O parecer sobre a formação inicial de educadores e professores e o acesso à profissão está elaborado. O Conselho Nacional de Educação (CNE), a pedido da Assembleia da República, pronunciou-se sobre o assunto, lembrando que enquanto órgão de consulta do Estado compete-lhe contribuir para informar a decisão política, “sustentando os seus pareceres e propostas no conhecimento científico, nas boas práticas nacionais e internacionais, na audição de especialistas e agentes relevantes e na visão partilhada dos seus membros, cuja representação política e social é plural e abrangente”. O CNE admite que a matéria é complexa e avisa que não basta revogar um instrumento de seleção, como a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PAAC), substituindo-o por outro. Na sua opinião, a qualidade da habilitação e da formação profissional docente, promovendo a equidade e regulando o sistema, exige um “conjunto articulado e sistematizado de medidas e procedimentos em vários domínios”. O parecer foi aprovado na 124.ª sessão plenária do CNE.
A formação inicial não pode ser analisada isoladamente. É preciso ter em conta a inter-relação e a interdependência que estabelece com os domínios associados: habilitação profissional, formação profissional, dispositivos de recrutamento e seleção, mecanismos de operacionalização e de regulação do sistema. Nesse sentido, esta formação não poderá assentar na crença de que os professores mais bem classificados são necessariamente os melhores professores, mas sim no princípio de que a “escola é uma referência fundante e que se aprende a ser professor com uma formação inicial exigente e solidamente dirigida ao desempenho profissional, que se concretiza em contexto de trabalho, através de prática supervisionada - dimensão que deve merecer políticas de indução dirigidas aos professores iniciantes”. O futuro da educação depende, portanto, de bons professores e do seu prestígio profissional e social, e a formação tem de ser encarada como um elemento estratégico do sistema educativo.
Para o CNE, é fundamental esclarecer competências e responsabilidades dos intervenientes que interagem no sistema. As instituições de ensino superior asseguram a habilitação e o Ministério da Educação (ME) a profissionalização. O ME, em parceria com as instituições formadoras, tem ainda a responsabilidade de promover e regular o acesso e apoio aos professores em início e ao longo da carreira, bem como regular o sistema. A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) trata da acreditação e da avaliação da formação inicial e pós-graduada.
Antes das recomendações, o CNE sublinha, no seu parecer, a importância da opção política sobre o modelo de formação de professores na renovação dos quadros nos próximos 15 anos, se a tendência crescente de envelhecimento do pessoal docente se mantiver. A revisão e consolidação do regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário é uma das sugestões apresentadas. Aprofundar a regulação conjunta do sistema e a harmonização da natural diferenciação formativa nas diversas entidades envolvidas e consolidar e diversificar os requisitos de seleção dos candidatos aos cursos de mestrado de formação de professores são também recomendações do CNE.
Reforçar parcerias
O processo de profissionalização, na sequência da habilitação profissional, conclui-se após a realização, com aproveitamento, do período de indução, constituindo a primeira etapa de uma formação contínua adequada ao desenvolvimento do percurso profissional do professor. O CNE propõe a separação normativa das competências relativas à habilitação e à indução profissionalizante, bem como a realização de um concurso nacional para o acesso à indução profissional e em momento distinto do concurso para provimento em lugares de quadro das escolas públicas, definindo um conjunto de vagas por escola/agrupamento e por grupo de recrutamento e uma rede de escolas com capacidade formativa para indução profissional em colaboração com as instituições formadoras.
O CNE recomenda a conceção de um programa de indução com carácter probatório, claro e exequível, que inclua vários procedimentos como a definição de quadros de referência quanto ao perfil desejável do candidato em período probatório na conclusão da indução profissional, a indução profissional sob a responsabilidade de um professor da escola do mesmo grupo de recrutamento com perfil adequado às funções e em colaboração com uma instituição de formação, a formação adequada dos orientadores/supervisores da indução profissional, a definição das condições de trabalho requeridas, no que se refere ao estatuto do orientador/supervisor e à organização da escola. A avaliação de desempenho deve ser feita de forma contínua no decorrer do período probatório para permitir ao orientador e ao futuro professor conhecer a evolução formativa e o nível de desempenho atingido, com base num acompanhamento personalizado. A avaliação final das atividades desenvolvidas no período de indução profissional deve ser feita por um júri designado para o efeito.
