domingo, 31 de julho de 2022

Ministério da Educação… em linha reta por linhas tortas

A profissão docente é hoje uma das menos apetecíveis. A dificuldade de encontrar docentes para alguns grupos disciplinares e a rejeição pelos jovens dos cursos via ensino no Ensino Superior são indicadores iniludíveis dessa realidade. Os resultados estão aí: 54% dos docentes do pré-escolar e ensinos básico e secundário têm mais de 50 anos e, em contrapartida, os professores com menos de 30 não atingem os 10%. E também os fatores que para tal contribuem estão estudados: más políticas educativas e socioeconómicas, o fenómeno "burnout" (stress laboral crónico), o cansaço físico e psicológico, a indisciplina e perda de autoridade na escola, a desvalorização social e a dificuldade em conciliar a dinâmica laboral com a familiar.

A este cenário junta-se o drama dos professores colocados a centenas de quilómetros de casa, especialmente quando são portadores, ou por doença ou por idade avançada, de debilidades físicas e mentais, levando a que se avolumem as baixas médicas; um drama que vinha sendo atenuado pela possibilidade legal de recorrerem, com justificação médica, aos programas de mobilidade, que lhes permitem lecionar em escola mais próxima do seu domicílio.

Porém, quando se prepara novo ano letivo, defrontam-se os docentes com uma controversa legislação do Ministério da Educação impondo que as mobilidades por doença contemplem um raio de até 50 km de distância em "linha reta" à sua residência ou ao prestador de cuidados de saúde.

Tal legislação foi, claramente, gizada por quem está em absoluto divorciado da realidade do país, em especial das regiões do Interior, onde as linhas retas são mais tortas que rabo de porca. Porventura, saberá o Ministério da Educação o que são 50 km em linha reta, por exemplo, nos distritos de Viseu, Guarda ou Vila Real, onde essa linha reta implica viagens de hora e meia por estradas íngremes, com terríveis geadas no inverno? Se este esforço é a solução que o Ministério propõe a quem é portador de doença limitadora, valha-nos Santo Cristo!

Alexandre Parafita

Fonte: JN por indicação de Livresco

sábado, 30 de julho de 2022

Governo aprova bolsa automática para alunos do superior que tenham abono de família até ao 3.º escalão

O Governo aprovou a atribuição automática de bolsas de estudo aos estudantes do ensino superior que beneficiem de abono de família até ao terceiro escalão e que ingressem através do concurso nacional de acesso ao ensino superior público.

Haverá também um novo complemento à bolsa de estudo, no valor de 250 euros anuais, para apoiar a deslocação dos estudantes entre localidades — entre aquela onde vivem e aquela onde estudam, anunciou neste sábado o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Para beneficiar da atribuição automática de bolsa de estudo, os estudantes candidatos ao ensino superior podem apresentar o seu requerimento para atribuição de bolsa de estudo desde já, afirma o ministério em comunicado, e até dez dias úteis após o fim do prazo para a apresentação da candidatura ao concurso nacional de acesso.

A primeira fase de candidatura ao ensino superior termina a 8 de Agosto. A segunda arranca a 12 de Setembro, prolongando-se até 23 desse mês.

O ministério explicaque “decidiu reforçar o quadro dos apoios sociais dos estudantes de ensino superior, especialmente dos que agora são candidatos, aprovando diversas alterações aos Regulamentos de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior e do Programa +Superior, que surtirão efeitos já a partir do início do ano lectivo 2022/2023”.

“O alargamento da atribuição de bolsas +Superior, com o valor de 1700 euros anuais, a todos os estudantes bolseiros” sendo esta “acumulável com a bolsa de estudo”, é outra das medidas aprovadas. O Programa +Superior visa incentivar a frequência do ensino superior em regiões do país com menor procura e menor pressão demográfica.

