domingo, 7 de agosto de 2016

"Cães terapeutas” ajudam a melhorar a autoestima e a confiança

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“Falta legislação”

Mas não foi fácil. “Batemos a muitas portas e muitas pessoas desconheciam a realização de intervenções assistidas por animais e os seus benefícios”, recorda Catarina Cascais. Mais, assegura, “não existe legislação em Portugal, ainda que a Ânimas continue a batalhar por isso”. Diz, de resto, que há muitas pessoas não certificadas a trabalhar na área.

Na APPACDM, as duas amigas fazem terapia com cães com um grupo de dez utentes e actividades assistidas por animais com um segundo grupo de pessoas com multi-deficiência onde se inclui Jorge Mendes, que tem um atraso cognitivo e alguns problemas de motricidade.

“Sou uma mãe babada, porque o meu filho tinha muitas dificuldades em baixar-se. Os jogos, como o do túnel colorido que têm de atravessar de gatas, ajudam-no a ultrapassar essas dificuldades”, afirma Luzia Magalhães, mãe de Jorge.

Ao contrário do que se passa com a terapia assistida por animais (que é parte integrante de um processo de tratamento), as chamadas atividades assistidas por animais não têm objetivos terapêuticos, mas sim lúdicos, motivacionais e educativos. “Não conhecia e nunca pensei que tivesse estes resultados, porque o meu filho melhorou de oito para oitenta”, diz Luzia Magalhães. “Aprendeu a gerir as emoções e, enquanto antes era agressivo com a cadela que temos em casa, agora até já lhe pede desculpa.”

Abraçado a Catarina, Jorge vai-lhe dizendo: “Gosto muito de vocês. São um amor!” E lembra que foi ele quem batizou de “polícia e ladrões” o jogo que jogam com os cães. “Eles ladram e nós temos de parar, tipo jogo da estátua”, conta, entusiasmado por “ganhar sempre”. Conta também que gosta “muito dos beijos do Miles” e que até já lhe escovou “os dentes, o pêlo e a cauda”. A psicóloga diz que o projecto também ajuda a estimular a higiene pessoal.

A presidente da APPACDM, Teresa Guimarães, crê nos benefícios da intervenção assistida por animais que arrecada aplausos de utentes e pais. “Os utentes transformam-se com os animais, ganham mais à vontade e autonomia. E repare que temos doentes com paralisia cerebral.”

Projeto com provas dadas no terreno

As mentoras do Ladra Comigo citam estudos que demonstram que a presença do animal fomenta a expressão de emoções, maior capacidade de comunicação, interação social, interesse, aumento da concentração e memória. Além da melhoria do funcionamento cardiovascular e respiratório. O alívio de sentimentos de medo, solidão e isolamento, a diminuição de perceção de dor, o aumento do nível de endorfina e a estimulação tátil são mais algumas das mais-valias, acrescentam.

Catarina e Clara garantem ter provas disso no terreno. Lembram, por exemplo, Leonor, seis anos, portadora de autismo, utente da terapia assistida por animais, como os idosos do lar da Maia. Está sempre ansiosa pelo dia em que “brinca com os cães”, que é como os participantes no Ladra Comigo se referem às atividades. “Retira o peso de pensarem que vão à terapia, ao psicólogo”, explica Catarina, enquanto segura Miles pela trela.

A mãe de Leonor, Sílvia Pereira, só tem a dizer bem das terapeutas e dos cães que “são uma grande ajuda, porque a filha fecha-se um pouco no mundo dela e tem dificuldade em exprimir-se”. “Mas com os ‘cães terapeutas’ já comunica e passou a estar mais concentrada, calma. Tem uma grande necessidade de movimento, mas passou a conseguir estar mais tempo sentada.”

A psicóloga explica que quando há um ano começaram a terapia, Leonor não conseguia sequer pegar num lápis. Agora já o faz. Mas nem tudo é um mar de rosas, porque há dias em que a Leonor está mais irritada e intolerante.

Sofia tinha ataques de pânico

Sofia (nome fictício), nove anos, foi vítima de bullying pelas colegas de turma numa escola do 1.º ciclo do Porto. A mãe Ana (nome fictício) não se conforma com o sofrimento que causaram à filha que, de há dois anos a esta parte, frequenta a terapia assistida por animais. No início Ana ainda pensou que era birra, mas logo depois apercebeu-se que era bem mais grave: “Tinha ataques de pânico, porque não queria ir à escola. As colegas diziam ‘Tu não prestas, não serves para nada’. Faziam chantagens.” Mudou-a de escola, mas, “por azar, a nova professora gozava com ela e, por consequência, os colegas de turma”.

Agora vai para o 5.º ano. As marcas do que se passou com ela ainda estão presentes. Mas desde que faz terapia assistida por animais, Sofia passou de uma miúda muito introvertida, com baixa autoestima e confiança, para outra bem diferente que já desabafa e consegue relaxar com a presença dos cães. “Ela lê-lhes livros”, conta Clara Cardoso. “Também já se defende e responde aos colegas”, acrescenta a mãe, enquanto Clara explica que “tal como é preciso repreender o cão quando se porta mal, Sofia aprendeu que também o deve fazer com os colegas quando fazem algo injusto”.

Além da terapia e das atividades assistidas por animais, as duas mentoras do Ladra Comigo também intervêm ao nível da educação assistida por cães, nomeadamente no ensino especial. As atividades são desenvolvidas em equipa multidisciplinar com profissionais das áreas da educação e saúde. “Definem-se objetivos pedagógicos adaptados a cada aluno e a introdução do animal facilita muito o processo de aprendizagem e educativo”, conclui Clara, enquanto tira mais um biscoito da bolsa de recompensas, que tem à cintura, e o dá a Milú.

Fonte: Público (extrato do texto)

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