No PÚBLICO do passado dia 5 foi divulgado um trabalho sobre uma matéria que julgo merecer a atenção que nem sempre consegue, o problema de alunos com necessidades especiais e das suas famílias após os 18 anos, ou seja, após o cumprimento da escolaridade obrigatória. O que acontece a estes alunos?
A abordagem mais frequente aponta duas vias, a necessidade de instituições especializadas ou, preferencialmente na minha perspetiva, a necessidade de vias de continuidade da sua formação e desenvolvimento numa perspetiva integrada.
Antes de mais, uma nota breve.
Do meu ponto de vista algumas das dificuldades dos alunos com necessidades especiais após os dezoito anos radicam no seu percurso anterior pelo que a construção da resposta à questão inicial deve começar bem antes dos 18 anos.
Muitas das pessoas mais próximas desta realidade sabem que devido, entre outras causas, à falta de regulação do nosso sistema educativo, um dos seus pecados estruturais, se verifica uma latitude de práticas que varia entre o muito bom e o péssimo apesar de tudo o que acontece ser realizado em nome … da inclusão.
Conheço inúmeras situações em que os alunos e as famílias não veem protegidos os seus direitos em matéria de educação e inclusão. Aliás, sucessivas avaliações e muitos relatos de pais, basta ouvi-los, têm mostrado isso mesmo.
Muito brevemente, recordo alguns alunos que são precocemente e sem qualquer fundamentação sólida colocados ao abrigo de uma coisa bizarra chamada Currículo Específico Individual (CEI), rótulo de que não se livram e os condena a um espaço curricular, quando não físico, “guetizado” e sem participação nas atividades comuns da escola. Recordo algumas práticas observadas em Unidades de Ensino Estruturado cujas actividades têm um baixíssimo contacto com a restante comunidade escolar. Recordo algumas Unidades de Apoio Especializado a Alunos com Multideficiência que alunos com multideficiência têm poucos ou nenhuns e se estruturam em espaços fechados nas escolas. Recordo atividades desenvolvidas pelos alunos que em vez de serem parte da solução são parte do problema. Curiosamente, todos estes exemplos, tal como as boas experiências que felizmente existem, acontecem em nome da educação inclusiva. Claro!
Como não pode deixar de ser, os alunos que passam por estas experiências terão, necessariamente, maior dificuldade em prosseguir o seu trajeto de educação e formação após a escolaridade obrigatória, estão demasiado afastados do que seriam, deveriam ser, os seus contextos naturais face à idade.
Muitos jovens, conforme a peça do PÚBLICO exemplificava, correm o risco de ficarem em casa com tudo o que de negativo implica. Aliás, também não são raros os casos de famílias que foram “convidadas” a retirarem os filhos das escolas ou a encontrar alternativas por vezes ainda no período de cumprimento da escolaridade obrigatória.
E é neste contexto que surge e se percebe porquê a recorrente referência a instituições especializadas.
Dou por adquirido que depois dos 18 anos uma franja muito pequena de pessoas com necessidades educativas especiais pode necessitar de respostas institucionalizadas. Dou ainda por adquirido que as instituições podem prestar um serviço importante para a qualidade de vida das pessoas com necessidades especiais.
Dou também por adquirida a necessidade que afirmo há muito de repensar o modelo existente de relação entre instituições especializadas e escolas logo durante a escolaridade obrigatória.
São conhecidas excelentes práticas que envolvem instituições mas, devido à falta de regulação que já referi, também se conhecem situações que mostram o princípio de Shirky que pode ser assim enunciado, as instituições tendem a alimentar o problema para o qual, supostamente, são a solução.
Neste longo trajeto que a educação e formação de crianças e jovens com necessidades especiais tem realizado parece claro e adquirido em termos de visão e rumo que a institucionalização generalizada não será a opção mais ajustada em nome do que se defende para a sua educação até aos 18 anos e para sua vida como cidadãos, educação e inclusão.
A inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se ativamente da forma possível nas atividades comuns) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade).
A colocação de jovens e jovens adultos em instituições onde passam a maior parte do seu tempo, a realização de atividades em espaços comuns mas em grupo e com horários próprios, situação frequente, contrariam o que se deve entender por inclusão bem como o que foi procurado fazer no percurso educativo até 18 anos ainda que, como vimos, nem sempre bem.
Depois dos dezoito anos, tal como antes, as pessoas com necessidades especiais devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos em que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.
Porque não podem frequentar estabelecimentos de ensino superior?
Porque não podem frequentar espaços de formação e aprendizagem profissional?
Porque não podem frequentar espaços laborais?
Porque não podem frequentar espaços de recreio, cultura e lazer?
Porque não pode envolver-se em instituições sociais não como “clientes” mas como actores?
Porque não …
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
José Morgado
Fonte: Público
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