Este artigo é ainda a continuação do que escrevi anteriormente a propósito do que se lê no Exame Nacional de Português. Impõe-se, a meu ver, um debate na sociedade portuguesa sobre o que ensinar – com a presença de jovens vindos das mais diversas instituições universidades e escolas secundárias. Um debate de mais de um dia em que se reflitam variáveis diversas. Qual a natureza do processo ensino-aprendizagem, quais são os desígnios educativos da Escola em Portugal (formar para os cursos superiores? Importa refletir, muito em particular, sobre a disciplina de Português, axial porque determina as competências básicas no início do percurso educativo, essencial também no que tange à tão desejada inter e transdisciplinaridade dos currículos. Esse debate deve ser feito com visibilidade, mas não segundo o formato televisivo do talk-show e, já agora, conduzido por quem domine o assunto e pense sobre os problemas da educação. O assunto é grave e sobriedade exige-se.
Questionemo-nos sobre o sentido do “Ranking das escolas” (que nome!!), mas fundamentalmente sobre a igualdade de oportunidades dos nossos jovens. É de justiça social e de democracia que falamos quando pensamos o que a educação. A que cultura acedem os nossos alunos senão à cultura inculta do hip-hop, à indústria pornográfica via internet? Que modelos seguem senão os que lhes são facultados pelo futebol e o humorismo mais bestial? Terão todos os alunos o mesmo acesso aos bens culturais (o livro é o parente pobre dos meios de comunicação, preferindo-se o telemóvel, o google e quejandos...) que lhes permitam ler e escrever com conhecimento ou ter curiosidade científica? Dos bancos das escolas aos das universidades que mentalidade se tem vindo a impôr senão a das praxes, a das “viagens de finalistas” (do quê? Finaliza-se o quê?) regadas a álcool, boçalidade e drogas? Que comportamentos disruptivos caracterizam o quotidiano das escolas? Quais as razões do insucesso nas avaliações? O que se esconde por detrás do bulying? Qual o fundo emocional da apatia dos alunos face ao saber? Que valores legitimam o oportunismo (a vulgarização da cábula e da balda às aulas)? Que responsabilidades cabem aos professores, aos pais, aos demais agentes da educação, incluindo sindicatos? Onde iremos parar com a politização crescente de um sector que deveria ser supra-partidário?
Na vertigem em que vivemos, rodeados por uma violência generalizada, como pode a Escola ser o reduto do humanismo e da sensibilidade numa Europa que fez da amnésia o seu único programa educativo? No caso de uma disciplina como a de Português, transversal a todas as aprendizagens, impõe-se refletir com seriedade e agir com decisão: há leituras obrigatórias que nenhum professor pode ignorar para se preparar enquanto docente e há práticas didáticas que devem ser utilizadas com bom senso (o recurso às novas tecnologias não pode conduzir ao esquecimento ou secundarização dos textos, sua análise e comentário orais e escritos). Há que pôr fim à burocratização da profissão docente, libertando os professores da carga de reuniões sobre “estratégias pedagógicas” (que pedagogia existe sem conhecimento do que se publica e escreve nessa área: não terá Juan Carlos Tedesco razão ao falar da inoperância do sistema?). Escrevi sobre o Exame Nacional, elenquei alguns erros mais frequentes. Sirva o presente artigo como explanação do que anteriormente veio a lume. (...)
António Carlos Cortez
Professor e crítico literário
Fonte: Público por indicação de Livresco
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