As pessoas que se dedicam profissionalmente à Educação queixam-se que os seus compatriotas falam de Educação com uma autoridade doutoral. Dizem estes profissionais, que ninguém se atreveria a fazer o mesmo noutra área de conhecimento. Por exemplo, quando se trata de Saúde as conversas começam invariavelmente com: “Eu não sou médico, mas…” e só depois é que vem a opinião já mais atenuada e branda pela confissão inicial de ignorância relativa de quem a emite. Na Educação não é assim: toda a gente sabe dar conselhos ao ministro, aos secretários de Estado, às direções das escolas, aos professores, aos alunos, aos assistentes operacionais, enfim, toda a gente se sente mandatada e capacitada para se pronunciar sobre assuntos de Educação.
Por muito abrasivas que estas opiniões sejam elas merecem alguma atenção e compreensão por parte dos educadores. Por um lado, porque o processo de ensino e aprendizagem é universal. Todos nós já estivemos na posição – formal ou informal – de aprender e de ensinar. É lógico que quem já passou por estas vivências ache que o seu conhecimento ficou aumentado e mesmo suficiente para dialogar “de igual para igual” com as pessoas que fazem da Educação a sua profissão e formação. Por outro lado, a Educação está profundamente imbrincada na vida. A sua vizinhança e proximidade levam a que o que se faz, o que se diz, o se aprende e ensina na escola faça parte inevitavelmente do quotidiano dos valores e práticas das famílias. Compete às pessoas que são profissionais e conhecedoras do sistema educativo entender estas contribuições de “fora” e não se esquecerem que estas posições, por vezes bem conservadoras e tradicionais, não são senão o ponto de partida para encontrarmos em conjunto as melhores soluções.
Vem esta introdução a propósito de críticas que têm sido feitas e esgrimidas sobre as mudanças que se fazem – e recentemente se fizeram – em Educação.
A primeira crítica foi a da instabilidade. Quando foram descontinuados os exames no 6.º ano de escolaridade, não faltaram brados sobre a necessidade de estabilidade no sistema educativo. Parece uma brincadeira, não é? Sempre nos queixamos que a escola está desatualizada face aos progressos que se verificam noutras áreas sociais e, quando algo se muda, fala-se que é preciso estabilidade (isto é que o sistema permaneça imóvel à espera da maré). Mais precisamente, diz-se que a instabilidade foi criada ao alterar a realização de exames no decorrer do ano letivo. Vejamos: todos concordamos que é má pedagogia focar os nossos esforços de ensino nos exames. Sempre dissemos que o que importa é a aprendizagem e não os exames. Se assim for, a falta dos exames não traz nenhuma mudança negativa. Conheço até o caso de uma escola que no 5.º ano e nos dois primeiros períodos do 6.º ano nunca tinha realizado uma visita de estudo; quando o exame do 6.º ano foi abolido, realizaram-se quatro visitas de estudo no terceiro período letivo. Não restam dúvidas sobre a imprescindibilidade de processos avaliativos – incluindo os externos – para a melhoria do sistema educativo; mas a ausência de exames – com o seu cortejo de inconvenientes – só pode ser encarada como positiva e um encorajamento a fazer melhor trabalho pedagógico e a recentrar os objetivos do ensino.
A segunda crítica foi há pouco produzia à intenção do Governo aligeirar os currículos. Obviamente temos ainda que entender melhor o que isso quer dizer e como se irá materializar. Mas, logo à partida, temos de concordar que a corrida à desfilada que os currículos escolares estavam a fazer rumo à complexidade, à linguagem sofisticada, à quantidade de matéria a “aprender”, era um caminho insano. Criou-se e alimentou-se a ideia que era preciso saber cada vez mais, matérias cada vez mais complexas. Todos ficamos abúlicos e emudecidos perante este cavalgar: os professores queixam-se – entre eles – que não é possível dar toda a matéria do programa e, se fosse possível, seria à custa de deixar muitos alunos “para trás” e não poder fazer nada mais que não fosse transmitir e exercitar incessantemente. Também ficaram perplexas as famílias ao confrontarem-se com a linguagem e a complexidade dos programas: pessoas mesmo com cursos universitários revelam-se incapazes de interpretar textos que são dados aos seus filhos com 11 ou 12 anos. Este disparo do currículo é intrinsecamente pouco culto. Confunde a qualidade com a quantidade: lembra-nos as pessoas que enfeitam a casa com metros de prateleiras de livros inúteis. Com currículos desta extensão e complexidade não é possível fazer nada mais do que aulas transmissivas, de treino e de exercício. Isto sim é facilitismo: hipertrofiar um aspeto da educação em prejuízo de todos os outros aspetos. Quem acredita que os nossos filhos devem estar numa escola a tempo inteiro onde só façam exercícios e treinem conhecimentos que temos as maiores dúvidas que lhes possam efetivamente ser úteis a eles, cidadãos que já nasceram no século XXI?
Não é por causa desta “instabilidade” e da simplificação dos currículos que a nossa Educação vai piorar. Pelo contrário: estas mudanças são uma oportunidade para pensar diferente uma área que tem de ser pensada diferente. Quando as pessoas “de fora” da Educação” evocam o “seu tempo” é preciso explicar-lhes que a Escola, como tudo o resto tem que continuar a mudar e muito. Hoje temos que ensinar TODOS os alunos, temos que os ensinar outras coisas e de formas diferentes. Felizmente nenhuma solução que foi encontrada no passado é suficientemente boa para resolver os problemas que a escola enfrenta no presente. Por isso precisamos que a escola se mova pelas reformas e a mudança é a forma de ser da Educação.
David Rodrigues
Presidente da Pró – Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. Conselheiro Nacional de Educação.
Fonte: Público
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