Lembro-me muitas vezes da frase que está escrita na etiqueta dos bonés do “estilo americano” que avisa: “One size fits it all.” Com uma solução simples e inteligente, estes bonés podem assumir diferentes tamanhos de forma a se adequarem ao perímetro craniano de qualquer dos seus utilizadores. A ideia de ter um dispositivo que possa adequar cada utensílio a todos os seus possíveis utilizadores é muito engenhosa. Engenhosa, antes de mais, porque todos os sistemas que procuram respostas normalizadas para situações distintas acabam por se tornar irracionais e dispendiosos. Regressando ao exemplo dos bonés, se produzíssemos bonés, por exemplo, de três tamanhos, sempre haveria pessoas para quem um tamanho estaria pequeno e o tamanho a seguir estaria grande demais. Para além disso, não é provável que se produzissem os bonés necessários para satisfazer exatamente a procura (talvez sobrassem unidades de um tamanho e faltassem de outro...). O desafio é, pois, encontrar, mais do que respostas padronizadas para cobrir toda a gama da diversidade, respostas flexíveis e dúcteis para se adequarem a situações muito diversas.
Este desafio é particularmente acutilante para pensarmos a escola de hoje. A herança que temos não é muito boa no que respeita à diversidade: durante muitos e muitos anos a escola desempenhou um papel de criadora de homogeneidade e de transmissão de conhecimento. Como se sabe, em muitos países, o nascimento da escola pública, gratuita e laica teve um papel determinante na constituição dos Estados-nação, isto é, na construção de Estados (entendidos como organização política) que correspondessem a uma nação (entendida como uma identidade coletiva). Para que este objetivo fosse conseguido recorreu-se à escola, que oferecia uma cultura padronizada e reprodutível o mais fielmente possível em todo o território. E, se olharmos para este percurso, vemos como as escolas se espalharam por todo o território com uma arquitetura igual, com currículos nacionais, exames nacionais, etc. Não é, pois, muito brilhante a nossa experiência em diversidade nas escolas.
O certo é que estes valores mais tradicionais da escola estão numa insustentável crise. Hoje sabemos, e muito bem, que não é negociável ir ou não ir à escola, sabemos que é socialmente injusto não educar todos os alunos e sabemos também que a cadência das mudanças, na sociedade, nos alunos, nos professores e nas famílias nunca foi tão elevada. Trata-se de necessidades totalmente novas e, portanto, não é intelectualmente sério fazer a apologia dos valores e das práticas da escola “de antigamente” para procurar resolver os problemas da escola de hoje. Qualquer tentativa de regressar à disciplina, às formas de ensinar, aos conteúdos, à organização da escola tradicional seria um anacronismo infeliz. A famosa máxima do “back to basics” não é mais do que “back to injustice”.
A questão agora é como pode a escola ser diferente e organizar-se diferenciadamente. E, nesta matéria, há um campo muito estimulante de debate.
Antes de mais, muito já foi feito. Dizer que nada mudou em educação é uma miopia semelhante à que afeta as pessoas que dizem que a escola já mudou tudo o que precisava de mudar. É fácil evocar exemplos: a escola está muito mais aberta para desenvolver atividades à volta do currículo (clubes, projetos, etc.), a escola está, por outro lado, muito mais rápida a reagir ao que se passa fora dela. Mas muito há ainda por fazer. Ainda encontramos com muita frequência modelos escolares que precisam de “meter os alunos em caixinhas” de categorias para os poderem entender e educar. E vejamos: um aluno ou está no currículo “normal” ou está num currículo “alternativo”; ou está na Educação Especial ou não está, ou frequenta um ano ou o outro. Tantas vezes ao falar com professores eles nos transmitem que deploram não poderem ter uma organização da escola que lhes permita responder de uma forma personalizada às necessidades dos alunos. Precisamos, pois, de uma escola que motive, que aponte, que sustente e inspire os percursos dos alunos de uma forma muito mais diferenciada e flexível do que a nossa presente organização de turmas, de vias, de “anos”, de currículos e de critérios de sucesso.
Dir-se-á: mas... será possível? Será possível uma outra escola organizada em modelos que respeitem os ritmos e os percursos dos alunos? Milhares de pessoas durante centenas de anos pensaram, sonharam e previram a justiça e a necessidade de encontrar outra organização para a escola. Uma organização que respeite as diferenças sem esquecer que o florescimento das diferenças é o melhor contributo que podemos dar para um progresso social fraterno. Permitir e encorajar percursos diferentes e exigentes na escola é certamente o melhor incentivo para que cada pessoa possa encontrar o seu lugar de participação, de contribuição para uma sociedade que, ela própria, precisa de se renovar e de se pensar como um mundo que sirva a todos.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação especial, Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário