José Verdasca é o responsável pelo novo Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar que começará a ser aplicado a partir do próximo ano letivo. Os resultados das provas de aferição confirmaram que o sucesso dos alunos ainda está longe.
Apesar de todas as medidas de apoio aos alunos adotadas nestes últimos anos, muitos continuarão a soçobrar se a cultura de remediar, ainda predominante por cá, não for substituída por outra — de prevenção. O que implica, por exemplo, que a retenção deixe de ser encarada como algo natural. Esta é a opinião do investigador da Universidade de Évora, José Verdasca, 63 anos, que foi nomeado pelo Ministério da Educação para presidir ao novo Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar. As escolas já entregaram os seus contributos. Falta agora passar à prática, o que deverá acontecer a partir do próximo ano letivo.
Os resultados das provas de aferição, divulgados esta semana, vieram confirmar mais uma vez que se está muito longe do sucesso escolar.
É verdade. No 2.º ano, por exemplo, existem sinais preocupantes de fragilidade no conhecimento da língua materna, que é a chave de tudo. É a base para se poder interpretar, para se poder compreender, para se poder argumentar.
Mesmo assim foram bastante melhores do que os do 5.º e os do 8.º ano de escolaridade.
Sim, mas no 2.º ano estamos a falar do próprio início da escolaridade. O que os resultados mostram é que existem problemas que começaram logo no 1.º ano e que depois não se resolveram de forma focada e específica em relação aos perfis concretos dos alunos que denotaram essas fragilidades. Do nosso ponto de vista era indispensável que este primeiro ano de escolaridade fosse concluído com níveis de excelência em termos de língua materna.
Mais de metade dos alunos do 2.º ano conseguiu responder conforme o que era esperado na prova de Português. Isso é estar ainda muito longe dos patamares de excelência?
Continuamos muito longe, porque esses patamares de excelência na interpretação, oralidade, gramática deveriam ser alcançados por uma mancha muito mais significativa de alunos nestas idades. Se não existir uma ação preventiva logo a partir dos primeiros sinais de dificuldades, no 1.º ano, que terá de passar por métodos de leitura e abordagens diferentes, estes alunos ficam à tona de água e com qualquer agitação vão submergir, como mostram as taxas de retenção no 2.º ano, que andam pelos 10%.
E o que estes sinais também já mostram é que esses alunos têm uma probabilidade muito reduzida de concluir a escolaridade obrigatória no tempo próprio. A educação deveria funcionar como uma espécie de vacinação preventiva. Se não conseguir capacitar os alunos, logo no início da escolaridade, com níveis de excelência, eles ficarão sempre em processo de remediação porque nunca terão as bases sólidas de que necessitam para evoluir.
Nos últimos anos não têm faltado medidas de apoio aos alunos, planos de recuperação, horas suplementares a Português e Matemática e, no entanto, nada parece ser suficiente. Porquê esta condenação?
Repito. Porque agimos de forma remediativa. Como a transição é automática no 1.º ano de escolaridade talvez tenhamos deixado de olhar para este nível e quando as dificuldades começam a vir ao de cima, no 2.º ano, o aluno pode já não revelar níveis de proficiência para poder transitar.
Mas por que é que tal acontece? É um problema de sala de aula?
Temos um problema de sala de aula e também um problema social. Estas questões têm de ter uma resposta do ponto de vista pedagógico e didático, porque a escola tem essa competência e é expectável que aja nesse plano. Mas em Portugal continua a existir também uma grande correlação entre os resultados mais fracos e alunos que vêm de meios carenciados. E isto quer dizer de meios com menos léxico, menos interesse pela escola, mais instabilidade emocional, o que exige outro tipo de intervenções.
Também temos um problema de cultura em que a retenção é vista como natural.
Isso quer dizer que para os professores os chumbos prevalecem sobre outras medidas com vista à promoção das aprendizagens?
Sem que tal tenha alguma intencionalidade por parte dos professores mas, no fundo, a retenção aparece como sendo um processo natural, quando não o é. É sabido que a retenção não tem valor pedagógico e que um aluno que reprova provavelmente, no ano seguinte, terá níveis mais baixos de proficiência.
Apostar nos anos iniciais de ciclo
Em que medida é que os resultados das provas de aferição, que mostram estas fragilidades, vão influenciar o desenvolvimento do programa para a promoção do sucesso escolar, de que é o responsável?
