydice incentiva à implementação de processos mais descentralizados, propiciadores da estabilidade da relação professor-aluno, e menos baseados em procedimentos concursais centralizados.
Parafraseando Jorge Sarmento Morais (PÚBLICO, 7 de julho 2019), que afirma que não há sucesso escolar sem estabilidade dos docentes, acrescento que sem estabilidade não há motivação para atrair candidatos para a profissão docente.
Reconhecer-se-á, portanto, que o recrutamento de professores precisa de ser urgentemente repensado, não sendo possível admitir situações que criam muita instabilidade profissional e pedagógica, como as que se registam, atualmente: escolas com autonomia reduzida no recrutamento dos seus docentes; professores que não pertencem a um quadro de escola, mesmo com mais de 20 anos de serviço e que, como tal, se veem obrigados a uma constante mudança e a situações laborais precárias; alunos que, consecutivamente, mudam de professores, mais que uma vez, no próprio ano; reduzido número de alunos que mantém os seus professores ao longo de um ciclo de estudos, dificultando a existência de percursos diretos de sucesso e a eficiência da recuperação das aprendizagens essenciais, no contexto da pandemia de covid-19.
Além de outros fatores, a estabilidade docente está diretamente associada à atratividade profissional. As metáforas negativas que existem em relação aos professores poderiam ser reescritas, se a escola tivesse um papel mais ativo no recrutamento dos professores, tal como já acontece para as escolas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP).
A existência de um projeto educativo de escola deveria ser condição suficiente para que a mesma pudesse manter os seus docentes, passando pela renovação de contratos de professores com horários incompletos, como já foi anunciado pelo Ministério da Educação.
A mudança a realizar no recrutamento de professores tornar-se-ia ainda mais substantiva se os alunos fossem colocados no centro das questões curriculares e pedagógicas, já que a estabilidade que resulta da continuidade dos docentes, numa escola, tem repercussões no sucesso dos mesmos.
De certo que, resolvido o problema da estabilidade docente e melhorando a valorização social da profissão, o número de mais e melhores candidatos poderá aumentar significativamente.
José Augusto Pacheco
Fonte: Público
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