A evolução da situação da avaliação externa das aprendizagens dos alunos do Ensino Básico ganhou nos últimos dias uma curiosa, embora não inesperada, faceta simplex. Depois da abolição, por via parlamentar, das provas finais do 4.º ano sob a bandeira simplista do “fim do exame da 4.ª classe”, perto já do final do 1.º período de aulas, a nova equipa ministerial ficou com um problema por resolver, em virtude do vazio criado. Para não dar a sensação de ter sido ultrapassado pelos acontecimentos, o novo ministro apareceu, a abrir janeiro de 2016 e o 2.º período, com o anúncio de um ambicioso “modelo integrado de avaliação das aprendizagens no Ensino Básico” que acabava também com as provas finais do 6.º ano, introduzia um sistema de provas de aferição em anos intermédios (2.º, 5.º e 8.º) dos vários ciclos de escolaridade e mantinha apenas as provas finais de 9.º ano, de final de ciclo e do Ensino Básico.
A acompanhar este anúncio surgiram declarações públicas do ministro Tiago Brandão Rodrigues e do seu secretário de Estado, João Costa, denunciando o caráter “nocivo” das provas eliminadas porque, de acordo com a tese, “afunilavam” o trabalho das escolas e dos professores. Em termos de calendarização, em 2015/2016, as provas de aferição do 2.º e do 5.º anos deveriam realizar-se na última semana de aulas e as do 8.º ano, “após a última semana de aulas, em datas compatíveis com o restante calendário de avaliação externa”. Prometia-se ainda que estavam “a ser produzidas as alterações legislativas necessárias à implementação deste modelo, designadamente o calendário das mesmas que será brevemente dado a conhecer às escolas”. Desde essa altura que existiu quem achasse que a decisão de mudar as regras de avaliação a meio de um ano era errada, devendo o ME assumir que este ano letivo apenas se realizariam as provas de 9.º ano ou que, no limite, se fizesse uma aplicação por amostragem das provas de aferição. Entretanto, o “brevemente” da promessa começou a transformar-se em semanas, depois um mês, depois dois.
E eis que, a terminar o 2.º período, surge o anúncio de um “regime transitório” para as provas de aferição a implementar, em que as escolas podem tomar a decisão de as não aplicar desde que isso seja feito “por decisão especialmente fundamentada, devendo ponderar as potencialidades do processo de aferição para a melhoria das aprendizagens e o sucesso escolar dos alunos”. Sendo que tal decisão deve ser dada até o último dia útil de abril. Em simultâneo, para enorme espanto e incredulidade mesmo de quem já se habituou a tudo, ressuscitam as provas (a que se retira a designação de “nacionais”) de 4.º e 6.º ano, antes abolidas por serem “nocivas”, num regime também chamado “transitório” (?) em que “podem ainda as escolas que pretendam a obtenção de dados de fim de ciclo, decidir a realização de provas de Português e de Matemática dos 4.º e 6.º anos de escolaridade”. Sendo que “a realização das provas (…) depende da decisão do diretor do agrupamento de escolas ou escola não agrupada, ouvido o conselho pedagógico” e a sua elaboração passar a ser “da responsabilidade do conselho pedagógico, que orienta os professores designados para o efeito pelo diretor”, de acordo com uma “uma matriz nacional”. O recurso a citações extensas é feito para dar a real dimensão das incongruências desta “solução” que tem tanto de amadorístico como de confuso e de desconhecedor do funcionamento das escolas porque se determina que a realização de tais provas deve acontecer a 23 de maio e 3 de junho. Ou seja, o que o IAVE leva meses e meses a fazer com equipas próprias para o efeito, as escolas devem despachar em dois meses, com reuniões de avaliação, pausa letiva e aulas pelo meio.
Isto é demasiado mau. Revela impreparação, ausência de rumo, experimentalismo no mau sentido, alijamento de responsabilidades e um modo simplex e desleixado de tratar questões sérias, desrespeitando em primeiro lugar os alunos e em seguida as escolas e os professores. Já sei que haverá quem venha defender esta solução e achá-la a melhor dentro do possível. Não é verdade. Esta é uma má solução, que vai usar a “autonomia” como pretexto para transferir as responsabilidades pela decisão de realizar as provas de aferição (e produzir as eventuais provas de 4.º e 6.º ano em modelo manta de retalhos) para as escolas, numa perspetiva de decisão quase unipessoal, sem qualquer verdadeiro espaço e tempo para debate interno. O que está profundamente errado. Ter sido uma solução negociada com o novo Presidente da República e uma antiga responsável pela pasta apenas agrava o erro.
Por Paulo Guinote
Fonte: Público
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