Luís e Ana têm 11 anos, são da mesma turma do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, no concelho de Cascais, e ambos evitam a resposta mais óbvia quando (...) [se] lhes pergunta se estão contentes por já não terem trabalhos para casa.
É a novidade deste ano letivo do agrupamento liderado por Adelino Calado, que se tem distinguido por outras medidas contra a corrente como a de permitir o uso de telemóveis na sala de aula, desde que sejam utilizados como instrumentos de trabalho. Ou ter acabado com o toque da campainha para assinalar o princípio e o fim dos intervalos. Ou ainda a de ter alterado os critérios de transição nos anos intermédios do 2.º e 3.º ciclo, de forma a garantir que os estudantes possam passar de ano independentemente do número de negativas, se o Conselho de Turma considerar que essa é “a melhor opção no sentido da formação do aluno”.
A decisão de pôr fim aos célebres TPC foi adotada pelo Conselho Pedagógico, que optou por aplicar esta medida a todos os ciclos de escolaridade e não apenas, numa fase experimental, ao 1.º ciclo, como proposto inicialmente pela direção. Luís e Ana estão no 6.º ano e torcem o nariz a esta decisão. “Acho que deviam continuar a existir alguns trabalhos para casa”, defende o rapaz. “Os trabalhos para casa ajudam a estudar e a ver se percebemos ou não o que foi dado nas aulas”, corrobora a rapariga. Mas ambos afirmam que, mesmo sem TPC, continuam a estudar em casa.
É o que Adelino Calado espera, aliás, que aconteça. “É evidente que o estudo em casa é necessário, mas não queremos que seja associado a uma obrigação ou a um castigo, como muitas vezes acontece. O nosso objetivo é o de promover o trabalho autónomo dos alunos para que consolidem as aprendizagens obtidas na escola”, especifica. Mas para tal, acrescenta, é necessário que estas se “tornem significativas” para os alunos e os “professores têm de encontrar formas de o fazer”. “Tem sido muito difícil”, comenta.
Luís Guerreiro, coordenador da disciplina de Matemática do 6.º ano, confirma. “Sugiro sempre exercícios que possam realizar em casa, mas depois não posso controlar se os fizeram ou não, nem corrigi-los, porque não existem trabalhos para casa e os pais foram informados disso e podem reclamar”, afirma.
Já se sabe que em Matemática, mais ainda do que noutras disciplinas, “o que é trabalhado nas aulas não chega”. Para os alunos do 6.º ano, como o Luís e a Ana, o Agrupamento de Escolas de Carcavelos tem contado, neste ano letivo, com a ajuda de uma plataforma online, a Mathvolution, que foi desenvolvida em colaboração com professores e alunos e que tem sido um “sucesso” entre estes. “Temos 225 alunos no 6.º ano e desde o início do ano letivo já realizaram, em casa, cerca de 20 mil exercícios na plataforma”, descreve Luís Guerreiro, que confessa ter ficado "surpreendido" com a adesão.
Pessoas mais autónomos
“Ter mais trabalhos para casa não significa melhores resultados”, defende Adelino Calado, que dá este exemplo: “No 1.º ciclo, mais de 90% dos TPC são feitos pelos pais dos alunos”. Foi a pensar, sobretudo, nestes alunos mais novos que a direção propôs acabar com os TPC, porque muitos deles, conta o diretor, chegam a estar na escola quase 10 horas e depois chegavam a casa e ainda tinham de continuar a trabalhar. “Ficavam sem tempo para mais nada”, constata. Em vez dos TPC, os alunos do 1.º ciclo têm agora cadernos de trabalho onde vão registando o que consideram ser mais interessante e que são vistos, no final de cada mês, pelos seus professores. “Tentamos valorizar muito este trabalho, atribuindo-lhes por exemplo um diploma”, descreve Adelino Calado, frisando que esta é apenas uma das estratégias que estão a ser seguidas com o fim de se “responsabilizar os alunos pelo seu próprio trabalho, tornando-os assim pessoas mais autónomas”.
Para já um dos principais obstáculos tem sido a tradição, revela o responsável do agrupamento. “Tantos pais como alunos estão habituados a considerar que os professores que não passam trabalhos para casa não são competentes”, diz.
Para o diretor, este é mais um passo do caminho que iniciou em 2003, quando assumiu a direção da Escola Secundária de Carcavelos, atualmente a sede do agrupamento, que era então uma das escolas com piores resultados do concelho de Cascais e com taxas de retenção que quase chegavam aos 50%.
“O desafio que nos colocámos foi o de tentar encontrar as melhores soluções para resolver os problemas de aprendizagem que levavam à retenção, que não estava a funcionar porque os alunos repetiam mais do que uma vez e depois muitos desapareciam do sistema”, lembra. A aposta resultou no ensino básico, onde a percentagem de chumbos é agora residual, mas não ainda no secundário, que continua com taxas de retenção muito elevadas.
O agrupamento, com cerca de 2500 alunos da pré-escolar ao 12.º ano, passou também a estar bem colocado nos rankings elaborados com base nas notas dos exames. Adelino Calado dá conta de que a melhoria do desempenho dos alunos tem passado sobretudo por lhes garantir mais apoios e pela diversificação de ofertas de formação, embora a esmagadora maioria dos alunos do agrupamento continuem a frequentar o ensino regular.
Fonte: Público
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