Os quatro filhos de Uzma Jafri vão ficar em casa neste Outono, mesmo que as escolas públicas que frequentam em Phoenix, no estado norte-americano do Arizona, abram as suas portas físicas. Jafri, uma médica, e o marido, um dentista pediátrico, não vêem as escolas como um ambiente seguro durante a pandemia, mesmo que adoptadas as orientações propostas pelos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças.
“Ambos sabemos como funcionam os vírus e não conseguimos compreender como as escolas podem abrir e ser seguras”, desabafa Jafri.
À semelhança de Portugal e tantos outros países, os agrupamentos escolares dos EUA estão a definir estratégias para que todas as crianças e jovens regressem às aulas presenciais no Outono. Os cenários possíveis incluem horários em espelho, com os alunos a alternarem entre a frequência presencial e online — por cá, esta hipótese já foi avançada pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues, em entrevista (...). Neste cenário, as carteiras ficariam espaçadas, poderiam ser necessárias máscaras e o almoço poderia ser comido nas salas de aula. Se houver um aumento súbito no número de casos, as escolas podem voltar a fechar e reabrir — as vezes que forem precisas.
Basta a ideia de tudo isto para Jafri ficar ansiosa. Ela gostaria de minimizar a perturbação dos horários dos seus filhos e mantê-los em segurança. O filho mais velho, que tem 12 anos e está no sexto ano, já estava a frequentar o ensino doméstico há um ano. E, no final de Março, com o vírus a espalhar-se rapidamente, Jafri sentiu que mais valia tentar o mesmo com os mais novos.
“O melhor para a minha saúde mental é mantê-los todos em casa”, considera a mãe. “E está a funcionar para nós. Realizamos todo o trabalho escolar em duas horas e eles ficam livres para fazerem o que quiserem” com o resto do tempo.
Jafri, que trabalha a tempo parcial e tem uma ama em casa, diz que antes de Agosto de 2021 não permitirá que nenhum dos seus filhos regresse à escola.
Liberdade de escolha
A pandemia do coronavírus, que encerrou a maior parte das escolas dos EUA em Março, proporcionou aos pais que talvez nunca tivessem ponderado o ensino doméstico uma espécie de experiência sobre o que é ter as crianças a aprender em casa. Embora muitos pais se tenham desgastado na tentativa de equilibrar o seu trabalho com os cuidados infantis e a escolaridade, para outros essa parece ser a melhor opção a curto prazo, pela segurança e para evitar a aprendizagem por meios virtuais — além de oferecer uma oportunidade de testar o ensino doméstico e de o considerar a longo prazo.
De acordo com dados de 2016, 3,3% das crianças nos Estados Unidos frequentavam o ensino doméstico, um número que se manteve praticamente inalterado durante a última década. Em Portugal, os dados do Ministério da Educação, referentes a 2017/2018, indicavam que havia 909 alunos inscritos em ensino doméstico — face ao número total de inscritos nos três ciclos do ensino básico, no mesmo ano, representam apenas 0,1%, mas reflectem um crescimento da modalidade de 48% em apenas dois anos (e 1342% em cinco anos).
“Penso que é provável que este Outono vejamos um aumento do ensino doméstico devido a preocupações de saúde e segurança, mesmo entre pais que nunca consideraram essa opção”, perspectiva Aaron Churchill, investigador do Instituto Thomas B. Fordham, um grupo de reflexão conservador que defende a escolha do tipo de ensino e escola.
A actual recessão económica pode também levar mais pais a considerar o ensino doméstico, disse Christopher Lubienski, professor de política educativa na Universidade de Indiana. “Muitos pais vão estar em casa. Muitos perderam os seus empregos”, reflectiu. Porém, apesar de haver disponibilidade de tempo, Lubienski sublinha o papel que a riqueza terá para determinar se é possível manter as crianças em casa.
“Mesmo que os pais possam estar desempregados, podem preferir ter os filhos na escola, onde podem usufruir de refeições grátis ou a preços reduzidos”, explicou. “E [ter os filhos na escola] vai permitir que os pais procurem um emprego.”
O professor em Bloomington suspeita que os pais que tenham dinheiro podem tentar a sua sorte com o ensino doméstico, mas estima que este será um esforço a curto prazo.
Menos tecnologia
É desta forma que Meghan Browne, uma mãe de três crianças em idade escolar em Austin, Texas, está a pensar. Ela gosta da escola pública que os seus filhos frequentam, mas está contra a quantidade de tecnologia que as crianças tiveram de utilizar com a escola online. “Duas a três horas por dia à frente de um ecrã parece ser a antítese de tudo aquilo em que acredito”, explica.
Meghan suspeita que ainda haverá algum ensino à distância no Outono, mesmo que as aulas presenciais sejam retomadas, e que isso envolverá uma grande quantidade de tecnologia. Por isso, ela está a investigar seriamente as opções do ensino doméstico. Porém, preocupa-a que o estudar em casa venha a ser stressante e que acarrete consequências negativas, tendo em conta que ela própria é estudante e que o marido passa vários dias por semana fora, já que é piloto da Southwest Airlines.
“Não estou certa das minhas capacidades como professora, da minha capacidade de gerir três salas de aula separadas debaixo do mesmo tecto.” “Parece-me muito intimidante”, desabafou.
Por tudo isto, Meghan vê o ensino doméstico como uma solução a curto prazo, e ela sabe que vai mandar as crianças de volta para a escola assim que se sentir confortável.
Mas Joseph Murphy, professor de educação na Universidade de Vanderbilt, em Nashville (Tennessee), acredita que o aumento do ensino doméstico está para ficar e que a pandemia actuará como um catalisador num movimento que se desencadeou na última década. “Há a convicção de que a hierarquia e a burocracia já não têm lugar no ensino”, afirmou.
O professor explica que cada vez mais pais preferem acreditar em si próprios e não no sistema escolar, julgando saber o que é melhor para os seus filhos. E, ao pensar nesses melhores interesses, alguns pais decidirão que o melhor lugar para os seus filhos é a sua casa.
Angela Repke, uma professora universitária em Grand Blanc, Michigan, inclui-se nesse rol. “Na maior parte dos dias estou tipo ‘Isto é bom para eles'”, contrapondo com “quando vão à escola” e “voltam para casa muito agitados”.
Nos dias que correm, conta, o filho de 8 anos mostra-se relaxado. Ele lê muito e faz bolos, e com a irmã de 6 anos passa muito tempo a fazer jogos para se distraírem. E Repke fica espantada com a forma como o tempo em casa tem permitido à filha aprender a ler. “Ela acabou de descolar”, comenta.
Repke, que trabalha como assistente na faculdade, planeia equilibrar a sua agenda, para que o ensino doméstico se torne possível. E, por essa razão, já recusou um emprego de professora para o Outono.
Não é claro se irá manter o ensino doméstico quando a pandemia passar. Mas, por vezes, sonha que seja uma experiência especial, mágica — tanto para ela como para as crianças, desejando que a experiência possa durar anos. “Tenho uma ideia muito boémia de tudo isto, que vamos visitar parques e reservas naturais, que vamos passar muito tempo ao ar livre”, refere.
Mas também diz que fará o que os filhos quiserem e o que precisarem. “Na realidade, isto é um assunto dos meus filhos.”
Fonte: Público
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