Há dois anos, faziam-se títulos de jornais com a sobrelotação nos centros educativos destinados ao acolhimento de menores (12 e os 16 anos) que tinham cometido atos qualificados como crimes. Atualmente, e apesar de terem fechado dois destes centros (em Vila do Conde e na Madeira) sobram vagas. Porquê? “Há aqui uma aparente contradição, porque as ocorrências policiais, que estão na base desta pirâmide, até aumentaram”, estranha Maria João Leote, investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa.
A perplexidade é comum aos diferentes especialistas ouvidos (...) e que trabalham neste setor há décadas. Nenhum arrisca uma explicação definitiva. Mas a socióloga Maria João Leote admite algumas hipóteses para ajudar a compreender esta descida a pique dos jovens sujeitos a medidas de internamento. “É possível que haja aqui algum efeito da reforma do mapa judiciário e de algum atraso na gestão dos processos tutelares educativos e também é possível – e, se assim for, é positivo – que os juízes estejam a aplicar a medida de internamento apenas aos casos mais graves, optando mais frequentemente por medidas como o acompanhamento educativo”, diz.
No Tribunal de Família e Menores do Barreiro, o juiz António José Fialho confirma que “há mais de um ano” que não aplica uma medida de internamento. “Têm-me chegado menos casos de criminalidade praticada por menores entre os 12 e os 16 anos. Não consigo encontrar razões para isso, mas é possível que os mecanismos de atuação preventiva deste tipo de criminalidade estejam mais eficazes”.
Pode ser. Mas as estatísticas presentes no último relatório de Segurança Interna, relativas a 2015, mostram que, naquele ano, foram aplicadas 414 medidas de internamento em centro educativo (em 2014, tinham sido 609). “Os dados não batem certo”, constata Maria João Leote, para quem “falta informação que permita perceber esta realidade”, nomeadamente quanto aos jovens que aguardam indicação de um centro para cumprirem a medida de internamento.
As estatísticas mensais da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais mostram que, em abril de 2013, havia 265 vagas nos centros educativos e 280 menores internados. Um ano depois, a situação não se tinha alterado muito: 233 vagas e 253 menores internados. Na altura, a DGRSP chegou, aliás, a alertar os tribunais para a inexistência de vagas nos centros e a avisar que só seriam admitidos os casos urgentes dos jovens que ficassem sob medida cautelar de internamento até julgamento. Dois anos depois, mais concretamente em abril, apesar de os lugares disponíveis se terem reduzido entretanto para os 198 (por causa do encerramento do centro educativo da Madeira e do de Santa Clara, em Vila do Conde), estavam internados apenas 146 jovens, ou seja, havia 52 lugares por preencher.
“Esta descida causa-me perplexidade, porque vai muito além do que era expectável”, admira-se o procurador Norberto Martins, que durante mais de dez anos integrou a comissão fiscalizadora dos centros educativos. “Dantes, podia-se sempre pensar que as medidas de internamento não eram aplicadas porque não havia vagas, mas agora esse problema não se põe. E, mesmo admitindo que haja medidas de internamento que não são aplicadas porque os jovens estão em situação de fuga, a diferença entre as medidas aplicadas e os jovens internados nunca poderia ser tão exorbitante”, acrescenta.
Da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), as explicações não abundam. O diretor-geral, Celso Manata, adianta apenas que as razões “poderão ser de vária ordem”. “Há quem diga que isto tem que ver com as alterações introduzidas pela Lei Tutelar Educativa e que os senhores magistrados ainda não estão habituados a esta nova realidade”, sugere, para afiançar apenas que não há, da parte da DGRSP, qualquer indicação aos tribunais no sentido da redução da aplicação da medida de internamento. “Quem aplica as penas são os juízes que são independentes”.
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário