No final de outubro de 2015 viviam em instituições de acolhimento 8600 crianças e jovens. O número dos que foram identificados como tendo problemas de comportamento, de saúde mental, de debilidade mental, de consumo de substâncias ou de algum tipo de deficiência física ou mental aumentou 38%, num só ano — em 2014 já tinha existido um aumento de 10% face a 2013.
A maioria (5032) das crianças e jovens era acompanhada em psiquiatria e/ou pedopsiquiatra — um aumento de cerca de 22% face a 2014. E um em cada quatro tomava medicação prescrita por um psiquiatra ou por um pedopsiquiatra. “São crianças que trazem percursos de vida extremamente traumatizantes e que precisam de um grande apoio para poderem reencontrar o seu equilíbrio”, sublinhou nesta quarta-feira a secretária de Estado da Inclusão Ana Sofia Antunes durante a apresentação do relatório CASA 2015 — Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens, feita aos jornalistas.
O relatório nota que se mantêm “os gravíssimos constrangimentos já registados nos anos anteriores nas situações que carecem de internamento/acolhimento em resposta específica de saúde mental”. Lembra que há seis anos que está prevista a criação uma rede de Cuidados Continuados de Saúde Mental, mas que esta “ainda não foi concretizada, fazendo com que estes jovens fiquem acolhidos em casas de acolhimento não adequadas às suas problemáticas específicas”. Resultado: quando entram em crise ou descompensação, “colocam-se muitas vezes a si próprios em perigo, bem como às outras crianças e jovens acolhidos” e aos profissionais que com eles trabalham.
Ana Sofia Antunes promete uma “revisão do regime de funcionamento das casas de acolhimento, de modo a apetrechá-las” melhor, para fazer face aos novos desafios colocados pela mudança que tem vindo a registar-se no perfil das crianças e jovens que nelas habitam. E o aumento dos problemas de comportamento e de saúde mental é um grande desafio. Mas haverá mais mudanças, diz.
Medidas que não resultam
Antes de serem retirados às famílias, por se considerar que estavam em perigo, quase metade (49,5%) das crianças e jovens que viviam em instituições no final de outubro de 2015 já tinham sido sinalizados, algures no passado, pelo sistema de proteção de menores, e já tinham sido alvo das chamadas “medidas de proteção em meio natural de vida” — ou seja, a Segurança Social, ou instituições com quem esta coopera, tinha disponibilizado às famílias algum tipo de apoio (económico, social ou técnico) para ajudá-las a ultrapassar as suas dificuldades com as crianças. Essas medidas, contudo, acabaram por não resultar. E os menores foram mesmo encaminhados para uma instituição.
“Poderão levantar-se questões sobre a eficácia das medidas em meio natural de vida, e sobre o real investimento que nelas é efetuado, quer sob o ponto de vista do acompanhamento técnico, quer na intervenção desenvolvida”, admite o CASA, que faz o ponto de situação sobre o acolhimento de crianças em instituições comparticipadas pela Segurança Social, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e Casa Pia entre 1 de novembro de 2014 e 31 de outubro de 2015.
O documento, da responsabilidade do Instituto da Segurança Social (ISS), prossegue: “Poderá ter existido desadequação na definição dos planos de intervenção definidos, dificuldades na sua implementação e nos apoios efectivamente prestados às crianças, jovens e respetivas famílias.” Pelo que pode ser necessário reforçar o “investimento técnico e financeiro” nesta área.
A secretária de Estado reconhece que a falta de recursos nas comissões de proteção de crianças e jovens poderá estar a dificultar o trabalho de quem tem como missão aplicar e avaliar as “medidas em meio natural de vida” e garante reforços.
Uma avaliação do que pode melhorar está a ser levada a cabo pelo ISS — afinal, o acolhimento é uma resposta de fim de linha, quando todas as outras medidas anteriores se esgotam. O CASA sublinha, de resto, que nas casas de acolhimento também estão 3364 crianças e jovens (cerca de 40% do total) “que não tiveram quaisquer das medidas em meio natural de vida aplicadas anteriormente ao seu acolhimento”, o que “poderá remeter para uma necessidade de apuramento do sistema de detecção e de intervenção precoce e atempada por parte das entidades com competência em matéria de infância e juventude”.
Dados inquietantes
Muitos jovens têm já várias experiências de acolhimento: um em cada três dos 8600 que viviam numa instituição já tinham estado, algures na vida, noutra instituição — ou em duas, três ou mais. “A leitura destes dados, além de inquietante, por supor que estas crianças e jovens, ao longo do seu crescimento, foram expostas a várias mudanças e sujeitas a inúmeras ruturas, permite prever sérias complicações relacionais e de vinculação”, acrescenta-se.
O aumento do peso dos adolescentes é outro desafio: atualmente, o grupo etário que tem menor expressão no sistema de acolhimento é o que vai dos zero aos três anos — 745 crianças (8,7% do total das acolhidas). Mais de dois terços (69,1%) das crianças e jovens em situação de acolhimento têm 12 ou mais anos. O CASA sublinha a importância de garantir que há “uma intervenção cada vez mais diferenciada” que possa “fazer a diferença na vida destes jovens, prestando especial atenção às suas fragilidades emocionais e às características e desafios inerentes a esta fase da vida”.
A revisão do funcionamento das casas de acolhimento deverá ter em conta, precisamente, o peso crescente da população adolescente, diz Ana Sofia Antunes. A pensar nas crianças mais pequenas, “serão lançados projetos-piloto para que famílias, apoiadas pela Segurança Social, se disponibilizem a receber crianças e sejam uma alternativa ao acolhimento em instituições”.
O CASA mostra ainda que a esmagadora maioria (74%) dos que integravam o sistema de acolhimento tinham dado entrada nas instituições em anos anteriores. Mas houve também um ligeiríssimo aumento das “novas entradas”: 2202 (mais 59 do que em igual período de 2014).
A principal razão (60% dos casos) para a retirada às famílias prende-se com a “falta de supervisão e acompanhamento familiar”, o que na terminologia doCASA significa isto: “A criança é deixada só, entregue a si própria ou com irmãos igualmente crianças, por largos períodos de tempo.”
Ana Sofia Antunes diz ainda que está particularmente preocupada com o insucesso escolar registado nesta população: por exemplo, 46% dos meninos com dez e 11 anos ainda estão no 1.º ciclo do ensino básico quando já deviam estar no 2.º.
Fonte: Público
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