(...) 2. Sem qualidade, começam a revelar-se os discursos (e as políticas) dos dois dignitários da Educação. Ouvi o do ensino superior, no parlamento, abalroar, de forma reiterada (o que afasta o lapso simples para expor a ignorância grave) o presente do conjuntivo do verbo ter. “Tenhemos”, senhor ministro? E traulitar, sem rebuço, o pretérito perfeito do indicativo de intervir. “Interviram”, senhor ministro? E li-o (PÚBLICO de 27.2.16), defendendo (alô, alô, BE, PCP e Verdes) a precarização do emprego dos professores e investigadores do seu setor. Flexibilizar o emprego científico, senhor ministro? Quando mais de 40% dos docentes e investigadores do ensino superior têm vínculos precários? Não terá cuspido no dedo errado para “virar a página”?
O ministro da Educação, igualmente no parlamento, também repetiu o tique que se lhe começa a pegar à pele, qual seja uma certa tendência arrogante para manipular os factos. “Ao contrário do que alguns disseram, o Orçamento do Estado para Educação em 2016 cresce 303 milhões de euros (+ 5.3%) quando comparado com o que o governo anterior inscreveu no orçamento para 2015. De 5716 milhões de euros para 6019 milhões de euros”, disse o ministro. E disse mais que só “podemos comparar o que é comparável”. Ora no momento em que “alguns” disseram haver um corte de 82 milhões (-1,4%) já se sabia quanto o Governo anterior tinha efetivamente gasto com a Educação. E gastou mais 82 milhões do que este se propõe gastar em 2016. Que queria o ministro? Que se ignorasse o que já era conhecido? Não comparámos velocidade com toucinho, senhor ministro. Comparámos euros gastos com euros que o senhor disse que ia gastar. E o senhor disse que tenciona gastar menos 82 milhões que o seu antecessor de facto gastou. E a esse corte de 82 milhões, para compararmos o que é comparável, isto é, conhecer a verdadeira dimensão do corte nominal das atividades da escola pública, com os dados existentes no momento em que “alguns” falaram, temos que somar os 14,4 milhões que pagará a mais ao ensino privado e o aumento dos gastos salariais dos professores. Se já fez as contas, teria sido mais sério confessar o número no parlamento.
Hoje, os novos donos das novas certezas decidem ontem e estudam amanhã. Levianamente. Os professores, que não são donos deles próprios, sujeitam-se, quando pouco mudou. A frustração não desapareceu mas a capacidade de espera cresceu. Às salas dos professores não voltou a familiaridade, a colaboração mútua e a confiança que de lá desapareceram com Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato. Os sinais de narcisismo dos novos poderosos contrastam com os traços de psicose dos que perderam o poder. Os anúncios de ideias de futuro, sem ideias e medidas de presente, não combatem a depressão coletiva que ameaça a escola pública.
Por Santana Castilho
Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
Fonte: Público
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