Os telemóveis nas mãos dos alunos do 6º A estão apontados às folhas que têm à sua frente. Olham para o ecrã, conferem a informação, e regressam à ficha de trabalho a que estão a responder com o à vontade de quem sabe que não está a fazer nada errado. A professora Maria João Passos segue-os atentamente e presta assistência quando a tecnologia não responde à velocidade desejada. Nas salas do agrupamento de escolas de Freixo, em Ponte de Lima, o lugar dos telefones e outros dispositivos móveis é em cima das mesas, resultado de um conjunto de projetos de integração das tecnologias na aprendizagem que a Microsoft considera exemplar, pelo quarto ano consecutivo.
Esta é a aula de Matemática. Os alunos estão dispostos em grupos de quatro, em mesas redondas, onde também há computadores portáteis. Nos ecrãs táteis está aberta a ficha de trabalho que a professora preparou para esta manhã. Os exercícios podem ser resolvidos diretamente no computador, com o auxílio de uma caneta apropriada. É então que se percebe o motivo para os telemóveis estarem também por perto: a solução para a ficha está inscrita em códigos QR (uma espécie de código de barras). Os alunos têm que usar uma aplicação nos seus telefones para ler os códigos, fazendo corresponder cada um aos resultados a que chegaram.
“Normalmente os manuais têm a resolução no final e os alunos têm, muitas vezes, a tentação de ir procurá-las”, lembra Maria João Passos. Com este recurso a chave também lá está, mas obriga a que o exercício seja realmente resolvido para que os estudantes consigam descobrir qual das respostas corresponde a cada um dos códigos. Por outro lado, habituam-se a utilizar a tecnologia em contexto de sala de aula.
Os códigos QR e as fichas de trabalho resolvidas em ecrãs tácteis não são os únicos recursos tecnológicos da professora de Matemática. A docente da escola de Freixo disponibiliza frequentemente tutoriais sobre os conteúdos das aulas na Internet. “Muitas vezes, os próprios pais também vêem os vídeos, para os poderem ajudar a tirar dúvidas”, conta. Além disso, criou um grupo na rede social Yammer com todos os alunos das suas três turmas do 6º ano. Chama-lhe sala de estudo virtual e serve para os estudantes colocarem questões, comentarem a matéria e trabalharem os conteúdos disponibilizados online. A professora é “um último recurso”, já que a ideia é que os estudantes sejam capazes de tirar dúvidas uns aos outros, num trabalho colaborativo feito a partir de casa.
Por causa deste projeto usado para o ensino de Matemática, Maria João Passos foi considerada “especialista inovador em educação” pela Microsoft este ano. Na lista há 3700 professores em todo o mundo, 57 dos quais são portugueses. Entre eles, há outros oito colegas no agrupamento de escolas de Freixo. O estabelecimento de ensino também está em destaque nas escolhas da multinacional de software, sendo considerada uma escola-modelo. É a quarta vez consecutiva que é distinguido. Este ano há outros seis representantes nacionais, dos quais apenas mais um pertence à rede pública, o agrupamento de escolas de Vila Nova de Cerveira.
A escolha da Microsoft é um reconhecimento da aposta que a escola tem feito no uso das tecnologias, valoriza o diretor do agrupamento, Luís Fernandes, que, desde o Verão passado, também passou a integrar o conselho consultivo da multinacional para o setor educativo. É uma das dez pessoas a quem a gigante norte-americana recorre para pedir opiniões sobre a área da educação. “Por que motivo uma empresa que pode contratar os consultores que quiser vem a Portugal convidar o diretor de uma escola pública?”, atira em jeito de pergunta retórica, para rapidamente dar a resposta “Devemos ter feito alguma coisa bem”.
No agrupamento, os alunos do 3º e 4º ano têm, desde há dois anos, aulas de programação, onde aprendem linguagem como Scratch e Kodu. No 3º ciclo podem também escolher uma disciplina de mecanismos e robótica, na qual trabalham com mecânica, eletrónica e eletrotecnia. E depois há projetos específicos de cada professor, como o de Maria João Passos na Matemática do 6º ano. Há muitos docentes que ainda seguem o método de ensino tradicional, até porque nesta escola “ninguém impõe nada a ninguém”, sublinha o diretor. Mas já há mais de uma dezena de professores a integrar as tecnologias nas suas aulas, num processo “crescente”.
Existe um efeito de contágio, aponta Luís Fernandes. Os docentes acabam por aderir ao uso de computadores ou dispositivos móveis à medida que vão conhecendo as boas experiências dos colegas e há também pressão dos alunos nesse sentido, à medida que vão sabendo o que se passa nas aulas das outras turmas. A escola também promove encontros, ações de formação e outras ferramentas de apoio para incentivar os docentes usarem a tecnologia.
A aproximação da escola de Freixo à tecnologia começou há oito anos, quando foram comprados dois kits para um clube de robótica. A reação dos alunos foi “imediata e entusiástica”, lembra o diretor, ao ponto de aquele ter passado a ser o único clube escolar com lista de espera. Hoje, a robótica continua a ser uma das principais formas de contacto dos alunos com as inovações. Um antigo balneário, junto ao pavilhão desportivo, foi transformado num Fab Lab, um laboratório equipado com duas impressoras 3D, uma máquina de corte a laser e outros dispositivos para montagem de robôs como aquele que Luís Henrique, de 15 anos, apresenta: “É um robô de busca e salvamento. Nas provas, deve ir buscar a vítima (normalmente uma bola) e levá-la a um ponto determinado”.
Foi este aluno do 9º ano quem projetou o dispositivo para levar às competições nacionais de robótica, onde outros estudantes da escola já ganharam o título de campeões nacionais em anos anteriores. Luís Henrique começou a frequentar o laboratório há dois anos. Um professor falou-lhe da possibilidade e decidiu experimentar durante um par de semanas. Gostou tanto que agora passa ali “muitos dos tempos livres”, conseguiu uma autorização para levar algum do material para trabalhar em casa e descobriu o que quer fazer no futuro: “Seguir engenharia eletrotécnica”.
A aposta na tecnologia embate, porém, num problema também tecnológico. A velocidade da Internet fornecida pela rede de banda larga instalada pelo Ministério da Educação na escola não é suficientemente rápida para permitir um acesso eficaz aos conteúdos colocados na nuvem – ou seja, em servidores externos. Por isso, a escola de Freixo teve que comprar um dispositivo de Internet móvel 4G que, quando é necessário, roda de sala em sala para resolver os problemas dos professores. “A velocidade que nos chega não nos permite fazer um trabalho do século XXI”, lamenta o diretor. (...)
Fonte: Público
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