sábado, 13 de junho de 2020

Truz, truz, está alguém no Ministério da Educação?

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E as escolas? Continuam fechadas exceto para o 11.º e 12.º ano. Não acompanho as críticas que exigem a abertura de escolas neste terceiro período. Inicialmente considerei um exagero a decisão de os alunos mais novos não regressarem às aulas até setembro. Poderia perfeitamente, pensava eu, retomar-se as aulas em junho e ter os miúdos na escola o mês inteiro. Entretanto, os números da covid na zona de Lisboa (onde vive só 30% do país) estão num caminho no fio da navalha para o alarmante, e reconheço que nesta zona do país, pelo menos, é prudente que continuem fechadas.

De qualquer modo, já tinha dado o terceiro período como perdido. Não fiquei surpreendida com o inquérito da Fenprof, com mais de três mil respostas de professores sobretudo do ensino público, dando conta que mais de metade dos professores não conseguiram contactar com todos os seus alunos até meados de maio. O inquérito não dá estimativa da percentagem de alunos nessa situação (não conseguiram contactar com um ou dois? Com metade da turma?), em todo o caso será significativa a porção de alunos completamente ausente da escola durante a paragem pela covid. O inquérito da Fenprof nota ainda, inevitavelmente, que o encerramento das escolas agravou as desigualdades no ensino.

O mesmo conclui a pesquisa da consultora McKinsey, já de junho deste ano, “Covid-19 and student learning in the United States: The hurt could last a lifetime”, analisando os custos para os alunos da paragem do ensino devido à covid. Estima que em média os alunos perderão o equivalente a sete meses de aprendizagem, chegando a 12 meses para alunos de famílias com baixos rendimentos. Os abandonos escolares aumentarão. E as más notícias não ficam por aqui: esta perda de aprendizagem vai significar menor produtividade futura e perda de rendimentos ao longo da vida entre os 61.000 e os 82.000 mil dólares (a preços constantes de 2020), significando uma perda de rendimento – anual – de 110 mil milhões de dólares para esta geração de alunos que está agora no ensino não universitário norte-americano. Com tudo o que a diminuição de rendimentos traz: uma panóplia de problemas de saúde, relações pessoais mais instáveis, maior propensão para comportamentos e hábitos de risco, etc.

Aqui chegados, com este cenário funesto, pergunto: se o terceiro período está perdido por culpas exclusivas da covid, o que pretende fazer o Ministério da Educação para compensar os alunos? Para mitigar as desigualdades escolares que se acentuaram? Para não comprometer (mais) o futuro dos alunos, num país que vive há décadas em permanência numa situação económica periclitante?

Se calhar tenho de começar mais atrás: o Ministério da Educação conhece a situação dos alunos? A Fenprof fez um inquérito e apresentou-o (muito bem, diga-se; bom serviço público.) A instituição de ensino dos meus filhos também fez um inquérito às famílias, ainda que centrado na adequação das respostas de telensino e no bem-estar de alunos e famílias – que apresentou à sua comunidade educativa. Outras instituições seguiram o mesmo caminho. E o Ministério da Educação? Procurou ter números sobre a situação dos alunos neste período? Quantos foram perdidos? Quantos estão a dar matéria nova? Quantos tiveram testes ou outras avaliações? Quais os resultados? Que dificuldades se notaram? Que matérias ficaram para trás?

Se não está a avaliar, estudar e medir a situação, por que espera o ministério? Se está, onde estão os resultados? Não pensa partilhá-los com os milhões de pais ansiosos com o impacto desta paragem no futuro dos seus filhos? Ou espera ingenuamente que os pais portugueses confiem cegamente no discernimento governamental sem perguntas colocadas?

Haja estudo e medição ou não, seria bom conhecermos os planos do Ministério da Educação. O próximo ano letivo vai começar mais cedo, logo no primeiro dia de setembro, por exemplo, e terminar mais tarde, para os alunos terem tempo de recuperar matéria deste ano? O Governo já anunciou intenção de dotar alunos mais pobres de equipamentos que permitam o ensino à distância. Vai ser implementada já em setembro – quando é necessária – ou ficará para antes das próximas legislativas? No próximo ano letivo haverá reforço de professores para que se criem turmas mais pequenas – assim diminuindo possibilidade de contágio e apoiando melhor cada aluno? E para aulas suplementares aos alunos com dificuldades? Os 400 milhões de euros (número sexy e vistoso, mas se calhar superficial) para computadores e redes de internet são o único esboço de resposta? Caso haja segunda vaga de covid (ou, no nosso caso, com os números de Lisboa e arredores, se não conseguirmos sair da primeira), o que melhorará no ensino à distância? Será possível conciliar aulas presenciais (com mais turmas mais pequenas) e aulas à distância? Vão simplesmente retomar como se nenhuma paragem tivesse ocorrido?

Noutro registo que não o de acudir à recuperação dos alunos: aprendeu-se algo de útil com o ensino à distância? A telescola vai ser mantida? Vão usar-se mais conteúdos multimédia (que têm a vantagem de serem geralmente menos entediantes para crianças e adolescentes)?

As dúvidas dos pais avolumam-se e os desafios ao futuro dos alunos também. O Ministério da Educação tem de mostrar que planos tem – se alguns – para serem escrutinados pelos pais e professores, receberem contributos e ficarem apurados. Esta é uma questão estrutural com impacto para o futuro do país, bem como das crianças, e a inexistência política do ministro da Educação é exasperante.

Maria João arques

Fonte: Público por indicação de Livresco

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