“Os estudantes que pretendam ingressar em instituições do ensino superior localizadas em regiões do país com menor procura e menor pressão demográfica e receber bolsa +Superior, podem requerer a sua atribuição logo após a submissão do requerimento a bolsa de estudo”, nota o ministério.

Complemento para alojamento

O pacote de medidas, agora anunciado, inclui ainda a atribuição de um complemento de alojamento a estudantes bolseiros que se encontrem deslocados do seu país, o que permitirá apoiar “estudantes em situação de emergência por razões humanitárias ou beneficiários de protecção temporária”, bem como “emigrantes portugueses que ingressem no ensino superior em Portugal”.

Mencionada no comunicado é ainda a actualização dos complementos de alojamento fora de residência, “de modo a que estes reflictam a evolução dos custos de arrendamento suportados pelos estudantes que careçam de recorrer ao alojamento privado para frequentar o ensino superior”.

No final do ano passado havia cerca de 60 mil estudantes do ensino superior a receber bolsa de estudo, um recorde para aquela altura do ano. Este número vai sempre mudando ao longo do ano: a maior parte das candidaturas às bolsas de Acção Social são habitualmente entregues até ao final do mês de Outubro, no momento em que se iniciam as aulas, mas os estudantes podem concorrer ao apoio do Estado durante todo o ano lectivo, por exemplo, sempre que houver alterações no rendimento das famílias.

O ministério, liderado por Elvira Fortunato, diz que estas medidas juntam-se à já aprovada na Lei do Orçamento do Estado para este ano, que define o aumento do valor da bolsa de estudo para estudantes inscritos em mestrados.

“Até ao momento, os estudantes de mestrado que recebem bolsa de estudo recebem um montante insuficiente para suportar integralmente o valor de propinas dos mestrados, facto que tem limitado a formação avançada de estudantes provenientes de famílias mais carenciadas”, reconhece o ministério.

“Com esta medida as bolsas de mestrado deixam de suportar apenas 872 euros de apoio de pagamento a propinas e passam a suportar até 2750 euros de apoio a pagamento de propinas”, explica o ministério, referindo que com este conjunto de medidas, a vigorar já no próximo ano lectivo, o Governo cumpre o que estava proposto no seu programa.

Fonte: Público

“O insucesso de um aluno é o insucesso da escola, mas também é da família e do município”

O coordenador da estrutura de missão nomeada pelo Governo para acompanhar o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar não acredita num “modelo de regulação coerciva”. Mas fazem falta “modelos de governação por contrato, com compromissos claros e negociados, não apenas circunscritos à escola, mas à comunidade”, diz José Verdasca.

Sabe de cor: foi em Agosto de 2001 que, pela primeira vez, os resultados de todos os alunos que tinham feito exames do 12.º ano nesse ano foram divulgados à comunicação social. Nasciam os controversos rankings de escolas, que comparam resultados entre elas. Com os anos, o Ministério da Educação foi tornando públicos cada vez mais indicadores, para contextualizar os resultados. José Verdasca, coordenador da estrutura de missão nomeada pelo Governo para acompanhar o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, vê alguns problemas nas comparações entre escolas. Mas tem uma certeza: “Uma comunidade que não reconheça que o trabalho [da escola] é bom tende a não investir nela.”

O actual ministro da Educação é um grande crítico dos rankings de escolas. Como especialista na promoção do sucesso escolar que utilidade vê neste exercício, se é que vê?
Tenho alguma reserva sobre a possibilidade de comparabilidade entre escolas. Porque, apesar de estas análises multivariadas que já se fazem terem sido capazes de introduzir mais indicadores (como a % de alunos com acção social escolar, o capital escolar das famílias, a idade dos alunos) há outro tipo de variáveis explicativas [dos resultados escolares]. Uma delas é a heterogeneidade. Se tenho 20% de alunos com acção social escolar, esses 20% podem ser de famílias com mais ou menos capital escolar. E isso faz diferença.

