No início deste mês, o ministro Tiago Brandão Rodrigues fez declarações públicas no sentido de apoiar uma progressiva redução do número máximo de alunos por turma. A maioria dos que o ouviram (encarregados de educação ou professores), ou que leram as notícias, quiseram muito acreditar que poderia estar, finalmente, em decurso uma verdadeira inversão das más políticas educativas dos últimos anos.
Mas eis que, a terminar a semana passada, a senhora secretária de Estado e o senhor secretário de Estado, ambos da Educação, assinaram o despacho normativo n.º 1-H/2016 que determina que “A redução de turmas prevista no número anterior [incluindo alunos com necessidades educativas especiais] fica dependente do acompanhamento e permanência destes alunos na turma em pelo menos 60% do tempo curricular”, não se contemplando qualquer redução do número máximo de alunos por turma.
Antes de passar à análise do que qualifico, sem receio, de absolutamente vergonhoso, gostaria de explicar um pouco da “lógica” que estará na sua origem daquela medida: o Ministério da Educação (ME) parece considerar que as escolas terão andado a abusar da inserção de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) nas turmas, de modo a conseguir que elas tenham menos elementos. E para dar maior força a essa forma de pensar, terão lido o recente relatório do Conselho Nacional de Educação sobre a dimensão das turmas, no qual se refere em algumas passagens que existe uma sobre-representação de turmas com 19-20 alunos, em muito devido à inclusão de tais alunos. Esta é a minha apreciação; podem achá-la um juízo de intenções que isso não me incomoda. Infelizmente, acho que é a triste realidade das coisas. Se há razão em tal perspetiva dos factos? Não sei… não sou eu que controlo e posso consultar o MISI, a enorme base de dados que tem todos os dados imagináveis sobre o funcionamento do nosso sistema educativo.
Passando agora à análise da vergonha em si, gostaria de destacar dois pontos:
- A partir de agora, as turmas só poderão ser reduzidas se os alunos com NEE estiverem 60% com o resto dos colegas, o que significa que não terá redução se os alunos apenas estiverem 50% do tempo, ou 40%. Ou seja, quanto mais dificuldades tiverem, maior será a turma em que estarão inseridos para o trabalho comum. Esta consequência é de um brilhantismo que cruza diversos níveis de perversidade que eu queria acreditar estarem extintas em equipas do ME posteriores a outros titulares que tenho em má memória. Ao que parece, no PS, não aprenderam nada de bom com o passado, preferindo manter os velhos truques.
- Para quem conhece como acaba por ser “desenhado” um currículo específico individual (CEI) de um alunos com dificuldades de aprendizagem graves, saberá que, por exemplo no caso do 2.º ciclo (vou falar do que conheço diretamente há mais tempo), a matriz oficial contempla 1350 minutos de aulas. Assim sendo, 60% correspondem a 810 minutos, pelo que os alunos (de acordo com o normativo agora em vigor) só poderão estar ausentes da turma durante 540 minutos. Imaginemos agora um aluno que precise de ter, por profundos problemas devidamente identificados e diagnosticados, Matemática Funcional e Português Funcional em pequeno grupo, fora da turma. No mínimo estará 500 minutos (mínimo legal para estas disciplinas) fora das aulas da turma. Não poderá estar ausente em nenhuma disciplina (imaginemos o caso de Inglês para alunos que nem o Português conseguem dominar). Imaginemos que na escola, a turma tem seis tempos de 50 minutos de Português (300 minutos) e cinco tempos de 50 minutos de Matemática (250 minutos), ou vice-versa. O total de 550 minutos impedirá a turma de ter redução.
Quem faz diplomas assim (ou quem os admite, ou quem desconhece como tudo isto se traduz no concreto), abrigando decisões destas, deveria sair à rua com cobertura de alcatrão e penas. Porque desvirtua qualquer noção de inclusão, ao aplicar-lhe os princípios da lógica low cost aos alunos que, pelas suas características, implicam um maior investimento, ou seja, “maior custo unitário”. A inclusão passa por integrá-los em turmas até 30 alunos e reduzir o número de turmas com menor dimensão. Se formos dizer que isto é uma medida destinada apenas a poupar o suficiente para, no próximo ano, reduzir o número máximo de alunos por turma e mesmo assim não aumentar o número de turmas, irão dizer-nos que é mentira e que estamos a ser “conservadores” e a não entender o aprofundamento das práticas inclusivas ou a “necessidade de induzir mais inclusão”.
Por fim… é paradoxal que gente que se dobra e desdobra na reclamação de vias “alternativas” para combater o insucesso e abandono escolar, criando soluções que tendem para guetos socioeducacionais (caso do vocacional e certos “percursos profissionalizantes”, mas também de programas anunciados recentemente para garantir o “sucesso escolar”), sejam depois os mesmos que venham clamar por “mais inclusão” daqueles alunos que mais precisam de um tipo de percurso individualizado. Só que como estas soluções são mais “caras”, usam-se truques semânticos e bloqueios administrativos para os reduzir e embaratecer. O que é vergonhoso.
Paulo Guinote
Professor do 2.º ciclo do ensino básico
Fonte: Público por indicação de Livresco
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