O Expresso deste fim-de-semana trata com alguma profundidade a questão do ensino vocacional cujo fim, nos moldes em que foi estruturado pela equipa anterior, foi anunciado pelo ME. Algumas notas repescadas.
Muitos dos discursos sobre o chamado ensino vocacional ou ensino profissional têm, do meu ponto de vista, sido contaminados por alguns equívocos.
Estes equívocos estão presentes quando se colocam questões como “sim ou não ao ensino vocacional?” Esta formulação emergiu de novo com a decisão do atual Governo de finalizar o modelo de ensino vocacional instituído por Nuno Crato no ensino básico defendendo que só no ensino secundário se deve disponibilizar este tipo de oferta educativa.
Como muitas vezes tenho afirmado é fundamental diversificar a oferta formativa, a diferenciação de percursos, de forma a conseguir um objetivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem atingir alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão e responder mais eficazmente à principal característica de qualquer sala de aula atual, a heterogeneidade dos alunos. Aliás, a oferta formativa de natureza profissional a alunos mais velhos, no âmbito do ensino secundário que também está a acontecer, pode ser um passo nesse sentido desde que não canalizado para os "que não servem" para a escola. Esta oferta tem contribuído para baixar os níveis de abandono.
Assim sendo é claro que temos de estruturar percursos de ensino com formação de natureza profissional.
A questão que se coloca é quando deve ser disponibilizada esta oferta e para quem.
Relativamente ao modelo que estava em vigor sempre considerei fortemente discutível, até num plano ético, a introdução desta diferenciação tão cedo, aos 13 anos, e “obrigatória” para os que chumbam. Por outro lado, aos 13 anos, apesar de se remeter a “decisão” para um processo de orientação vocacional que a insuficiência gritante de recursos não permite assegurar, que alunos decidem? Alguém vai decidir por eles.
Poucos sistemas educativos assumem este entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração de Nuno Crato, colaboradores e admiradores, o admitir não é nenhuma chancela de correção do modelo como atestam as apreciações internacionais.
Na verdade, Relatórios da OCDE e da UNESCO têm sustentado que a colocação dos alunos com piores resultados escolares em ensino de caráter técnico e vocacional muito cedo em vez da aposta nas aquisições escolares fundamentais, aumenta a desigualdade social.
Neste patamar etário mais do ensino vocacional os alunos precisam de apoios que lhes permitam bem como aos seus professores minimizar dificuldades e insucesso.
É verdade e devastador que em Portugal temos cerca de 150 000 alunos que chumbam em cada ano. Temos de responder às causas deste enorme problema mas não podemos mascarar as estatísticas empurrando os “maus” para percursos que “recebem” um rótulo de “segunda” pois são percebidos por parte da comunidade como destinados aos menos dotados.
Por outro lado este tipo de oferta tem de ser adequado às comunidades educativas, voltamos à quase inexistente autonomia das escolas, e dotado dos recursos e meios necessários o que tem estado longe de acontecer.
Julgo que se deve sublinhar que todos os alunos deverão cumprir uma escolaridade de 12 anos, a idade de entrada no mercado de trabalho é aos 16 e isso deve ser considerado no desenho de ofertas formativas que envolvam trabalho em empresas. Aliás, esta questão deve, é uma forte convicção ser também considerada quando se trata de alunos com necessidades especiais que ao abrigo de uma coisa estranha chamada CEI são em algumas circunstância sujeitos a situações inaceitáveis que de educação, formação ou inclusão têm nada, seja em espaço escolar, seja em espaço institucional ou laboral. Também por isto o modelo que estava em vigor parece francamente desajustado e foi generalizado sem que na altura tivesse terminado a sua avaliação.
No modelo que estava em vigor, os alunos com insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades "normais" irão “obrigatoriamente para” o ensino vocacional. Sabe-se que o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais desfavorecidas embora também conheçamos as exceções, muitas. Assim, mantemos a velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o trabalho manual, os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual como a UNESCO reconhece.
A diferenciação dos percursos, necessária e imprescindível mas, reafirmo, deve surgir mais tarde, disponível para todos os alunos como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os miúdos. O que deve estar disponível desde sempre são dispositivos de apoio suficientes, competentes e oportunos a alunos e professores e alguma diferenciação que permita acomodar melhor a diversidade dos alunos.
Tal como aconteceu com a alteração ao sistema de avaliação temo que as mudanças nesta matéria possam ser realizadas com a urgência de marcar a diferença que é inimiga da reflexão e oportunidade que as mudanças e exigem.
Julgo que as alterações a introduzir deveriam levar em conta e ser coerentes com as anunciadas intenções de reorganizar os ciclos de ensino no básico e alterar currículos. Uma mudança parcelar pode não ser a melhor opção.
Dado que se defende a ideia de um ensino básico universal com a qual concordo em princípio, esta não me parece contraditória com a diferenciação de trajectos que também defendo. Pode considerar-se, por exemplo, a introdução no que agora é o 3.º ciclo de algumas disciplinas de natureza opcional que permitam essa diferenciação e a entrada posterior no ensino secundário com uma oferta mais diversificada incluindo já de natureza profissionalizante.
Por José Morgado
Fonte: Atenta Inquietude
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