Outra variável importante são as ofertas educativas. Nas regiões do interior, com menos densidade demográfica, que vão de Bragança à serra algarvia, há distritos, pela sua própria dimensão, por causa da questão demográfica, onde há só um curso ou, quanto muito, dois. Não há escolha. E aqui são outra vez os mais pobres e os mais carenciados os mais prejudicados. Porque famílias com mais meios económicos e cultura escolar levam os filhos para uma cidade a 30 km ou uma cidade a 40 km onde podem ter uma oferta mais do seu interesse, uma oferta de artes, por exemplo.

Menor diversidade de oferta está associada a mais insucesso?
Sim, é natural.

Ainda assim há um dado interessante, o da idade. Hoje temos mais 6% dos alunos que estão a chegar ao 12.º ano com 17 anos ou menos (comparando com 2014/15) e isto significa milhares de alunos.

É um indicador poderosíssimo: mais alunos concluem no tempo certo e isso não está a ser feito à custa da perda da qualidade das aprendizagens, como aliás os resultados dos exames nacionais vão demonstrando.

Bom, os exames não são o melhor indicador para avaliar isso, porque a própria estrutura dos mesmos muda de ano para ano, todos os anos testam aprendizagens diferentes...
Sim, mas mesmo quando vamos a estruturas de exame que tiveram alguma duração no tempo, percebemos que não há grande oscilação.

Na verdade, há quem sustente que a qualidade das aprendizagens piorou.
Os dados do PISA [estudo internacional da OCDE sobre as competências dos alunos de 15 anos] contrariam isso. E o percurso que os alunos portugueses fazem noutros países da Europa, onde se afirmam de forma notável, na Alemanha, na Inglaterra, na Suíça demonstra-o.

Mas deixe-me dizer mais uma coisa sobre os rankings. Eles são dispositivos de informação. Se cada escola os gerir como recurso estratégico para orientar decisões, estratégias de acção e de melhoria, podem ser importantes.

Ao fim de 20 anos rankings [esta edição é a 21.ª] há escolas que não descolam, que ano após ano aparecem sempre no fim da tabela. Mesmo quando se tem em conta outros indicadores, como a percentagem dos alunos com Acção Social Escolar — que gradualmente o ministério começou a divulgar, o que permite ter hoje várias formas de analisar e comparar as escolas, tendo em conta os seus contextos — há várias que ficam sistematicamente aquém do esperado. E este ano volta a acontecer. Quase as mesmas de sempre. Os sucessivos governos têm tirado as devidas consequências deste exercício anual de avaliação? Porque não se faz nada por estas escolas?
Nas sociedades democráticas em que se deseja a autonomia das escolas o importante é haver um conjunto de informações disponíveis para que as comunidades tomem decisões. Podíamos recorrer à inspecção-geral da Educação – que já faz a sua própria avaliação externa de quatro em quatro anos. Mas o que o ministério deve fazer é manter esta ideia de que sociedades abertas, que querem territorializar a gestão das políticas educativas, que querem envolver os diversos agentes que têm impacto educativo nesses territórios, devem tomar as suas decisões e agir.

Certo. Mas se ano após ano há escolas com maus resultados, são sucessivas gerações de alunos que ficaram e estão a ficar muito aquém, com níveis de insucesso que não deviam ser aceitáveis. São gerações e gerações de alunos em escolas que claramente não estão a ter os meios de que precisam.
O espaço onde vejo a transformação acontecer não é o de um modelo de regulação coerciva. O que defendo são modelos de governação por contrato, com compromissos claros e negociados, não apenas circunscritos à escola, mas à comunidade.

