Mais de 80% dos alunos afrodescendentes acabam nesta vertente no secundário, o dobro da média da população branca.
As conclusões são controversas: um estudo realizado por Pedro Abrantes e Cristina Roldão, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), identifica sinais de "segregação" e até "racismo institucional" nas escolas portuguesas tendo por alvo a população afrodescendente. A tese dos investigadores do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) assenta em indicadores objetivos, retirados de dados oficiais do Ministério da Educação. Elementos que não figuram nas estatísticas oficiais publicadas pela tutela mas que os investigadores foram autorizados a recolher e tratar.
O primeiro sinal de alerta parte do chamado ensino vocacional e profissional, uma aposta de vários governos - em Portugal e não só. A ideia de construir percursos alternativos para garantir que cada vez mais alunos conseguem completar a sua escolaridade e obter alguma qualificação profissional tem sido consensual no país, mesmo com diferentes abordagens em função da cor política do partido ou partidos no governo. Mas as conclusões dos investigadores sugerem que, em relação aos alunos de ascendência africana, estas vias têm funcionado mais como um "gueto" criado no espaço escolar.
Cerca de 80% de todos os alunos neste grupo (6451 de um total de 7984, dados de 2013) acabam nos cursos profissionais assim que atingem o ensino secundário, bastante mais do dobro da população cujos ascendentes diretos (pais, avós) são portugueses. "Têm quase três vezes mais possibilidades de acabar nessas vias do que os "portugueses", conta (...) Pedro Abrantes, acrescentando que em certos grupos a diferença é ainda mais acentuada: "Alunos cabo-verdianos têm cinco vezes mais probabilidades", ilustra.
Outro dado difícil de explicar: enquanto entre 2001 e 2011, a percentagem de alunos "portugueses" dos 18 aos 22 anos que chegam ao ensino superior aumentou de 31% para 34%, entre os alunos afrodescendentes baixou dos 21% para os 16%.
Este é um indicador que, desde logo, abala aquela que seria a explicação mais óbvia para as expectativas mais baixas dos alunos de origem africana: a condição socioeconómica das suas famílias. Uma estagnação ou uma subida mais lenta da percentagem de alunos deste grupo que chega ao superior poderia ser explicada com dados de contexto. Mas para uma queda faltam as justificações. "Sabemos que, nestes anos de crise, as universidades aumentaram os valores das propinas e as famílias tinham menos meios. É natural que tenha havido alguma retração em relação ao ensino superior. Mas no grupo dos alunos afrodescendentes essa retração é muito maior do que aquela que seria expectável", diz o investigador.
O dado mais inquietante vem da análise dos resultados dos alunos em função da condição socioeconómica e habilitações literárias dos pais. Não é apenas entre os mais desfavorecidos que este fosso de resultados e expectativas entre alunos negros e brancos é acentuado. Por exemplo, mesmo quando um aluno afrodescendente tem pais com empregos qualificados, que lhes garantem rendimentos de nível médio a elevado, as suas probabilidades de contabilizar com pelo menos uma retenção no currículo são de 41%. Praticamente o dobro do outro grupo em análise.
"A segregação ocorre"
Para Pedro Abrantes, a soma destes dados não deixa dúvidas. "A segregação ocorre. Pode-se discutir se é de facto algo que é consciente ou se é uma consequência de vários mecanismos que não são muito conscientes, mas a verdade é que a segregação existe", considera.
Pedro Calado, Alto Comissário para as Migrações e Coordenador do Programa Escolhas (uma iniciativa do Conselho de Ministros que promove a inclusão dos grupos mais vulneráveis), admite que o estudo - por sinal apoiado pelo Alto Comissariado - "vem lançar novas pistas de reflexão face àquilo que haviam sido os estudos anteriores sobre a integração escolar dos descendentes de imigrantes em Portugal, nomeadamente por reforçar a possibilidade de existir algum tipo de orientação seletiva para alternativas educativas que se pode perfilar como segregadora".
"Este estudo lança, então, pistas que importa aprofundar para perceber se a estes fatores acresce alguma dimensão associada ao racismo, nomeadamente nos caminhos de acesso ao ensino superior".
Manuel António Pereira, presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares, reage às conclusões com a mesma combinação de cautela e preocupação: "Sou contra qualquer tipo de discriminação na escola. As escolas, nomeadamente a escola pública, têm de fazer tudo o que está ao seu alcance para que os alunos, seja qual for a sua origem, não se sintam discriminados." E acrescenta, "se existem sinais encontrados nesse estudo, eles nunca são despicientes e devem ser interpretados e ouvidos com atenção".
Ainda assim, este diretor admite que "uma boa percentagem" dos alunos que contribuem para as estatísticas do estudo frequentem "escolas suburbanas, onde a realidade social, económica e política é diferente do resto do país".
Há vários fatores que podem ajudar a enquadrar os resultados do estudo. Mesmo o autor admite que, por exemplo em relação ao ensino superior, "pode haver algum impacto de uma menor procura por alunos dos países de língua portuguesa", ainda que esclareça que "esse impacto não chega de forma alguma" para explicar os números.
Refira-se que o número total de nacionais de países africanos de língua oficial portuguesa nos ensinos básico e secundário é de 18255.
Segundo os investigadores "no caso do secundário, 6451 alunos estão nos cursos profissionais e apenas 1533 nos cursos gerais".
Pedro Abrantes explicou (...) que "uma parte da análise foi baseada neste universo. Noutra parte da análise procurámos integrar também aqueles que já nasceram em Portugal, mas cujos pais são africanos. Nesse caso, o universo é bastante maior (cerca do dobro), mas aí não temos um número exato, pois o Ministério da Educação não recolhe informação sobre a nacionalidade e naturalidade dos pais no universo do sistema educativo e, portanto, trabalhamos com amostras".
Fonte: DN
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