Vão dar mais sentido à nossa preocupação de insistir nos anos iniciais de ciclo e, particularmente, no 1.º ciclo. Vão dar mais sentido à necessidade de um trabalho cooperativo entre professores, da adoção de uma pedagogia diferenciada, de um trabalho específico com os alunos delineado a partir das dificuldades que mostrarem logo no início da escolaridade. E também reforçar a ideia de que se agirmos preventivamente talvez consigamos capacitar os alunos para terem um caminho mais autónomo, em vez de terem de recorrer sistematicamente a apoios. E com as provas de aferição as escolas ficam com informação relevante sobre as dificuldades dos seus alunos.
Já a tiveram antes, tanto com estas provas, quando foram lançadas em 2000, como com os testes intermédios, mas o próprio Instituto de Avaliação Educativa, responsável por estes instrumentos, admitiu por mais do que uma vez que essa informação não era aproveitada pelas escolas.
É um processo que leva o seu tempo e que passa por uma mudança de atitudes e de respostas. Os modelos burocráticos, como o que ainda prevalece na escola portuguesa, criam a ideia de que se seguir o currículo e as sugestões dos manuais, o resto será uma consequência natural. Não existe uma cultura em larga escala destinada a agir, com critério, a partir de fragilidades que são diagnosticadas. Não faz sentido que tal não aconteça, até porque existem instrumentos que permitem detetar quais são e quais os alunos que as denotam. Os professores continuam muito a trabalhar para uma sala. Para um grupo de alunos médios, quando muitas vezes não há nenhum aluno médio ali, mas sim uma enorme heterogeneidade.
Claro que não é um trabalho fácil e a verdade é que muitos dos professores já estão a caminho do fim da carreira, o que cria alguma dificuldades à inovação e mudanças de práticas.
Programas irão sofrer alterações
Quantas escolas é que já enviaram para o ministério os seus planos de acção estratégica?
Cerca de 640 de um universo de 660. A elaboração destes planos foi precedida de oficinas de formação de 36 horas destinadas aos diretores e outros responsáveis das escola e que se revelaram muito úteis. Permitiram uma discussão ampla das dificuldades sentidas a nível local e das soluções para as resolver, o que é muito diferente de se estar sozinho a pensar nesta temática.
Quais as características comuns aos planos que serão desenvolvidos a partir do próximo ano letivo?
No geral estão direcionados para quatro áreas, como aliás tínhamos recomendado, porque não interessa existirem muitas medidas, mas sim que estas sejam direcionadas para o essencial. Foi o que sucedeu. Privilegia-se os anos iniciais de ciclo, a leitura e a escrita no 1.º e 2.º ano de escolaridade, a pedagogia diferenciada. E isto o que é? Trata-se por exemplo de perceber que o método de leitura que se está a utilizar não serve a todos os alunos. Se nem todos estão a conseguir aprender como era expectável, então tem de se utilizar outros métodos. E para tal, também a partir do início do próximo ano letivo, vamos dar formação em contexto escolar para as escolas poderem desenvolver estas acções.
Aliás, nos planos enviados pelas escolas, que lhes serão devolvidos com a nossa apreciação, várias já identificaram quais as medidas em que necessitarão desta formação.
Estão previstas mais horas suplementares de apoio escolar?
Não, porque é mais do mesmo. Os nossos alunos já têm uma carga curricular enorme e não é às 16 ou 17 horas, depois de um dia inteiro na escola, que irão aproveitar com êxito mais uma hora do que já fizerem em sala de aula. O que projetos com a Turma Mais ou Fénix [projetos de recuperação de alunos que passam pela constituição de grupos em função das suas dificuldades ou capacidades] mostraram, com bons resultados, é que não é preciso ter mais horas curriculares, mas sim que nessas horas se faça trabalho específico que leve à superação das dificuldades que os alunos estão a ter. O que obriga a uma grande articulação entre os docentes.
Voltando às provas de aferição. As associações de professores de português e matemática consideraram que os programas em vigor são os grandes responsáveis pelo desastre. Concorda?
Os programas irão sofrer algumas alterações. Há grupos de trabalho criados para este fim. Penso que a introdução de alterações curriculares e, sobretudo, a implementação real da gestão flexível do currículo podem ser muito importantes. Não temos muito saber feito nesta última matéria, mas a chave para a melhoria passará também pela possibilidade das escolas, em conjunto com os agentes locais, poderem decidir sobre parte do currículo. É indispensável que este exercício de autonomia das escolas seja concretizado.
Fonte: Público
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