sexta-feira, 11 de março de 2016

A Inclusão e os “peritos em possibilidades”

Quando se faz a análise do percurso que Portugal fez no campo da educação de alunos com condições de deficiência temos que ficar agradados com o resultado deste esforço continuado durante mais de 40 anos. Hoje, Portugal é um dos países mais avançados do mundo no capítulo da educação dos alunos com condições de deficiência. Neste capítulo, Portugal optou por fazer cumprir uma das recomendações mais constantes e frequentes feitas pelas organizações internacionais: esta educação deve ser feita em meios educativos inclusivos. É fácil encontrar um consenso sobre a vantagem que têm os alunos com dificuldades em serem educados ao lado dos seus colegas com menos dificuldades: é evidente que o desenvolvimento da pessoa se potencia quando ela frequenta meios mais diversos e mais estimulantes. A grande questão da Inclusão é de que forma podemos diversificar a oferta educativa de forma a que todos os alunos de uma turma e de uma escola possam beneficiar da fantástica riqueza de se relacionarem com pessoas diferentes. Por isso se diz que uma escola que se mantenha imperturbável nas suas práticas e nos seus valores mais tradicionais, não pode ser uma escola inclusiva: só a alteração sensível das suas formas de ensinar, de aprender, das suas estratégias, da organização da classe, da avaliação, etc. conduzem à aproximação aos valores inclusivos. E dizemos “só” por uma razão simples: a escola não foi criada para ser inclusiva, mas sim seletiva, não foi criada para construir conhecimento, mas sim para o reproduzir, não foi criada, enfim, para ser para todos, mas só para alguns.

A mudança da escola sempre parece difícil ou mesmo impossível. Na verdade, há até “peritos em impossibilidade”. São pessoas que constroem o seu discurso para ver se provam que é inútil e ingénua qualquer tentativa de mudar a escola. Se a mudança é proposta pelos alunos diz-se “mas o que é que eles sabem de Educação?”, se a mudança é sugerida pelos professores, diz-se “são interesses corporativos”, se a mudança vem das gestões “é porque lhes interessa a eles e só a eles”, se a mudança vem de estruturas ministeriais “não serve de nada inovar por decreto”. Estes “peritos em impossibilidades” para tornar ainda mais eficaz o seu discurso, acabam por desvalorizar e por menosprezar todas as tentativas que eles consideram parciais por não levarem em conta todos os fatores implicados.

Não iludamos a questão: a mudança da escola é mesmo difícil. A lista é longa mas o certo é que as sociedades moldaram e se moldaram à escola que têm. Quando tentamos mudar a escola confrontamo-nos com um grande conjunto de variáveis que, estando certas ou erradas, que estavam adequadas à vida, às expectativas das crianças e das suas famílias. Talvez por este motivo seja tão difícil mudar a escola: por vezes parece que se está a tirar tijolos da base com esperança de mudar o cume da torre.

Há talvez três aspetos que temos constatado que podem originar e manter mudanças nas escolas dado que não se espera, como diriam os nossos “peritos em impossibilidades”, uma vaga revolucionária que transformasse radicalmente a escola tradicional para uma escola para todos, isto é, inclusiva.

A primeira questão diz respeito às funções dos Conselhos Pedagógicos das escolas. Em muitas escolas estes conselhos (órgão mais nobre da escola) são órgãos burocráticos e de “gestão corrente”. Pelo contrário, há escolas no nosso país em que os Conselhos Pedagógicos se assumiram como órgãos de discussão e de inovação das práticas e dos valores da escola. Não se limitam, por exemplo, a examinar o que lhes é proposto, mas avançam em muitos casos com propostas que permitem levar inovações adiante.

Outra questão que poderia influenciar esta mudança é a intensificação da vida dos Departamentos. Os Departamentos também eles se tornaram, em grande medida, órgãos de “cumprir calendário”, órgãos de dar informações, acertar datas e prazos. É inestimável o papel que os Departamentos podem assumir na gestão flexível do currículo e na proposta de iniciativas que dinamizem a escola para poder ser uma escola útil para todos. Temos numerosos e bons exemplos destas possibilidades.

Finalmente o papel das direções das escolas. Tem sido frequentemente relatado que as direções das escolas vão por vezes “para lá da troika”. Usa-se esta expressão para definir direções que têm, por vezes, uma preocupação excessiva em corresponder às diretivas sem defenderem as especificidades e as “boas práticas” das suas escolas. Em algumas situações parece que se cava um fosso entre a direção e os professores. Já ouvimos diretores, eles que são professores, falarem “dos meus professores” e da “minha escola”. Ora, precisamos de estabelecer um clima de cumplicidade e de confiança entre os professores responsáveis pela gestão e os professores responsáveis pelo trabalho pedagógico. Muitas direções das escolas no nosso país têm assumido o imprescindível trabalho de reconhecer (mesmo antecipar) e valorizar as práticas pedagógicas que aproximem mais a escola de uma escola inclusiva e para todos.

Escrever sobre a inovação na escola de forma a torná-la mais inclusiva e para todos é uma missão impossível porque ficam de fora numerosas e ponderosas razões. Mas o certo é que temos mesmo que pensar como é que esta empresa se pode realizar. E se os Conselhos Pedagógicos, se os Departamentos e se as Direções das escolas se puderem harmonizar neste esforço de inovação e de inclusão, teremos então uma escola fortalecida por “peritos em possibilidades”.

Por David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação

Fonte: Público

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