Regra geral, por esta altura, há muitos pais que se perguntam se farão bem ao trocarem os seus filhos de escola. Compreendo que haja muitos motivos que os levem a ponderar: financeiros, por exemplo; pedagógicos, naturalmente; e pessoais, nalgumas vezes. Seja como for, uma mudança de escola não é um drama.
Em primeiro lugar, porque nunca percebi que ideia é esta que parece supor que as crianças são de porcelana. Porque é que elas têm de pertencer a um grupo, no jardim de infância, e (de preferência) levá-lo por diante até ao quarto, até ao nono ou até ao décimo segundo anos de escolaridade? Como se isso não fosse um bocadinho absurdo, será que as pessoas reparam que a forma como as crianças são repartidas pelas diversas turmas é, regra geral, muito pouco aleatória? Será que reparam que há critérios sociais, económicos e outros, mais enigmáticos, que fazem com que as turmas sejam, algumas vezes, um exemplo infeliz da falta de honestidade com que as crianças são educadas para o conhecimento e para as relações? E não é verdade que, tal como numa família alargada, numa turma os papéis de cada menino se vão desenhando e se tornam mais ou menos estáticos, a ponto de um ser (oficialmente) o "espertalhão" do grupo; o outro, o "engraçadinho de serviço"; um outro, o tímido; e por aí fora, como se as "etiquetas" que se associam a cada aluno (seja pelos seus desempenhos escolares, seja pelo seu comportamento) parecessem tornar-se "defeitos de fabrico", para os quais a escola imagina não comparticipar a ponto de cada criança conseguir fazer muito pouco para se afastar dessa imagem? É por isso que eu gosto que, ao chegar-se a um novo ano letivo, as turmas "se baralhem e se repartam", de novo. Porque novas relações e novos professores fazem com que cada mudança se transforme numa oportunidade amiga da versatilidade.
Em segundo lugar, uma mudança de escola não é um drama porque os pais serão as pessoas menos impulsivas do mundo, numa circunstância como essa. Aliás, por vezes, hesitam mais do que deviam, sobretudo quando as suas convicções lhes vão recomendando que uma mudança poderá ser benéfica para um filho. Os pais podem enganar-se com uma mudança? Podem. Mas não decidir para não errar é o pior dos exemplos que muitos pais vão dando, todos os dias. Até porque há mudanças que, ao não se darem, podem vir a comprometer, de forma irreparável, a relação com a escola por muitos, muitos anos. Seja como for, há sempre uma relação de "custo/benefício" em cada mudança de escola. Logo, se os benefícios que se imaginam superarem os custos que se estima que ela possa trazer, uma mudança não se deve adiar.
Em terceiro lugar, uma mudança não se pode não dar se o receio que os pais possam ter se for ancorando nos riscos e nas turbulências que algumas escolas insinuam que ela pode trazer. Como se a opinião acerca da mudança de uma criança fosse enviesada por uma perspetiva (mal digerida) de derrota para um determinado processo pedagógico ou pela folha contabilística que uma escola vai delineando muito mais do que, propriamente, por reservas em relação às suas competências pessoais e aos recursos escolares que, entretanto, terá desenvolvido. Não mudar por coação faz com que os pais se inabilitem para a parentalidade. O que - aí, sim - é dramático.
Em quarto lugar, é verdade que uma mudança de escola se faz acompanhar, sempre, por alguma dor: ou porque se desconhecem "os cantos da casa". Ou porque se "cai de paraquedas" em grupos já feitos. Ou porque não se "apanha" a matéria. E é verdade que, depois de uma primeira semana (para "tirar as medidas" à escola), será natural que uma criança, nas semanas seguintes, quase amaldiçoe a sua vida, suspirando (a torto e a direito) por tudo aquilo que perdeu. Ainda assim, as mudanças são fatores de crescimento. É natural que uma criança perca algumas relações e que outras só sobrevivam se os pais ajudarem na respetiva gestão. Sem nunca esquecermos a "turbulência" circunstancial que ela trará, uma mudança obriga uma criança a "sair da sua zona de conforto" (como os pais tanto gostam de afirmar) para que vá à conquista do seu lugar, de novas relações e de novos pontos de vista sobre conhecimentos idênticos.
Em quinto lugar, há mudanças que "limpam cadastro". Há meninos que, ao mudarem, e apesar de nunca começarem a partir do zero, abandonam os papéis a que estavam limitados, passam a ter sobre eles expectativas que, até aí, não existiam e que, só de não sentirem sobre si reservas, conquistam uma relação com a escola quase impossível de terem antes dessa mudança.
