Não tenho qualquer formação em Educação Especial, por isso o que vou escrever é na qualidade de um professor regular que, por diversas circunstâncias que se tornaram quase norma, tem lecionado a alunos com diversos problemas de aprendizagem ao longo dos anos, dos que ora são, ora não são, considerados com necessidades educativas especiais. Sendo que a minha perspetiva está longe de ser ortodoxa ou uniforme, porque varia muito com os casos e a capacidade que temos em lidar com eles.
Vou começar pelo enquadramento geral que, sendo pano que dá para vários fatos, tentarei circunscrever ao que acho mesmo essencial e que passa por: despiste precoce, acompanhamento especializado de proximidade dentro e fora da escola, “desenho” de um currículo adequado a cada caso a partir de um conjunto de matrizes básicas, avaliação qualitativa, trabalho em estreita colaboração (sempre que possível) com a família e outros especialistas fora da escola. O que acho que está pior no “modelo” e nas suas condições de funcionamento: definição de NEE como sendo apenas as “permanentes” não a flexibilizando a situações que, podendo não ser permanentes, necessitam de uma intervenção equivalente, mesmo se mais curta no tempo; falta de pessoal especializado nas escolas para acompanhamento de muitas situações (as tais equipas multidisciplinares que não devem ser confundidas com equipas de professores de quaisquer disciplinas), as quais estão muito para além da eficácia no preenchimento da papelada burocrática (por necessária que seja essa capacidade); desenho de soluções curriculares nem sempre muito ajustadas ao perfil dos alunos.
O que significa que, embora ache que a legislação limita excessivamente a definição de NEE e as afunila num compartimento quase estanque em relação a outros trajetos curriculares mais regulares, o principal problema para mim é desde quando e de que forma se procede ao acompanhamento deste tipo de alunos.
Quanto a isso, sem qualquer pretensão de magistério sobre o tema ou sequer de solução milagrosa ou inovadora a generalizar, apenas posso dizer como oriento o meu trabalho sempre que fico com a responsabilidade de lecionar Português, Introdução à Informática ou outra área a um grupo, maior ou menor, de alunos com NEE, como acontece ainda este ano.
Em primeiro lugar, procuro aperceber-me, com maior ou menor recurso a papelada anterior de diagnóstico, do perfil de capacidades dos alunos em causa. Para isso, em regra, deveria ter documentação técnica de boa qualidade, produzida por quem sabe o que eu não sei. Nem sempre é a regra, pelo que a abordagem empírica é indispensável, tudo melhorando quando se trabalha vários anos com os mesmos alunos, em continuidade. O que também não é sempre a regra por humores administrativos ou outros. Em seguida, procuro que eles se sintam bem no espaço que partilhamos e que em muitos casos é o de alunos com características muito diferentes, personalidades diversas e com perfis de aprendizagem muito diferenciados. O que transforma a sala numa espécie de patchwork pedagógico e relacional, em que a maior preocupação não é a transmissão de conhecimentos e conteúdos, mas sim a exploração de algumas capacidades a ritmos muito variados. Exemplifico com dois alunos que tenho, irmãos, com graus diferentes de desempenho na relação com a informática. Um deles, o mais velho, com imensas dificuldades de memorização de informação e que não consegue sequer adquirir níveis mínimos de escrita para além da cópia das letras enquanto desenhos sem significado para além desse, levou meses até conseguir adquirir as rotinas funcionais mais básicas de ligar corretamente um equipamento, reconhecer os ícones a usar para aceder a alguns programas ou à internet; para fazer pesquisas foi necessário que ele usasse as letras do teclado como uma espécie de ícones (imagens) a memorizar, associadas a determinados conteúdos pretendidos. É ilusório pensar que uma hora é, nestas condições, toda de “trabalho” na aceção limitada de algumas mentalidades. Realizada uma pequena tarefa a consolidar segue-se uma maioria de tempo de usufruto do equipamento em atividade lúdica. Lamento que exista quem não perceba isto, mas acontece. Nem sempre as formações aceleradas acrescentam sensibilidade a alguma aridez humana. O outro irmão, mais novo, conseguiu num par de meses fazer tudo isto e muito mais, já sabendo usar o equipamento (computador) com autonomia que só esbarra nas dificuldades de escrita, que também tem mas em menor grau. E já consegue levar cd’s e querer ver filmes que gosta ou copiar ficheiros. Ajuda o irmão e essa é a maior conquista, associada ao apoio que uma outra aluna do grupo lhes prestou desde o primeiro momento. De acordo com uma escala preguiçosa, aprenderam pouca coisa. Na minha perspetiva, mais preocupada com a forma como eles se sentem na escola e na sala, há evidentes ganhos, traduzidos na forma como são aceites pelo resto do pequeno grupo que chega a ter alunos “regulares”, quando estão sem aulas, bem como pelo modo como parecem estar felizes naquele par de horas semanais.
Se isto é “inclusão” ou não, de acordo com definições nacionais ou cosmopolitas? Não sei. Só sei que eles fazem parte integrante de um grupo de trabalho tão funcional quanto heterogéneo. Se é este o melhor método? Sim, para estes casos. Para outros, não sei. Depende. De experimentarmos. De olharmos para os alunos e vermos os que eles têm lá dentro em vez de despejarmos sobre eles as nossas teorias ou formatações.
Por Paulo Guinote
Fonte: Blog Com Regras
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