sábado, 20 de junho de 2020

Mais que a tecnologia, Unesco defende a relação professor/aluno na educação pós-pandemia

Depois dos desafios colocados à educação, em todo o mundo, por causa da pandemia de covid-19, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) propõe que, de maneira a esbater as desigualdades, se disponibilizem recursos educativos e tecnológicos gratuitos para professores e alunos. O relatório denuncia que a pandemia veio expor “vulnerabilidades e desafios” em todo o mundo.

A crise da covid-19 expôs uma “imagem clara das desigualdades existentes”, diz o relatório Nove Ideias para a Acção Pública - Educação, Aprendizagem e Conhecimento num mundo pós-covid-19, realizado pela Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação (CIFE), constituída por 17 individualidades, entre elas o embaixador de Portugal na Unesco, António Sampaio da Nóvoa, e tornado público nesta sexta-feira. 

No mundo existem cerca de 1,5 mil milhões de estudantes. Contudo, nem todos têm acesso à educação e, em tempos de confinamento e ensino à distância, muitos ficaram para trás. O texto dá como exemplo os alunos da África subsariana: apenas 11% tem computador em casa e 18% tem Internet, quando a média mundial é de 50% para o equipamento e 57% para o acesso à rede. “É particularmente importante que o mundo apoie os países em desenvolvimento com investimento em infra-estruturas educacionais do século XXI; isso exigirá a mobilização, recursos e apoio dos países desenvolvidos, em particular com o cancelamento da dívida, reestruturação e novos financiamentos”, defende Sahle-Work Zewde, presidente da Etiópia, que preside à comissão, no prefácio do relatório.

O abandono escolar poderá ser uma das consequências graves desta pandemia, o que vai levar a uma regressão de “várias décadas”, continua a responsável, sem esquecer o impacto na educação das raparigas. Serão sobretudo elas que poderão não voltar à escola, alerta o relatório que começa por elogiar os professores, a sua resposta e adaptação rápida às circunstâncias do ensino à distância, embora façam parte de um leque de profissionais que são “frequentemente mal pagos”, apesar de terem “grande importância social”.

As escolas fechadas podem levar ao aumento das desigualdades já que este é um espaço que além do ensino oferece outros serviços como alimentação — por vezes, a única refeição “decente” do dia — e bem-estar. “As escolas são espaços de vivência colectiva que não podem ser substituídos por ensino remoto ou à distância”, defendem os especialistas.

Tecnologia mas com salvaguardas

Esta crise de saúde que, como consequência, se tornou também uma crise económica veio mostrar a importância do ensino público, como este é “crucial” no combate às desigualdades, defende o texto. No entanto, os especialistas estão preocupados com as possíveis consequências da crise económica. Se, por um lado, haverá famílias que não conseguirão manter os filhos na escola; por outro, o financiamento da educação pode vir também a sofrer. Por isso, é pedido aos governos para “resistir às pressões para restringir os gastos com educação no futuro”. A comissão apela, assim, a que não só os governos mas também as organizações internacionais, civis e os cidadãos se mobilizem na protecção do ensino público e seu financiamento, alertando ainda para a necessidade de evitar a corrupção ou o desvio de fundos que devem ser aplicados nas escolas.

Embora a educação não possa acontecer fora do âmbito pedagógico e da relação professor/aluno, também não pode ficar refém da tecnologia — como se poderia supor com o recurso ao ensino à distância. Esta é uma “ferramenta formidável”, mas não pode ser uma “panaceia” e deve ser usada com cuidados de maneira a não comprometer a privacidade e a liberdade de expressão. “É uma ilusão pensar que a aprendizagem online é o caminho a seguir para todos”, diz o relatório.

A comissão defende ainda que os alunos sejam ouvidos neste processo e envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito. Aliás, este procedimento democrático visa combater o ressurgimento de “políticas autoritárias”. No mesmo sentido vai a recomendação de construir currículos que dêem prioridade “à pessoa como um tudo e não apenas [transmitindo-lhe] competências académicas”. Preocupada com as fake news e a falta de informação, a comissão defende que se dê prioridade à literacia científica, assegurando um currículo com “fortes objectivos humanísticos”, em que se explore a relação entre factos e conhecimento, ajudando os alunos a “compreenderem e a situarem-se num mundo complexo”.
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Nove Ideias para a Acção Pública - Educação, Aprendizagem e Conhecimento num mundo pós-covid-19 - CIFE, Unesco (versão em inglês) Descarregar

Fonte: Público

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