Em sexto lugar, é verdade que não gosto que as crianças mudem "quando estão a perder". Isto é, prefiro sempre que uma criança reaja à derrota ou às dificuldades na escola onde está, e aí vença obstáculos e alcance novos desafios, após passar por um período de algum sofrimento. Até porque acredito que não são sempre os professores que conquistam os seus alunos. Há muitos meninos que conquistam os seus professores pela forma como os resgatam, contrariando o descrédito que teriam. E, quando isso é possível, reconheço que as crianças reúnem, dessa forma, recursos tão preciosos que, após os consolidarem, qualquer mudança que, entretanto, se dê, os apanhará mais robustos e mais capazes de a transformarem numa oportunidade de transformação e de crescimento.
Em sétimo lugar, há mudanças inadiáveis. Imagine-se uma família com uma relação muito difícil com um professor ou com um diretor de turma. Imagine-se uma atmosfera tensa entre pais e professores onde a insinuação de represálias começa a pairar e se termina o ano com ameaças de retenção que ficam no ar. Ou imagine-se uma relação pedagógica que passou todos os limites do bom senso. Isto é, há circunstâncias em que insistir num erro pode ser tão pouco razoável para todos que uma mudança, mesmo no contexto de um ano letivo (e depois de se terem esgotado todos os meios para fazer com que se reverta uma relação pedagógica que parece ter ficado "fora de controlo"), será um ato ponderado de equilíbrio.
Em oitavo lugar, por mais que as crianças tenham opinião, não é razoável que uma mudança seja deixada ao seu critério. Regra geral (até porque ela sente o afastamento em relação aos colegas como um ato de deslealdade ou o confronto final com um professor como uma experiência intimidatória e assustadora), as crianças - quando os pais as questionam nesse sentido - "encolhem-se", até porque, silenciosamente, agradeceriam muito que o ónus de uma decisão como essa pendesse para os pais. Escutar as crianças ou ponderar acerca das reservas que possam ter a propósito de uma escola não pode significar que elas "mandem no jogo". Essa "democracia do proletariado", tão em voga na justiça, significa que, a coberto dos seus "supremos interesses", as vamos negligenciando e maltratando, unicamente para "o seu bem" e "em suaves prestações".
Em nono lugar, é claro que há contextos familiares difíceis. E há pais que insistem em não se entender a propósito de tudo o que é indispensável para a vida de um filho; escola incluída. Deverão os pais estar de acordo a propósito de uma mudança de escola? Claro! Por mais que a unicidade não exista. Ou, doutro modo, não há bons pais sem contraditório, sem dúvidas muito pouco coincidentes, etc. Mas, já num outro nível de complexidade, e se um dos pais bloqueia qualquer solução? Ou se a mudança se transforma num "ringue" onde, uma vez mais, os dois pais lutam pela sua preponderância na vida de um filho, muito mais do que se empenham pelo seu bem-estar? Ou se um dos pais, a coberto da guarda que lhe foi confiada, muda uma criança de escola, "sem dar cavaco" a ninguém? Uma mudança pode, também, acentuar manifestações de negligência e de maltrato. Logo, a turbulência que possa trazer terá muito mais a ver, nestas circunstâncias, com a hostilidade com que os pais a vivem do que as reservas de hospitalidade que uma escola possa ter. Assim os tribunais sejam mais "musculados" e menos imparciais quando se trata de o discernir.
Em décimo lugar, fazer uma mudança aos "bocadinhos" nem sempre se transforma numa experiência analgésica. Porque duas horas por dia, como tantas vezes os pais levam por diante, não chega para sentir a escola e lutar para fazer parte dela. Logo, fazer depender uma mudança destas "adaptações" é escorregadio. Pode, mesmo, dar indicadores equívocos que sossegam os pais, reconheço, mas que serão muito mais uma "almofada" para as hesitações que os limitam do que terão a ver com a forma como uma criança gere, dentro de si, uma mudança. Ainda assim, haverá três momentos em que as mudanças precisarão de ser melhor pensadas: mudar (de forma pouco refletida) para fugir ao confronto de alguns insucessos. Mudar de forma compulsiva ou repetidamente. E não mudar para não ferir as suscetibilidades seja de quem for.
Finalmente, o que deve estar em primeiro lugar como fator de ponderação numa mudança? O professor ou os professores a quem se confia um filho. E em segundo lugar? A honestidade do projeto educativo. E em terceiro? O recreio, a formação cultural e a educação cívica, lado a lado. E em quarto lugar? O espaço da escola. Escola sem espaços comuns, amigos das crianças, devia persuadir os pais para a mudança.
Seja como for, como pode uma criança ter "escola de vida" sem mudar, sem sofrer com a mudança e sem crescer com ela? Não pode! Por outras palavras: mudar faz bem! Mas mudar de menos ou mudar demais... não!
Eduardo Sá
Fonte: LeYa Educação
Sem comentários:
Enviar um comentário