A digitalização do ensino será uma solução, uma fatalidade ou a salvação? Foi este o mote da conversa que assinalou o arranque da mais recente edição do PSuperior Talks, que decorreu esta segunda-feira na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade do Porto (FPCEUP).
O painel, que contou com os professores Paulo Almeida, Marco Bento e Angélica Monteiro, a aluna de mestrado Bruna Silva e o director da Escola Virtual, Rui Pacheco, debateu de que modo estão as escolas a adaptar-se ao modelo digital, numa sessão moderada pela directora-adjunta do PÚBLICO, Andreia Sanches. No entanto, além do processo de digitalização, questiona-se a preparação que as próprias instituições têm para receber e implementar essa forma de ensino.
Depois de dois anos de ensino híbrido ou à distância, com aulas em formato de videoconferência, o ensino digital suscita dúvidas e desconfianças a pais, alunos e professores. Em resposta a essa preocupação, os oradores fizeram questão de ressalvar que ensino digital não é sinónimo do modelo de ensino à distância implementado como resposta à pandemia. Marco Bento, professor e investigador na Universidade do Minho, destacou que o formato que se viveu nos últimos dois anos foi apenas uma “solução de emergência”, não podendo ser usado como referência de modelo educativo ou para traduzir o potencial do ensino digital.
Contudo, as dúvidas que muitos ainda manifestam não resultam apenas da experiência das aulas à distância em tempos de confinamento. Há falhas a um nível mais profundo, começando na formação do corpo docente e estendendo-se o acesso às ferramentas necessárias para que novas formas de ensinar sejam integradas no ensino.
Escolas estão preparadas?
“Falar de educação digital sem que haja digital parece, às vezes, um bocadinho absurdo”, explica Marco Bento, acrescentando que não adianta dar formações sobre educação digital quando “não há infra-estrutura de rede” para a implementar. O investigador explica que as próprias escolas não estão preparadas para integrar modelos que recorram a plataformas digitais por falta de material, técnicos especializados e até receptividade da própria comunidade escolar. “Há um conjunto de dimensões que não tem só que ver com recursos e plataformas. (…) Os projectos não podem vir de cima para baixo, têm de nascer na própria escola”, remata.
O ensino digital não se cinge apenas ao que acontece em sala de aula. Está em curso um programa que visa fornecer computadores às escolas e aos alunos, mas a transição digital não se cinge a “deixar caixas” com equipamentos nas instituições, disse Marco Bento. São precisos outros recursos, desde logo técnicos que dêem o apoio necessário para que os professores se concentrem naquilo que é essencial: ensinar com essas ferramentas.
Dando continuidade à ideia do investigador, Paulo Almeida, professor do Agrupamento de Escolas Fernando Casimiro Pereira da Silva, em Rio Maior, diz que “o grande desafio está precisamente aqui”. O professor conta que há pais que se inibem de levantar os equipamentos, para evitar um compromisso com o Estado e com a escola, que os responsabilizaria por eventuais danos nos equipamentos usados pelos filhos. Esse factor deixa as famílias receosas, sobretudo aquelas que têm mais condicionantes a nível financeiro. “Chegámos a ter armazenados 600 computadores ao mesmo tempo, 600 máquinas que é preciso programar, ver se está conforme e entregar às famílias, um processo burocrático que mostra bem o trabalho que isto representa para a escola face às inúmeras outras tarefas que tem.”
Paulo Almeida acredita na necessidade de repensar o modelo vigente, afirmando ainda que “temos uma escola muito presa”. Nesse tópico, Rui Pacheco sublinha que, para implementar novas ideias e formatos, é preciso dar condições ao corpo docente para se ambientar. “Sem isso, estamos a enganar-nos uns aos outros. É preciso que haja tempo para a formação, é preciso que haja tempo para as pessoas experimentarem, é preciso que haja pessoas nas escolas para apoiarem a introdução do digital, para apoiarem a introdução de outras abordagens pedagógicas”, ressalva, destacando que, se este acompanhamento não existir, não vale a pena distribuir computadores porque a ideia do digital vai continuar a ser “diabolizada”.
No que toca à formação, questionou-se também a capacidade de professores mais velhos se adaptarem às novas tecnologias. Marco Bento desmente o mito, afirmando que, pelo contrário, professores jovens têm mais tendência a estar “aprisionados” ao que aprenderam, o que leva os professores mais experientes a terem mais à vontade para arriscar nas práticas digitais.
No entanto, Bruna Silva, estudante do Mestrado em Ciências da Educação na FPCEUP, acredita que, apesar de haver algumas alterações, a formação inicial que é dada aos futuros professores “não é muito diferente do que era antes”. “É esse o problema: a mudança demora muito”, diz, acrescentando que “o mundo é muito diferente do que era antes”.
Esta sessão foi a primeira de oito conversas organizadas para esta terceira edição, que conta com a participação e o apoio da Fidelidade, Porto Editora, Mediabrands, NTT Data, Fuel, Google, Fundação José Neves e Bial.
Fonte: Público por indicação de Livresco
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