quarta-feira, 26 de outubro de 2016

OS INCLUÍDOS… EXCLUÍDOS

Hoje vou vestir o meu hábito de cor a fugir para o satírico pela simples razão que ando a ficar mais do que farto com as constantes patacoadas que amiúde surgem nos órgãos de comunicação social. Desta vez, tocou ao Diário de Notícias (23 de outubro de 2016) escrevinhar qualquer coisita sobre as crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais (NEE), dando-lhe o sugestivo título de “Ensino especial vai ter planos individuais e mais tempo em sala”. Logo aqui, continua a teimosia de se usar o termo “Ensino especial”. Quem estiver realmente por dentro do que os princípios que regem o movimento da inclusão traduzem (é de extrema importância que, para além da inclusão dita “social” se considere a “escolar”), verificará que o termo “Ensino especial” há muito se tornou obsoleto. Só que no nosso país são tantas as almas que o usam que se pode chegar à conclusão que são poucas as que realmente estarão dentro destas matérias. Frases de circunstância, como as que lemos no referido artigo, tal como, pretendemos uma “escola em que as crianças não estão apenas integradas, mas incluídas em sala de aula, em ambiente de aprendizagem com os colegas, sem desinvestimentos nos apoios necessários” (mas que diabo, a partir de 2005 não nos iam dizendo que a maioria dos alunos com NEE já estavam “incluídos” nas nossas escolas?) ou, “Há unidades que realmente funcionam como sendo unidades de inclusão, no sentido de que proporcionam aos alunos oportunidades de inclusão e outras que não funcionam. Tornam-se um pouco guetos dentro das escolas” (Afirmações à “La Palice”, gratuitas, por falta de evidência), não passam disso mesmo. São inscritas em meros artigos de jornal a não necessitarem de recheio científico ou pedagógico, dirá quem neles escreve e quem neles opina.

Mas, alto lá!

Minhas senhoras e meus senhores, será que não se pode melhorar a receita com uma pitadinha de fermento científico-pedagógico, mantendo um mesmo estilo, o jornalístico? Claro que pode!

Tomemos como exemplo o artigo referido acima. O que ele nos diz é que o Ministério da Educação está a reformular o DL 3/2008, de 7 de janeiro, e que essa reformulação em princípio estará concluída no final de outubro, seguindo-se-lhe, espero eu, a respetiva discussão pública. Ora se a reformulação está prestes a sair do forno, não seria de esperar um artigo mais “recheado de novidades” que não só a questão das unidades, muito mal tratadinha (nos dois sentidos), coitadinha, a deixar-nos a todos baralhados com tamanha maceração de palavras. Esta até está mais ou menos explícita no DL 3/2008, dado que refere que, quer as unidades de ensino estruturado (alunos com perturbações do espectro do autismo), quer as unidades de apoio especializado (alunos com multideficiências ou surdocegueira congénita), devem “Promover a participação dos alunos com perturbações do espectro do autismo ou dos alunos com multideficiências ou surdocegueira congénita, nas atividades curriculares e de enriquecimento curricular junto dos pares da turma a que pertencem” e que as escolas ou agrupamentos devem “promover a sua participação social”. O pior é que tudo isto ficou apenas no papel, pois, se assim não fosse, estes alunos teriam tido a oportunidade de, realmente, serem observados e avaliados de acordo com as suas capacidades e necessidades e ter-lhes-ia sido elaborado um “verdadeiro” programa educativo individual onde as questões pedagógicas e socioemocionais que nele constassem determinariam não só o tipo de resposta educativa, mas também a percentagem de colocação na turma a que pertencessem. A questão dos 60% é um mero expediente para inglês (melhor dizendo, português e comunidade europeia) ver, ou até para a diminuição do número de turmas (Estão a ver a jogada economicista?).

Dito isto, porque será que se continuam a escamotear os verdadeiros flagelos que atormentam a educação de alunos com NEE?

Não seria razoável, uma vez que a remodelação já está a entrar no adro, que nos dessem uma explicaçãozita quanto a esses flagelos? Eu aclaro.

Para promovermos uma educação de qualidade para os alunos com NEE (Aproveito aqui para afirmar, uma vez mais, que no espectro das necessidades educativas especiais se devem incluir os alunos com dificuldades de aprendizagem específicas: Com dislexia, discalculia e disgrafia) é preciso que tenhamos todos os ingredientes que nos permitam fazê-lo. Assim, não seria importante que todos falássemos a mesma linguagem para deixarmos de ver por aí uma multitude de interpretações de conceitos (Ex.: inclusão, NEE, educação especial)? Que todos verificássemos que as escolas estavam a perfilhar um modelo (dar importância ao processo antes de nos focarmos nos resultados) que promovesse sucesso para os alunos com NEE? Que os professores do ensino regular e de educação especial tivessem uma formação adequada nestas matérias (As instituições de formação, universidades e afins, não estão, de forma alguma, a desempenhar o seu papel. Basta olhar para os planos de estudos nas áreas de ensino e educação e na de educação especial. Ainda, o Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua parece andar alheio a tudo isto mantendo, nas especializações em educação especial, domínios totalmente obsoletos. Por fim, temos também o Conselho Nacional de Educação quedo e mudo no que respeita a estes assuntos, embora vá deitando cá para fora uns relatórios sem substância para justificar a sua existência)? Que as escolas tivessem, realmente, acesso aos recursos especializados que lhes permitisse responder com eficácia às necessidades dos alunos com NEE? Que o financiamento fosse compatível com o número de alunos com NEE que frequentam as nossas escolas (Garanto-vos que se nos reportarmos aos alunos com necessidades especiais – risco, NEE, sobredotação – serão mais de 200 a 250 mil alunos. Caso consideremos só os alunos com NEE, serão mais de 120 mil, número bastante superior ao considerado pelo ME, 70 mil)?

Embora nada disto tenha sido mencionado no artigo, espera-se que estes ingredientes façam parte da remodelação do DL 3/2008, ou seja, que eles sejam consagrados, ou pelo menos considerados, na nova peça de legislação. Nunca esquecer que ela será o “livro de receitas” responsável pela educação dos alunos com NEE. Caso desacerte, a maioria dos alunos “incluídos” continuarão a ser “excluídos” funcionalmente.

Luís de Miranda Correia

Fonte: IPODINE via FB

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