Quanto mais velhos os docentes, mais são as queixas de indisciplina em sala de aula que relatam. Esta é uma das particularidades de Portugal em relação a outros países europeus revelada por um novo estudo do projeto aQeduto, uma parceria entre o Conselho Nacional de Educação e a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que é apresentado hoje em Lisboa.
O estudo foi realizado com base num inquérito internacional aos professores e diretores, realizado em 2012 no âmbito do projecto TALIS (Teaching and Learning International Survey).
Apenas a Irlanda acompanha Portugal nesta particularidade, mas os docentes portugueses com mais de 50 anos conseguem ultrapassar os irlandeses.
“Esta questão deve ser encarada com muita atenção, dado o envelhecimento do corpo docente em Portugal”, frisa-se no estudo em que se lembra que, em 2015, 39% dos docentes do ensino básico e secundário tinham 50 anos ou mais.
(...) Isabel Flores, uma das investigadoras do aQeduto, chama a atenção para outro dos campos em que Portugal se destaca, pela negativa, neste domínio: os níveis de indisciplina de que dão conta os docentes, independentemente da idade, são sempre mais elevados do que nos outros países estudados.
A investigadora não avança razões que o justifiquem, nem o facto de os professores portugueses serem os que mais relatam situações de indisciplina, nem que esta situação aumente com a idade, ao contrário do que se passa, por exemplo, em Espanha, na Dinamarca ou na Polónia.
Mas deixa esta questão que pode ajudar a uma reflexão: “Serão os alunos portugueses mais malcomportados ou haverá uma maior intolerância dos professores em relação a determinados comportamentos dos alunos?” O fenómeno poderá ter que ver também com as suas práticas pedagógicas, como se verá adiante.
Exaustão dos professores
Alexandre Henrique, autor do blogue ComRegras, que tem dedicado particular atenção aos assuntos relacionados com a indisciplina, considera, pelo seu lado, que, sendo este fenómeno transversal, “restringir a questão à idade mais avançada dos professores é centrarmo-nos num aspeto muito parcelar”.
“No próprio estudo é possível verificar que os professores em início de carreira também revelam algumas dificuldades quanto às questões disciplinares”, destaca, para acrescentar que “a falta de preparação específica na sua formação inicial, somada à sua inexperiência em lidar com situações novas e imprevisíveis, podem causar algumas dificuldades em lidar com certas situações de indisciplina”.
Quanto aos professores mais velhos, refere que se está perante um setor em que “muitos sofrem de burnout [exaustão] educativo, em que a falta de reconhecimento e estagnação profissional, o aumento da idade da reforma, o desgaste em lidar com alunos cada vez mais problemáticos, o distanciamento geracional, o choque cultural e tecnológico entre estes, podem originar fortes conflitos em sala de aula”.
Aulas expositivas
Isabel Flores adianta que a questão de como se perceciona a indisciplina terá também muito a ver com as práticas pedagógicas dominantes seguidas pelos docentes e, segundo este estudo revela, a dos professores portugueses, independentemente da idade, continuam a privilegiar as aulas expositivas em detrimento de sessões práticas, com base em projetos apresentados pelos alunos
Mais uma vez Portugal só é acompanhado pela Irlanda no domínio das aulas expositivas.
“Quando as aulas são mais expositivas, os professores têm a expectativa de que haja mais silêncio do que quando se avança para sessões práticas. Portanto, a perceção da indisciplina pode também ter que ver com o tipo de expectativas que o professor tem à partida em função das aulas que vai dar”, diz a investigadora.
Para Isabel Flores, este domínio de práticas pedagógicas em que o professor fala e o aluno absorve conteúdos tem em Portugal um forte alimento: a extensão dos currículos escolares.
Fonte: Público
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