Afirma o lugar-comum que não existe Educação sem alunos e que as escolas só fazem sentido em função dos alunos. É verdade, mas essa também é uma concepção redutora e truncada do processo educativo. Porque parece tornar os professores meros acessórios, dispensáveis, intermutáveis, peças simples de uma engrenagem, recursos dispendiosos que se podem sacrificar sem perda especial ou remorso particular. Como se não fossem profissionais altamente qualificados, mas apenas uma massa indiferenciada de um proletariado com excesso de oferta a que se pode baixar o valor unitário com uma alínea legislativa.
Veja-se o que se passou nas últimas semanas.
Veio a troika. Veio nova avaliação da acção governativa.
Concluiu-se o que já se sabia desde o início: o Governo falhou previsões, foram falhadas as metas que se sabia que seriam falhadas, falhou tudo, excepto o desígnio de empobrecer o país, na tentação de o tornar uma espécie de enclave de mão-de-obra submissa e barata à moda sínica.
Tudo na sequência da aplicação de fórmulas e modelos errados, com o apoio e encorajamento da dita troika.
O Governo falhou, o ministro das Finanças acima de todos à excepção de um primeiro-ministro desnorteado, impreparado para tais responsabilidades e manietado na sua capacidade de inverter o rumo das coisas. Assim como falhou de forma calamitosa a própria troika, entidade quase mítica formada por gente certificada como competente e inteligente de três organismos internacionais.
Porque não se pode ter sucesso quando uma política conduz à destruição, em tempo quase recorde, do que restava do tecido produtivo do país e da escassa coesão social que levou décadas a tecer.
Ordenaram-se cortes, congelamentos, despedimentos disfarçados de outras designações.
Reduziram-se apoios sociais, diminuíram-se compensações, aumentaram-se impostos, empobreceu-se a maioria do país, enquanto se mantinham incólumes os grandes interesses do costume, incluindo os que vivem de rendas milionárias concedidas pelo Estado por via de negócios em que o defensor dos interesses privados de hoje foi o decisor público de ontem e vice-versa.
O défice continuou mais ou menos onde estava.
Há que encontrar a solução para o descalabro.
E qual é?
Mais cortes, mais congelamentos, mais despedimentos, agora com o nome de rescisões.
A fórmula que falhou, repetida.
Os principais alvos?
Os do costume… os professores.
Que eram cerca de 150.000 e andam agora abaixo dos 120.000, uma redução de 20% na sua versão mais generosa, muito acima dos míticos números da redução do número de alunos, que um dia Nuno Crato fixou em 14%.
Sobre a redução salarial efectiva nos últimos anos nem é bom falar… anda bem acima dos 25% em troca de maior carga lectiva.
Mais por muito menos. Em boa verdade, em troca de nada.
Mas num universo acima de meio milhão de funcionários do Estado, os tais 120.000 devem fornecer metade dos sacrificados no altar de Gaspar e Seilasié ou se não é.
Dizem que é preciso partirem mais 10.000 das escolas, que é para salvar o país.
Que país?
Que país existe depois de tudo isto?
Um país de campos de golfe, concertos de Verão, ministros equivalente, nomeações de coleguinhas da senhora ministra, liberais de aviário, escondidos em gabinetes, sorvendo subsídios em nome de um empreendedorismo medido em semestres.
Enquanto se continua a dizimar com crescente urgência a classe profissional mais odiada pela nossa classe política… os bombos da festa desde 2005, os professores do ensino público, objecto da mais perversa operação de engenharia profissional das últimas décadas.
Enquanto os governantes manifestamente incompetentes permanecem.
Enquanto a tutela se rende aos interesses de grupos particulares, ávidos dos dinheiros do Estado que dizem detestar, dividida entre secretários especializados em estabelecer “pontes” e “entendimentos” e um ministro ausente em parte incerta, em digressão externa durante a presença da taltroika no país.
Se a Educação não existe sem alunos, será que existirá contra os professores?
Paulo Guinote
Autor do blogue A educação do meu umbigo
In: Público
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