Os problemas que há para resolver são cada vez mais difíceis de categorizar. Se antes numa escola havia 20% de retenção eu tinha na gaveta quatro ou cinco soluções possíveis para aplicar. Hoje é muito mais difícil categorizar, às vezes é um caso, dois casos, muito específicos, que requerem uma intervenção com várias agentes e que têm de se comprometer

As comunidades intermunicipais têm de ser capaz de definir medidas educativas locais para resolver os problemas, mobilizando os actores neste território, com as escolas a liderar. O insucesso de um aluno é o insucesso da escola, mas também é da família, também do município, da CPCJ [comissão de protecção de crianças], da Escola Segura [programa da PSP].

Isto remete-nos para um novo ecossistema educacional, e a negociação destes compromissos deve ser feita numa certa temporalidade, a 4 ou 5 anos, até mais, sendo [que têm de ficar] muito claros os objectivos e metas a alcançar e tem de se retirar ilações locais do que não se está a conseguir fazer e perceber porque não se está a conseguir. Isto gerará um sentido de responsabilidade e colaboração institucionais que permitirá ter respostas mais rápidas para os casos de grande dificuldade de desenvolvimento educacional. Porque persistem, porque persistem, porque persistem…

Há, no entanto, dificuldades que não são do âmbito da decisão local. Caso da colocação dos professores que por lei está centralizada. As escolas públicas, ao contrário das privadas, não podem escolher os professores. Esta é uma questão-chave como afirmam os privados?
Ainda que não subscreva inteiramente as perspectivas mais conservadoras dessa fixação de modelo de colocação de professores, tenho algumas reservas sobre isso.

Há aqui outro problema, sabe? O tempo jornalístico e o tempo político são muito diferentes do tempo educativo. No tempo educativo é preciso tempo, porque são culturas instaladas, pessoas que trabalharam de determinada maneira toda a vida.

Os próprios modelos de formação contínua são modelos que muitas vezes não nascem de uma necessidade formativa naquela escola para a sua estratégia de desenvolvimento, nascem de interesse individuais ou de créditos para progredir. Os próprios modelos de formação inicial perderam há muito o sentido dos desafios que se colocam às escolas hoje, são formações que se desenharam em contextos completamente diferentes.

Repare: a autonomia será tanto mais sólida e profunda quanto mais reconhecida ela for nas comunidades. Se a escola não conseguir melhorar os seus scores, usemos nós os critérios que usarmos, há um momento em que a autonomia se fragiliza. Porque há um momento em que já não se pode dizer: o ministério não dá autonomia, ou nós não temos autonomia para isto. Há 20 anos poder-se-ia dizer, há dez eventualmente poderia dizer-se alguma coisa, hoje é mais difícil dizer que a escola não teve possibilidade de organizar as turmas assim ou assado, que não tem liberdade do ponto de vista da abordagem do currículo, pedagógica, de organização dos grupos de alunos e dos docentes.

Agora o argumento até tem sido o de não terem professores, e aí o problema não é delas. Nem os podem escolher, nem os têm porque há falta de professores.
Na literatura internacional os professores são uma variável crítica. Os professores são chave neste processo, não são únicos, mas são uma chave, não vou excluir isso.

Todavia, jogaria mais com esta ideia de criar equipas educativas alargadas, responsáveis por gerações de alunos que, em cada ciclo, teriam o compromisso de iniciar com aquele grupo de alunos e de os fazer terminar no tempo próprio e com qualidade de aprendizagem, com muita flexibilidade nesse percurso… nessa equipa educativa alargada estão docentes mas podem estar outras pessoas da comunidade, terapeutas da fala, por exemplo, por via do rastreio auditivo, por via do rastreio visual ou fonológico. Para mim faz mais sentido ensaiar, pelo menos, este modelo durante algum tempo. E encaixa bem na ideia da territorialização. E encaixa bem na ideia da governação por contrato e na ideia de compromisso.

