sábado, 6 de junho de 2020

Daniel Sampaio. A condição adolescente

Apesar de continuar a ser voz corrente e de a comunicação social, não raramente, ajudar a amplificar a ideia de a adolescência ser uma época de crise para quem a vivencia, em realidade, os estudos e a investigação, desde os anos de 1980, têm demonstrado que a grande maioria dos adolescentes – 90%, segundo calcula Daniel Sampaio – adora esse período da sua vida e vive-o de forma divertida.

Podemos dizer, com a Organização Mundial de Saúde, que a adolescência termina aos 19 anos, mas especialistas há, em face das mutações cerebrais que se prolongam para lá dos 20 anos, que pretendem situá-la até aos 24 anos. O cérebro adolescente, cujo desenvolvimento apenas pôde ser estudado a partir de finais do século XX – verificando-se, então, as profundas transformações que nele ocorrem a partir dos 11/12 anos -, na sua maturação em progresso permite-nos agora perceber as raízes (biológicas) de condutas de risco adolescentes (quando, nestes, a região cerebral responsável pelo controlo ainda não está completada) ou as dificuldades de discernimento, por parte de alguns adolescentes, do impacto, nos outros, da sua forma de comunicação, ou, ainda, certas reacções intempestivas e muito emotivas face a um reparo alheio que lhes é dirigido. Diferentemente, “quando um adolescente dá um murro num colega mais novo, não é certamente só por causa da sua imaturidade cerebral. Ele sabe o que está a fazer e quais as consequências possíveis do seu acto. Não pode servir de desculpa o seu cérebro em desenvolvimento”.

Para além de o discurso mais ou menos catastrófico sobre a adolescência não ter grande adesão à realidade – pensem nos adolescentes à vossa volta, e em quantos são assim tão tão problemáticos -, podemos notar com o Psiquiatra e Professor Catedrático de Saúde Mental (agora jubilado), Daniel Sampaio, como outro mito domina as narrativas sobre a adolescência: a falta de tempo de qualidade, dos pais com os adolescentes, como base da falta de sucesso educativo. Estaremos, neste âmbito, perante um mito, por duas ordens de razão: por um lado, o acordar, o fim de tarde, o jantar e o deitar são momentos fortes, e suficientes, para a comunicação, partilha, transmissão de valores, afecto mútuo, entre pais e filhos; por outro, porque se tem observado casos em que em se tendo optado por uma mãe, a tempo inteiro, em casa, estas, as mães, acabam, mais cedo ou mais tarde, por se sentirem fatigadas e culpadas por qualquer insucesso dos descendentes, ao mesmo tempo que solicitam a outros a autoridade que não conseguiram conquistar junto dos mais novos.

Em Do telemóvel para o mundo – pais e adolescentes no tempo da internet, publicado agora pela Caminho, Sampaio acomete como principais objectivos de uma educação bem-sucedida, no final da adolescência, coisas como o jovem saber resolver sozinho as suas questões académicas ou profissionais; níveis adequados de auto-confiança que lhe permitam superar momentos menos bons no estudo ou no emprego; relacionamento sem ansiedade com estranhos; uma noção adequada do risco; empatia para com os outros; uma noção de ética em todas as dimensões do quotidiano, em especial nas relações interpessoais. A adolescência, uma construção cultural, período de vida entre a infância e a juventude/idade adulta, apenas com direito a um lugar específico, próprio, a partir do século XIX, com as exigências de alfabetização, escolaridade obrigatória, resposta à industrialização, é um tempo em que as preocupações com a sexualidade estão, igualmente, muito presentes: ora, como assinala Daniel Sampaio, “as escolhas sexuais terão de ser sempre escolhas morais”; em especial, convém que o início da vida sexual por parte dos jovens se dê de forma pensada, no contexto de uma relação de envolvimento afectivo, em que as relações sexuais sejam desejadas por ambos os parceiros. Na fase do «andar com» os pais devem falar do necessário respeito que uma relação séria deve implicar; da permanente necessidade de reconhecimento dos sentimentos do outro; da fidelidade inerente ao compromisso estabelecido; da utilização muito reduzida de álcool; da preservação da intimidade da relação, sobretudo em relação às redes sociais. 

Finalmente, a omnipresente tecnologia. Os adolescentes consideram o e-mail ultrapassado, não marcam presença no Twitter, e mesmo o tempo de entusiasmo com o Facebook parece ter ficado para trás - porque nele passou a haver demasiados adultos, demasiados familiares, demasiados professores. Não terá ficado completamente obsoleto, porque é utilizado para marcação de eventos, em especial para perceber a adesão que estes terão - e se vale a pena realizá-los (ou onde efectivá-los, em função do número de likes). O Instagram, pelos vistos, é que está a dar, actualizado sucessivamente, especialmente no feminino (com o pico das 10 da noite, hora em que a maioria dos adolescentes está na net). Há pais que entram nas redes sociais dos filhos através de «truques» tecnológicos "pouco éticos". Em havendo, como deve haver, uma relação familiar de confiança, faz sentido os pais perguntarem o que os filhos colocam nas redes sociais; no entanto, se os progenitores nada questionam, mas espiam às escondidas para, a partir de aí, proibirem saídas ou impedirem jogos na net, não estão a contribuir para esse aumento de confiança mútua. "As novas formas de comunicação - refere o investigador - ao contrário do que por vezes se afirma, podem ser importantes veículos de aproximação entre pais e filhos. A partilha de uma foto, um sítio na internet que se acaba de descobrir, um sms ou mensagem pelo WhatsApp a avisar para onde se vai, são tudo oportunidades para estar mais perto, para educar e para veicular valores. A conversa formal entre pais e filhos, típica da juventude dos avós dos adolescentes de hoje, tem de ceder o lugar aos diálogos de pequena duração, tantas vezes imprevistos e improváveis, mas que podem ser carregados de significado”.

Fonte: Jornal I por indicação de Livresco

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