sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Até onde quer ir Crato quando defende a liberdade de escolha das famílias?

A proposta que a tutela enviou aos sindicatos reforça o apoio à "livre escolha" dos pais no acesso às escolas particulares, mas só quando houver regulamentação da lei será possível conhecer os planos da tutela

A escola vai passar ou não a ser uma livre escolha dos pais? Esta é a dúvida que sindicatos dos professores, associações de ensino privado ou de encarregados de educação levantam perante a proposta do Ministério da Educação sobre novo estatuto do ensino particular. De um lado, a Federação Nacional de Professores teme que o Estado desinvista no ensino público para financiar as famílias que optem pelo setor privado; do outro está a tutela, que, perante esta hipótese, assegura que o sistema de comparticipações ao ensino público e privado não tem mudanças.

A resposta a esta dúvida, contudo, continua a ser uma incógnita. Por enquanto, a proposta para alterar o estatuto só enumera os princípios gerais. "Há apenas uma atualização da linguagem e dos instrumentos já previstos numa legislação que é de 1980", conta Rodrigo Queirós e Melo, presidente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP). Só quando chegar portanto o momento de regulamentar o novo regime jurídico para o ensino particular será possível perceber até onde o ministro da Educação está disposto a ir quando defende o "exercício do direito de opção educativa das famílias" na proposta enviada aos sindicatos.

Modelos há muitos, avisa o dirigente da AEEP, que vê vantagens em qualquer dos sistemas adotados na Europa ou nos Estados Unidos: "Desde que o objetivo passe por assegurar que não é por obstáculos financeiros que os alunos não frequentam uma escola da rede pública ou privada." Desde o início do mandato que o ministro Nuno Crato assumiu como objetivo garantir a liberdade de escolha no ensino. O primeiro passo, aliás, surgiu em setembro do ano passado com a alteração do regime de matrículas, que permitiu aos pais optar por escolas públicas sem restrições de área de residência.

A decisão contudo não passou de um ato simbólico, já que as vagas nas escolas continuam condicionadas aos mesmos critérios - a preferência continua a ser dada aos alunos com necessidades educativas especiais, com irmãos a estudar no mesmo agrupamento ou que residam perto da área da escola.

Nuno Crato, porém, ainda não se comprometeu com nenhum modelo, mas à sua escolha tem vários sistemas adotados nos Estados Unidos, na Nova Zelândia, no Chile, na Holanda ou na Bélgica. Oferecer aos pais a possibilidade de escolher a escola dos filhos é uma experiência que com maior ou menor grau de liberdade conta com pelo menos duas décadas na Europa ou nos Estados Unidos.

Em boa parte dos casos, os modelos europeus ou americanos foram acompanhados por um esvaziamento dos poderes centrais, atribuindo às escolas autonomia na gestão administrativa e pedagógica para se diferenciarem e poderem competir entre si. E esse é aliás um passo que a tutela já deu ao alargar a autonomia curricular no ensino privado com esta proposta do novo estatuto.

As escolas e os colégios particulares passam a cumprir apenas 30% do currículo nacional, ganhando maior autonomia no seu projeto educativo: "Os estabelecimentos de ensino podem decidir por exemplo se querem línguas estrangeiras no 2.º ciclo ou outras disciplinas complementares", conta Rodrigo Queirós e Melo.

O certo é que este tema é um terreno traiçoeiro bastante condicionado às ideologias. Tanto há estudos a comprovar o sucesso destas experiências, como investigações a concluir o oposto. A liberdade de escolha no ensino é por tradição uma bandeira da direita, que vê nestes sistemas um meio de garantir o direito das famílias escolherem entre escolas públicas ou privadas. Mas também é um fantasma para a esquerda, que encara isso como um esvaziamento dos recursos da escola pública e teme uma educação aprisionada pela lógica de mercado.

A tutela assume que a estratégia deste governo passa por alargar as competências dos agrupamentos de escolas e atribuir aos pais maior decisão sobre a educação escolar dos seus filhos. Resta saber a forma como isso será feito.
Por Kátia Catulo

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