A educação é certamente a área da nossa vida coletiva que mais intimamente se relaciona com o futuro. Não admira, a educação trabalha com as crianças e os jovens que inexoravelmente irão estar nos lugares de trabalho, de decisão, de poder que hoje são ocupados pelos mais velhos. E logo a relação se estabelece: a educação moldará as pessoas que por sua vez moldarão o mundo de amanhã. Temos de confessar que é uma perspetiva assustadora. Então, nós, que estamos cheios de dúvidas sobre quais os melhores modelos, sobre os conteúdos mais adequados, sobre as experiências determinantes para incentivar a nossa Educação, estamos a jogar, assim tão definitivamente, o futuro dos nossos jovens, o futuro do nosso país, do nosso planeta? É este medo que leva a que se tracem tantos diagnósticos aterradores, tantos cenários devastadores sobre o futuro que seriam resultado de uma educação negligente, que não preparou os jovens para enfrentar, para lidar com os desafios futuros. É este medo que leva a ouvir falar tantas vezes em “facilitismo”, a ouvir que “os nossos alunos são verdadeiros analfabetos”, afirmar que “eles” não são capazes de seguir regras, não sabem interpretar o que leem, não têm persistência para ler um livro até ao fim ou sequer para seguir uma aula inteira com atenção. E percebe-se onde levam estas catastróficas opiniões: a educação se não se endireitar (esta expressão “endireitar” significa frequentemente regressar aos modelos da educação tradicional), o mundo estará irremediavelmente perdido. Estaríamos — segundo estes profetas da desgraça — a ser passivos e até coniventes com o esboroamento do conhecimento e com a deseducação que conduziria a males inenarráveis.
Pensamos que não é possível retirar importância a este debate: a educação está certamente num dos períodos mais dramáticos da sua história, num tempo em que a desadequação do modelo de escola criado no século XIX se mostra eloquentemente desajustado para educar jovens criados em ambientes de tecnologias digitais que implicam todo um conceito de conhecimento, de trabalho, de atenção completamente distinto do anterior. Não é possível ignorar a importância deste debate, mas.
As previsões do futuro deram quase sempre para o disparate. Este disparate deriva de um erro básico: imaginamos que o futuro é só um exacerbamento das condições do presente. A evolução das sociedades tem-nos mostrado, no entanto, que o futuro é muito mais do que isto: é rutura, é crise, é revolução, é o inesperado e não só o engordar de vestígios do presente. Daí que seja demasiado arriscado criticar a evolução da educação de hoje em nome do que imaginamos que ela vai ser no futuro. Os exemplos são numerosos: quem poderia há 20 anos (não são cem anos, nem sequer 50!) prever o impacto que teria na nossa vida a Internet, as redes sociais e os smartphones? Dizer que a educação do presente compromete o futuro só seria correto se alguém nos conseguisse descrever o futuro. E isso (in) felizmente não é possível.
Outra questão interessante é que todas as pessoas que agora opinam sobre as mudanças ou valores na educação não formaram estas opiniões a partir do que aprenderam no seu percurso educativo. Todos nós somos muito mais do que o que aprendemos na escola. Isto não quer dizer que não nos lembremos (umas vezes com mais saudades, outras com menos) do que vivemos na escola; o certo é que superamos, ultrapassamos e modificamos radicalmente o que vivemos e aprendemos na escola. Os exemplos aqui seriam também numerosos, mas quantas pessoas mais velhas andaram em escolas que educavam separadamente rapazes e raparigas e hoje nem lhes passa pela cabeça que isso fosse um modelo correto ou justo? Quantas pessoas se lembram que a escola em que andaram era uma escola profundamente promotora de desigualdades e injustiças sociais e isso não os impediu de serem militantes fiéis pelos valores da equidade educativa? Assim, os valores que a escola transmite não são automaticamente plasmados e assumidos por quem neles foi educado. (In)Felizmente a evolução das pessoas não se cristaliza depois de terminarem a sua frequência escolar.
Existe ainda outro fator que vale a pena considerar: o descrédito (ou menos crédito) nas novas gerações é endémico. As gerações que estão no usufruto pleno do poder e da vida acham que o que vem a seguir “já não vai ser igual”. Lembro que um dia, ao falar com alunos do 4.º ano de um curso universitário, eles se referiam aos colegas do 1.º ano com sendo muito mais irresponsáveis, terem a vida mais facilitada, não terem “passado o que nós passamos” e sendo, portanto, pessoas muito diferentes deles. Isto com uma diferença de menos de três anos e na mesma escola. Há um erro consistente de apreciação e de avaliação das gerações “do futuro” que é contumazmente cometido pelas gerações “do presente”. Felizmente não temos evidência de que as gerações estejam cada vez piores.
Regressamos ao ponto que assinalamos acima: estamos, sem dúvida, numa encruzilhada da educação que nos exige medidas estruturais, reformas urgentes e profundas na maneira como organizar o ensino para quem aprende de formas tão diferentes de antes. Sem dúvida. Mas vamos pensar nesta mudança com a humildade de que quem não consegue prever o futuro, com a crença de que a escola não determina todos os valores e toda a vida das pessoas. Vamos também confiar nos jovens, pessoas que dispõem de um arsenal de informação e mesmo de acesso ao conhecimento improvável para qualquer um de nós com mais de 35 anos.
Talvez mesmo o mais seguro seja assegurar a educação de melhor qualidade que pudermos e soubermos neste presente, no hoje em que é preciso ter informação, ter conhecimento, entender o mundo, ser cidadão, ser solidário, abraçar valores que nos tornem úteis e que nos tornem felizes.
A educação do futuro é hoje.
Por David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
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