Reza a lenda que as representações sociais da deficiência têm vindo a mudar. Que a era da rejeição, do secretismo, do silêncio e do preconceito começam a colapsar, dando lugar a formas de atuação centradas em ações, atitudes e comportamentos positivos face à diversidade. Mas será mesmo assim?
Convido a uma viagem no tempo, até aquele em que as pessoas com deficiência eram simplesmente eliminadas: enquanto na Grécia Antiga eram isoladas nas montanhas, em Roma era prática corrente atirá-las ao rio, por não representarem a perfeição física. Os únicos que eram poupados, os cegos, eram-no por se acreditar que possuíam poderes sobrenaturais e capacidades divinas, ainda que provindas do espírito do mal.
Na Idade Média, o desenvolvimento das religiões monoteístas e, sobretudo, o exercício da caridade por grupos religiosos, pressionam a sociedade para o respeito pelo direito à vida. O infanticídio deixou de ser uma prática corrente, contudo não eram reconhecidos quaisquer direitos a pessoas com deficiência, mas acreditava-se que se fossem bem tratadas, se obtinha um lugar no céu.
Por altura da industrialização e do iluminismo encontram-se referências a postos de trabalho ocupados por pessoas com deficiência na área fabril. Este é um período marcado pelas primeiras tentativas de educar pessoas com deficiência, sendo as primeiras escolas de ordem religiosa (mas separados da restante população).
É a partir da segunda metade do século XX, sobretudo após a segunda guerra mundial, com a valorização dos direitos humanos, que começam a surgir os conceitos de igualdade de oportunidades, direito à diferença, justiça social e solidariedade, introduzidos por conceções jurídico-políticas e sociais de Organizações como a ONU, a UNESCO, a OMS, a OCDE, o Conselho da Europa, etc. As pessoas com deficiência passam a ser consideradas como detentoras dos mesmos direitos e deveres de todos os seus concidadãos e, entre eles, o direito à participação na vida social e à consequente inclusão escolar e profissional.
Voltando à história e analisando a sociedade atual, pouco parece ter mudado em séculos ou trata-se de uma mudança mais aparente que profunda. Só não os atiramos ao rio porque deixou de ser legal, pois se assim não fosse nem sei o que poderia acontecer.
Esta história (como se de um conto se tratasse) começa desde cedo, na família, lugar se socialização por excelência, onde se desenvolvem as primeiras atitudes rumo à autodeterminação desta população. Prolonga-se na escola onde é preciso acreditar na intervenção e qualidade educativa de TODOS e na passagem pensada, estruturada e bem definida da vida pós-escolar. Tudo isto é ficção ou realidade?
Diria que em alguns lugares estamos ao nível da idade média (para ser simpática), a diferença é que não é o lugar ao céu que se procura, mas o lugar ao sol. Tudo dá demasiado trabalho e nós queremos um emprego.
Também me parece curioso que há séculos atrás, no início da industrialização, já se falava em educação. Volvidos tantos anos como se compreende que a maioria dos alunos com necessidades especiais, com razoável nível de funcionalidade, saiam da escola sem qualquer tipo de alfabetização, formação ou meios de se tornarem autónomos na vida ativa?
Por falar em vida ativa e no acesso ao emprego as medidas do IEFP quase os “oferece”, mas o problema está em quem os (não) quer receber. Onde estamos nós a errar…
Termino esta reflexão, um esboço desta estória de (des)encanto, de final em aberto e que ainda poderá ter um final feliz. Era uma vez um grupo de cidadãos excluídos, a quem se construíram rampas, sobre quem se fizeram leis, mas que continuam a ser tratados como cidadãos de segunda, porquê? Cabe a cada um de nós dar bom desfecho a este conto, sim porque o problema é também nosso!
Celmira Macedo
Fonte: Delas por indicação de Livresco
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