Alda Serrazina partilha um quarto com o filho numa residência do Politécnico de Leiria. “Muita gente pergunta: ‘O teu filho vai estudar para quê?’ Eu pergunto: ‘Ele vai ficar em casa para quê? Ficamos os dois maluquinhos!’ Ele quis vir. Eu disse: ‘Quer ir, vai.’ O meu marido ainda perguntou: ‘Vai como?’ Eu respondi: ‘Vai como os outros!’ Eu estou cá para o ajudar. Não quero que um dia ele diga: ‘A minha mãe não me deu oportunidade de seguir o que eu queria.’”
Márcio é filho único. Há 14 anos, seguia com a mãe e o padrasto na estrada, houve um acidente. Era um menino. Ainda nem completara 11 anos. “O médico disse: ‘O seu filho está muito mal.’ Eu só pedia a Deus que não o levasse. Tinha ele dois aninhos, fiquei sem o pai dele num acidente.”
Perdeu a voz. Ficou tetraplégico. “Ele reagiu mal. Era um menino tão bem disposto. Falava muito. Tudo. Tentei dar-lhe força. Disse-lhe que não era o único, que a vida dele havia de seguir em frente, que eu estava cá para o ajudar.” Esteve cinco meses no Centro Hospitalar de Coimbra e um ano e meio no Centro de Reabilitação de Alcoitão. Recuperou alguns movimentos.
Antes de o filho regressar à Benedita, em Alcobaça, Alda mandou alargar as portas da casa, pôr uma rampa no jardim, despediu-se da fábrica. Ele não podia estar sozinho. E tinha de continuar os tratamentos. Matriculou-o na escola. “A dificuldade que elas lá tinham! Propus desempenhar o papel de tarefeira. Estava por ali. Dava-lhe as refeições, levava-o a casa de banho. Fizeram-me um contrato.”
Quando Márcio entrou no 7.º ano, Alda inscreveu-se no centro de emprego. Ainda lá trabalhou um ano. O programa Contratos Emprego-Inserção, através do qual fora colocada, não se pode repetir. Continuou, como voluntária, só para o auxiliar.
Findo o secundário, Márcio quis ir para o superior. E lá vieram as perguntas: “'Vais massacrá-lo para quê?’ Têm a ideia que estas pessoas [com deficiência] não precisam de se esforçar. Ele tem de se fazer à vida! De maneira diferente, mas tem.”
O rapaz, de 25 anos, já concluiu a licenciatura em Gestão. Começou agora o mestrado. Tem aulas à segunda, à terça e à quarta das 19h às 23h30. Ela leva-o e mantém-se perto. Senta-se no carro, costura, lê. Sai do carro, caminha um bocadinho. “Ele quer ir à casa de banho, dá-me um toque e eu vou.”
Márcio continua quase sem voz. No início, ninguém consegue ler-lhe os lábios, como a mãe dele faz. Tem de escrever o que quer dizer. A grande luta de Célia Sousa, do Centro de Recursos para a Inclusão Digital do Instituto Politécnico de Leiria, é convencê-lo a usar software de voz, como o usado por Stephen Hawking. “Terá de ser, se quiser defender a tese.”
Fonte: Público
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