É uma “profunda desigualdade” na distribuição de recursos que sobressai no estudo “Organização Escolar: As Turmas” do Conselho Nacional de Educação (CNE). Desigualdade na comparação entre regiões, entre diferentes ciclos de ensino, entre ensino regular e modalidades especiais de ensino e ainda no cumprimento dos normativos legais, sobretudo no caso da legislação relativa aos alunos com necessidades educativas especiais. No estudo, percebe-se que há margem para uma redução seletiva e gradual do número de alunos por turma, desde que, sublinha-se, “se corrijam situações que não respeitam os limiares mínimos definidos pela lei”. É mais um trabalho de gestão dos recursos existentes do que a adoção de novos normativos de aplicação universal.
A dimensão das turmas pode ajudar a explicar várias situações e o assunto tem sido abordado de vários ângulos. Um inquérito da OCDE, onde participaram 24 países da OCDE e outros nove, revela que os professores gastam, em média, 79% do seu tempo no processo de ensino e aprendizagem. Portugal fica próximo dos 75%. Verifica-se então uma correlação positiva entre a dimensão média da turma e a proporção de alunos com problemas de comportamento. Logo, concluiu-se, que “turmas de maior dimensão estão associadas a uma maior proporção de alunos com problemas comportamentais, o que implica menor tempo gasto em atividades de ensino e aprendizagem”.
Portugal manteve a dimensão média das turmas com 20 alunos entre 2000 e 2009, abaixo da média da OCDE que rondava os 22 alunos, e semelhante à média da União Europeia, de 20. Em 2013, verifica-se uma pequena subida, de 21 alunos por turma, ultrapassando, ligeiramente, a média da UE e aproximando-se da média da OCDE. No mapa internacional, a Turquia e a Coreia, embora acima da média da OCDE, baixaram significativamente de 2000 para 2013 a dimensão média das turmas, ou seja, de 31 para 23 alunos e de 37 para 24, respetivamente. Japão, Israel, Chile, Irlanda e Reino Unido ainda mantêm valores entre 25 e 29 alunos por turma. Do lado oposto, está a Eslováquia, que passou de 24 para 20 alunos por turma entre 2000 e 2013.
O CNE consultou os dados do Sistema Nacional de Gestão de Turmas disponibilizado pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) em novembro de 2015. Os números são divulgados e analisados. Em 2015/2016, no pré-escolar o número médio de crianças por turma é de 19,6 e não há turmas com mais de 26 crianças. No 1.º ciclo, o número médio é de 20,7 e não há turmas com mais de 30 alunos. Neste ciclo de ensino, 32% das turmas têm alunos de mais de um ano de escolaridade, abrangendo 28% dos alunos, e 226 turmas integram os quatro anos de escolaridade, envolvendo 3175 alunos. Em termos geográficos, em 43 concelhos, pelo menos 60% das turmas têm alunos de mais de um ano de escolaridade. Em Alcoutim, por exemplo, todas as turmas estão nesta situação. A quase totalidade desses concelhos situa-se no interior do país. Mas, curiosamente, apenas seis concelhos, todos no interior do país, têm apenas turmas com um só ano de escolaridade - Arronches, Crato, Lousã, Manteigas, Paredes de Coura e Vimioso.
No 2.º ciclo, o número médio de alunos por turma é de 22,1 e 27 turmas têm 31 alunos ou mais, ultrapassando o limite máximo. No 3.º ciclo, o número médio é de 22,4 e 64 turmas têm 31 alunos ou mais, também ultrapassando o limite. Nesta análise, verifica-se que cerca de 45% das turmas do 1.º ciclo, 25% do 2.º ciclo e 32% do 3.º ciclo estão subdimensionadas, isto é, respeitam o limite máximo de alunos com necessidades educativas especiais, mas não atingem o limite mínimo de alunos na turma. Estão sobredimensionadas, aproximadamente, 20% das turmas do 1.º ciclo, 21% das turmas do 2.º ciclo e 17% das turmas do 3.º ciclo.
No Ensino Secundário, o número médio de alunos por turma é de 24,5 e 174 turmas têm 31 alunos ou mais, ultrapassando o limite máximo. No ensino secundário profissional, o número médio de alunos por turma é de 17,2 e 13 turmas têm 31 alunos ou mais. O rácio médio da OCDE é de 13 alunos por professor. Portugal está abaixo dessa média com um rácio de 10 alunos por professor, como acontece na Islândia, Hungria, Polónia, Noruega e Estónia. O valor máximo de 32 está no México e o mínimo, de sete, na Grécia.