O CNE analisa o assunto dos pés à cabeça e, em seu entender, é importante retomar o conceito de profissionalização para assumir, no atual modelo, uma forte componente prática, dentro da profissão, “baseada na aquisição de uma cultura profissional e no desenvolvimento de conhecimento, competências, atitudes e aptidões em interação, dando atenção às dimensões pessoais, relacionais e éticas”. Na sua perspetiva, é preciso colocar um ponto final na ambiguidade entre os conceitos de indução e período probatório, distinguindo-se as finalidades de um e outro, “designadamente identificando as características importantes para o sucesso de um programa de indução e as dimensões nucleares do período probatório”. Ao nível da administração e gestão, deveria estabelecer-se a separação entre o concurso para realizar a indução supervisionada profissionalizante e o concurso para obter provimento num lugar do quadro.
O CNE defende também o reforço da parceria entre instituições do ensino superior e escolas, no plano da formação inicial, “revendo, incentivando e financiando a modalidade de cooperação instituída, clarificando competências e responsabilidades no que se refere quer às instituições formadoras, quer a escolas cooperantes e ao estatuto do orientador cooperante”. No parecer, relembra a recomendação feita em 2014 sobre a necessidade de incluir perfis gerais e específicos de desempenho profissional, nos princípios gerais enunciados no regime jurídico da habilitação profissional para a docência dos educadores e professores dos ensinos básico e secundário. “Recorde-se que estes perfis estão definidos e em vigor desde 2001, merecendo um esforço de atualização face à evolução do conhecimento científico, do conhecimento escolar e dos contextos de exercício da profissão”, sustenta.
“Percurso significativo e continuado”
Segundo o CNE, o que torna esta questão controversa e problemática é a sobreposição dos processos de acesso à profissão, a um primeiro emprego como docente e à carreira do ensino público tutelado pelo ME. “Ou seja, no sistema português, o problema não se situa no plano da seleção profissional, mas é contaminado pelas lógicas de mercado dirigidas à regulação do acesso ao emprego para o exercício da função docente”. “Os motivos e finalidades que justificaram a introdução deste instrumento de seleção continuam válidos e pertinentes, sendo este passível de substituição por medidas alternativas que garantam a qualidade do desempenho profissional - que não é sinónimo de habilitação profissional - para o ingresso na carreira, como será desejável”, refere no parecer.
Em termos internacionais, Portugal não se afasta das práticas que estão a ser colocadas em prática em outros países, sobretudo no que se refere à necessidade de equilibrar a formação teórica e prática e à definição de quadros de referência sobre perfis e competências. Recuando no tempo, desde 2007 que o acesso ao exercício da profissão exige a obtenção do grau de mestre em cursos de 2.º ciclo de formação de professores, cujo diploma confere habilitação profissional. Nos termos da legislação em vigor desde 1990, o ingresso na carreira exige um período probatório supervisionado e avaliado que se realiza no estabelecimento de educação ou de ensino onde o docente inicie a sua atividade.
Os modelos de formação desenvolvidos em Portugal têm, sublinha o CNE, “um percurso significativo e continuado, introduzindo cada vez maior exigência ao nível da habilitação académica e de formação inicial”. Entre 1998 e 2015, todos os modelos procuraram responder às transformações sociais e às necessidades do sistema educativo “em contextos demográficos e de exigências educativas diferentes”. Nos anos 90 do século passado, para os professores em serviço, cuja formação não incluía a dimensão profissional, os três programas de profissionalização de professores “revestiram-se de uma enorme importância quantitativa e qualitativa estratégica para melhorar a qualidade de ensino e elevar a competência intelectual e social do corpo docente, conferindo-lhe maior responsabilidade e prestígio profissional, no contexto pedagógico e científico da época e no quadro de uma melhoria do seu estatuto”. Os estágios pedagógicos das licenciaturas do ramo de formação educacional e das licenciaturas em ensino, que coexistiram nesse período, concorreram para reduzir o acesso à docência de professores sem a qualificação profissional requerida para o ingresso na carreira.
No quadro do modelo definido pelo Processo de Bolonha, no ano letivo de 2009/2010, o Programa de Supervisão, Acompanhamento e Avaliação do Período Probatório de Professores deu “um contributo notável para aprofundar a conceção teórica da formação e a operacionalização da prática supervisionada para os professores que iam pela primeira vez obter um lugar no quadro”. O CNE lembra, porém, que nenhum modelo foi isento de dificuldades na sua aplicação, mas que todos, de uma forma ou de outra, “marcaram positivamente o caminho percorrido pelas políticas de valorização da formação profissional dos docentes que acedem ao exercício da profissão”. “Podemos aprender com eles, no desenho e definição das políticas, nas estratégias de intervenção, no domínio das responsabilidades e das competências”, observa.
Fonte: Educare por indicação de Livresco
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