Na sequência de alguns relatórios e/ou estudos recentes sobre a situação profissional dos docentes portugueses ganhou alguma dimensão pública a evidência de que o corpo docente das nossas escolas públicas está razoavelmente envelhecido. Algo que quem anda pelas ditas escolas sabe bem, mas que parece ter surgido do nada para quem agora chegou ao tema como se novidade fosse.
Acerca deste fenómeno, que em alguns momentos é apresentado como se fosse da responsabilidade dos professores que insistem em ficar mais velhos, há que identificar e distinguir com clareza as políticas que conduziram a esta situação (e que não se podem resumir a culpabilizar a troika), as suas principais implicações e as medidas que podem ser tomadas para o contraria ou diminuir os seus efeitos mais nefastos.
Antes de mais, o envelhecimento dos docentes portugueses em exercício é uma consequência natural do esforço conjunto desenvolvido na última década por diferentes governos para diminuir o número de professores através do estrangulamento das entradas no quadro, da redução de professores contratados e de diversos estratagemas para diminuir a carga letiva curricular dos alunos em combinação com o aumento do horário de trabalho efetivo dos professores. O desfecho foi o envelhecimento de todos, desde os que permanecem nos quadros até aos contratados que chegam, cada vez mais precarizados, apesar de terem muito anos de ensino, passando pelos que foram vinculados de forma “extraordinária”, mas que entram para a carreira, mesmo com 20 anos de serviço ou mais, para o seu 1.º escalão de salário. É difícil não lembrar como foram vários os governantes, presentes ou passados, que apareceram a lembrar o seu papel na redução da “despesa”, através da redução do número de professores (muito acima da redução do número de alunos no sistema de ensino), bem como do congelamento da sua carreira e dos adicionais cortes salariais.
Em termos práticos, isto significa que a maior parte dos professores está a dar aulas há 25 anos ou mais, tendo mais de 50 anos de idade, sendo praticamente inexistentes, mesmo entre os contratados, os que têm menos de 30. Se isto conduz a uma homogeneidade geracional e a alguma identidade profissional, não deixa de ser uma desvantagem que implique o quase desaparecimento da diversidade que caracterizava há 20 anos as salas de professores, com o confronto de diferentes perspetivas e metodologias de trabalho em sala de aula. Agora, quase todos partilhamos (sim, falo na primeira pessoa) um trajeto com mais pontos de contacto do que seria de desejar num modelo que se pretende dinâmico e em renovação permanente. E, não há que o ocultar, com o natural desgaste profissional associado a uma década de conflito aberto com a tutela sobre a gestão das escolas e da carreira docente, bem como de constantes inflexões na gestão de currículos e programas. A proletarização e precarização foram processos associados ao envelhecimento, eventualmente interessantes para os economistas da Educação mas que nada demonstra serem benéficos para o trabalho em sala de aula.
Como podemos sair desta situação? Desde logo, reorientando prioridades orçamentais, pois é dificilmente compreensível que os serviços públicos essenciais para a coesão social e nacional sejam sacrificados em prol da resolução de fracassos privados. Em seguida, promovendo políticas ativas de rejuvenescimento do corpo docente das escolas por duas vias complementares: criando condições dignas para que quem já tem 35 anos ou mais de serviço se possa aposentar sem sacrificar metade dos seus rendimentos e abrindo os quadros a novos professores, mesmo se isso nos tempos atuais significa a vinculação de pessoas que em tempos já estariam para lá de meio da carreira, atendendo aos anos de serviço que já prestaram. O investimento que estas medidas implicariam seria, no médio prazo, compensado pelos ganhos, pois aposentar-se-iam professores já com alguma merecida redução de horário, entrando outros com horários completos, podendo ter-se ganhos de 25% nesse aspeto (substituir um professor com 16 horas letivas por um com 22 até teria ganhos superiores). Para além de que mesmo em termos absolutos, a saída de 5000 ou 10.000 dos docentes mais velhos em condições materialmente dignas, dificilmente acarretaria um encargo superior a 1% do que o Estado tem gasto a salvar bancos da falência ou a simular que eles não estão falidos mais do que tecnicamente.
O mais importante é que, mesmo que eu aceite que os professores mais velhos têm maior experiência e saber acumulado, alguns dos maiores ganhos seriam ao nível do trabalho com os alunos, porque dificilmente um corpo profissional sucessivamente atacado pelo poder político, proletarizado na sua condição e desmotivado pelo desaparecimento de horizontes de progressão na carreira, poderá manter-se sem entrar em mais ou menos acelerada implosão perante aqueles que gostaria de servir nas melhores condições.
Paulo Guinote
Fonte: Público
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