“Em Portugal existem indivíduos que se autointitulam optometristas sem terem a necessária e adequada formação para exercerem esta profissão.” Foi assim que Eduardo Teixeira, presidente da Associação de Profissionais Licenciados em Optometria, descreveu o estado da profissão, depois de Joaquim Murta, director do serviço de Oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, considerar que há rastreios mal feitos que acabam por ter consequências graves. Segundo o oftalmologista, há rastreios visuais realizados por algumas óticas que não são fiáveis e onde não há profissionais qualificados para os realizar. O jornal i saiu à rua para analisar os resultados dos rastreios em várias óticas com duas jornalistas de características distintas, que vestiram a pele de pacientes: uma usa óculos diariamente há sete anos, com um diagnóstico de miopia no olho direito e um ligeiro astigmatismo no olho esquerdo. A outra nunca usou óculos e não sente necessidade de os ter.
Rastreios
A primeira ótica visitada foi a Multiópticas de Oeiras. Depois de realizados os rastreios, a optometrista trocou as voltas às duas jornalistas que fizeram o exame: segundo a profissional, a primeira (a que usa óculos há sete anos) tem “uma visão 100% saudável e não precisa de óculos”, enquanto a segunda tem “miopia nos dois olhos com dioptrias de 0,5 em cada um”. Mesmo assim, e como o resultado não é muito elevado, a optometrista aconselha-a a fazer novo rastreio daí a seis meses. Numa ótica da mesma cadeia, mas na Parede, concelho de Cascais, a optometrista diz que a primeira a ser examinada tem astigmatismo nos dois olhos. O rastreio à segunda (a que até hoje não sentiu falta de visão) indica um caso de astigmatismo, mas só no olho direito. Preocupada, a optometrista aconselha a que façam novo rastreio num prazo de três meses. Continuando na mesma cadeia, mas em Cascais, só a primeira conseguiu fazer o rastreio. Após o exame, a profissional não tem dúvidas: “Tem astigmatismo no olho esquerdo, mas uma coisa levezinha, nada de especial. Já o seu olho direito é ótimo.” Mesmo assim, a optometrista sublinha a necessidade de comprar uns óculos. “Podemos ir fazer um orçamento? Temos armações muito giras agora”, lança de imediato.
Contactado pelo jornal i, o presidente do Colégio de Oftalmologia da Ordem dos Médicos, Florindo Esperancinha, explica sem rodeios: “Com meia dioptria consegue-se ver na mesma, não é uma situação grave que impossibilite de ver com normalidade. Estes valores não significam nada, não querem dizer que tem astigmatismo ou miopia. Quer apenas dizer que, na maior parte destas situações em que são apontados valores baixos, as receitas passadas são unicamente para vender óculos, ou seja, para ganhar dinheiro.” Joaquim Murta, novamente contactado pelo jornal i, lamenta estas situações e diz não haver “definição possível para estes casos”.
Rastreios II
Continuando nos rastreios, o jornal i foi também ao Grupo Óptico, na zona do Marquês de Pombal, Lisboa. O resultado foi simples; ambas precisavam de óculos de descanso. A primeira por ter astigmatismo no olho esquerdo, a segunda por ter miopia, mas no olho direito. Já num rastreio da Optivisão, no Saldanha, Lisboa, surge novo resultado: a primeira a ser examinada esteve meia hora dentro do consultório onde lhe foram feitos vários questionários e exames, para no final a optometrista ditar o resultado: “Tem astigmatismo e hipermetropia”, mas não é uma situação grave e pode ser corrigida com o uso de óculos, pelo que pede a uma colega para mostrar a colecção disponível. Novamente em Oeiras, na André Ópticas, os rastreios são mais animadores, com a primeira a ser testada a ter uma visão 100% saudável e a segunda a ter 98% da visão. E o optometrista sublinha que, para ser mais rigoroso, só com consulta, de 20 euros, e um exame detalhado para poder dizer quem precisa ou não de óculos.
Por fim, na Mesóptica, S. Domingos de Rana, surge a única referência alarmante. A segunda jornalista foi diagnosticada com quistos nos olhos, além de miopia e astigmatismo em ambos os globos oculares. Já a primeira tinha astigmatismo e miopia. E foram novamente encaminhadas para a compra de óculos.
In: Jornal I online
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