Arrancou esta segunda-feira, no Reino Unido, um ensaio clínico inovador para tratamento da cegueira.
Miguel Seabra, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, liderou grande parte do trabalho pré-clínico que antecedeu a identificação do gene que causa a doença ocular genética conhecida como coroideremia.
Em entrevista, o investigador português explicou que a doença resulta de uma degeneração progressiva da retina, que afeta sobretudo homens. O diagnóstico é geralmente feito na infância, levando à cegueira na meia-idade. Os doentes começam por demonstrar “problemas de visão noturna”, depois uma “visão mais em túnel” e a fase final é a “perca da visão central que leva à cegueira”. Isto acontece, “à maior parte dos doentes, por volta dos 50 anos”, afirma.
O trabalho pré-clínico que Miguel Seabra realizou, a maior parte no Imperial College, em Londres,“possibilitou este ensaio clínico onde serão tratados doentes”. Segundo o professor, “desde a identificação da função do gene até aspetos do mecanismo da doença, passando pela criação de um modelo animal para fazer todos os testes pré-clínicos em termos das novas terapias, foi feito no laboratório ao longo de 20 anos”.
É a primeira vez que células sensíveis à luz, foto-recetores que se encontram na parte posterior do olho, são alvo de terapia genética. Isto abre caminho para o tratamento de outras causas genéticas de cegueira.
“Para nós é uma satisfação fantástica, em 20 anos, termos passado da descoberta de um gene a uma terapia genética. É um dos primeiros exemplos no mundo em que conseguimos fazer esta progressão tão rápida”, partilha.
Primeiro doente tratado
O primeiro doente tratado esta segunda-feira, em Oxford, um advogado de 33 anos, apresenta já uma“pequena melhoria”. No entanto, “ainda está a recuperar da cirurgia”, refere Miguel Seabra.
O procedimento aplicado passa pela injeção ocular do vírus, geneticamente modificado para transportar o gene em falta. Isto é, os doentes “têm uma mutação num gene que não funciona e a terapia genética faz uma substituição providenciando uma cópia de um gene bom”. Como é difícil introduzir estes genes nas células “usam-se vírus terapêuticos, de onde se tiraram os genes maus”.
Assim, a operação cirúrgica em si é“fazer uma injecção desses vírus nas células que se pretende curar”. Ao infetar com os vírus as células, estas“passam a expressar o gene e a funcionar normalmente”, descreve o médico.
Para além do primeiro doente tratado, mais 11 pessoas serão submetidas ao tratamento cirúrgico genético a um olho. Para evitar problemas de reações adversas “injeta-se um doente, tem-se a certeza que corre tudo bem, semanas depois injeta-se o próximo e por aí adiante”, explica Miguel Seabra.
A liderar o ensaio, Robert MacLaren, professor de Oftalmologia na Universidade de Oxford, “está a pensar fazer duas intervenções por mês”, acrescenta.
Resultados em dois anos
Sendo este um ensaio de fase 1, “teoricamente não é para divulgar resultados mas para saber se há algumas reações tóxicas ou adversas ao tratamento”. No entanto, uma vez que a função visual é medida, “se houver melhorias isso justifica avançar logo para fases 2 e 3”, explica Miguel Seabra.
Estima-se em cerca de 24 meses o prazo para saber se a degeneração foi interrompida completamente com o tratamento. “O ensaio está planeado para dois anos”, ao fim deste tempo é que vão surgir “resultados mesmo conclusivos”, afirma.
In: Ciência Hoje
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