Padrão de distribuição
O CNE analisa a dimensão das turmas desde 2001. No pré-escolar, o número manteve-se estável entre 20 e 25 alunos em cada turma. No 1.º ciclo, dos 25 alunos entre 2001 e 2004, passou-se para 24 entre 2004 e 2013 e o número subiu para 26 alunos por turma entre 2013 e 2016. Nos restantes níveis de ensino, também se registaram aumentos. No 2.º e 3.º ciclos e Ensino Secundário, as turmas tinham entre 25 e 28 alunos de 2001 a 2004, entre 24 e 28 de 2004 a 2013 e 26 a 30 alunos por turma de 2013 a 2016. No ensino profissional, as turmas tinham entre 18 e 23 alunos de 2004 a 2013 e entre 24 e 30 de 2013 a 2016. Nestes anos em análise, as turmas com alunos com necessidades educativas especiais não têm mais de 20 alunos e não podem incluir mais de dois alunos nessas condições.
A redução do número de alunos volta a estar no centro das atenções. Uma realidade que não pode ser vista isoladamente. É preciso ter noção da real situação da rede pública de ensino para tomar decisões e o investimento na formação de professores e em práticas de apoio às aprendizagens é importante neste contexto. O CNE considera conveniente reduzir o número de turmas do 1.º ciclo do Ensino Básico com alunos de diferentes anos de escolaridade – o que acontece em 32% das turmas do 1.º ciclo e há casos com os quatro anos na mesma turma. Situações que poderão aumentar devido à quebra de natalidade. “Caso não se retomem as políticas de reordenamento de escolas do 1.º ciclo, esta realidade das turmas mistas tenderá a aumentar com os efeitos reconhecidos sobre a qualidade das aprendizagens”, escreve David Justino, presidente do CNE, na introdução do estudo.
Há vários pontos que se entrecruzam com a dimensão das turmas. O sucesso escolar e as estratégias de qualificação das aprendizagens são alguns exemplos. As situações que se observam são diversas e, por isso, sugere-se que sejam as escolas a organizarem as suas turmas de acordo com as suas estratégias e os seus planos, o que permite respostas diferenciadas para os diferentes perfis de alunos. A ser assim, o Ministério da Educação (ME) teria de definir um “padrão de distribuição dos recursos a cada agrupamento de escolas”, com as direções a decidirem como esses recursos seriam distribuídos em função de prioridades, estratégias de qualificação, projetos educativos e características dos alunos.
Capacitação de professores
O CNE faz a revisão da literatura que existe à volta do tema. Há autores que defendem que uma redução de 10 ou mais alunos numa turma permite obter a máxima eficiência na melhoria dos resultados escolares, e sustentam que o aumento do rendimento da turma torna-se mais significativo se forem reduzidos cinco alunos numa turma de 15 do que numa turma de 25. Os efeitos dessa redução são sublinhados por outros investigadores que destacam várias melhorias como, por exemplo, aulas com maior profundidade, mais tempo efetivo de aprendizagem com maior participação dos alunos, mais formação especializada dos professores para lidar com as especificidades das turmas de dimensão reduzida ou com um maior número de alunos.
No entanto, há estudiosos da matéria que garantem que as atitudes dos professores e a sua metodologia de ensino não variam muito em função da dimensão das turmas e que as estratégias ou práticas não se alteram se não houver o cuidado de proporcionar oportunidades para que os alunos se envolvam mais em atividades expressivas em pequenos grupos ou em projetos individuais. E há os que alertam para o facto de o número de alunos por turma se tornar um obstáculo ao desenvolvimento de práticas inclusivas que, para alguns, não são possíveis em turmas com 25 ou mais alunos. “Um ponto convergente é que as variações na qualidade do professor dominam qualquer efeito da dimensão reduzida de uma turma e são determinantes para a qualidade do ensino”, lê-se no estudo.
Os estudos analisados pelo CNE sugerem medidas alternativas à redução do número de alunos por turma. Entre elas, está o maior investimento na qualificação, bem como a capacitação e formação dos professores, um melhor sistema de colocação e recrutamento de professores com menor rotatividade, além de políticas de compensação para professores, combate à retenção, implementação de um melhor currículo, sistema de monitorização e de avaliação mais frequente, maior tecnologia educacional e ainda uma maior autonomia do diretor para gerir a atribuição de turmas.
Fonte: Educare por indicação de Livresco
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