É um modelo que cria menos stress às pessoas, é menos individualista, é colaborativo, é mais democrático. Agora com comprometimento e com compromissos

E como é que resolvemos a falta de professores?
Não sei bem, porque a formação não se faz de um dia para o outro. Mas há sempre os problemas da valorização da carreira docente. Há um inquérito, salvo erro de 2018, em que os professores portugueses estão no topo, os melhores do mundo. Para os alunos, comparando com os resultados dos alunos inquiridos noutros países, são os melhores. Mas quando se pergunta aos mesmos alunos qual é possibilidade de virem a ser professor, aí, em Portugal, passamos para penúltimo lugar. Não querem ser professores. Não há muita vontade em ser professor em parte nenhuma do mundo, mas aqui é nenhuma.

A carreira tem de ser atractiva, tem de ser, eu tenho de conseguir que os alunos que vão entrar na universidade não escolhem ser professor como última possibilidade, só porque não conseguiram entrar em mais nenhum curso. Mas isto vai levar algum tempo a resolver. E é, talvez, das questões mais significativas que o país tem para resolver.

As comunidades são muito diferentes. Quando caminho para o mundo urbano do Norte, Braga por exemplo, tenho uma grande percentagem de jovens de famílias para quem a escola foi determinante nas ascensão social dos pais, ou dos avós, são magistrados, professores, advogados… e a escola é altamente valorizada. É uma questão cultural. O mundo rural do interior carrega menos casos onde a escola mudou a vida de avós e de pais. E esta atitude transmite-se para os filhos.

Os exames devem acabar no ensino secundário, como se diz que poderá acontecer?
Temos de ter um sistema para aferir a qualidade dos sistemas educativos. Se é com exame ou com uma prova de aferição [que não conta para a nota dos alunos], eu reajo bem ao instrumento da aferição.

Mas um exame que conta para a nota não é importante para os alunos levarem a sério a avaliação e se empenharem?
Esse é outro problema cultural. Nem sempre a aferição, que não conta para a nota, é valorizada pelos alunos e pelos pais. E, no entanto, se for levada a sério é muito importante para as escolas. Mas é preciso que haja essa mudança cultural. A aferição é essencial, até para a credibilidade que o sistema possa ter. Uma comunidade que não reconheça que o trabalho [da escola] é bom tende a não investir nela.

Fonte: Público por indicação de Livresco

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Ministro da Educação reforça importância da educação para a cidadania

O papel da Escola na defesa da democracia e de uma cidadania ativa marcaram a intervenção do Ministro da Educação, João Costa, na sessão de abertura do projeto «Educação para a Cidadania», iniciativa do Programa Cidadãos Ativ@s, desenvolvido pela Fundação Calouste Gulbenkian.

«Debates recentes tentam estabelecer qual o papel da escola, é apenas ministrar alguns conteúdos ou é educar de uma forma mais abrangente, é educar também para os valores, é educar para os Direitos Humanos? Não tivemos hesitação em dizer que é papel da escola educar para a cidadania, uma cidadania global, educar para os direitos humanos, educar para valores variados. Alguns dizem ‘isso é papel da família’. Pois é. Outros dizem ‘isso é papel da escola’. Pois é. É papel da família e é papel da escola, porque a família e a escola assumem uma relação complementar e não uma relação antagónica», disse, salientando ainda que escola e família não têm de defender o mesmo pondo de vista: «Ótimo, é sinal que vão crescer com pluralismo de opiniões e com múltiplos olhares para poderem depois, enquanto adultos, serem ativos e tomarem as suas decisões em consciência».

O Ministro falou sobre várias questões da atualidade, como os incêndios ou os números da violência doméstica, para salientar a importância e a relevância dos temas abordados nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento. Deu mesmo o exemplo da reciclagem como sendo «uma das áreas em que os mais pequenos tiveram influência sobre os mais velhos».

«Uma questão que tem sido colocada é «porque é que esta disciplina não é facultativa?». A resposta é simples: porque a cidadania não é facultativa, a cidadania é um dever de todos nós. E se a Matemática não é facultativa, a Cidadania também não é. Porque é que a Matemática não é facultativa? Porque o Estado reconhece que o conhecimento matemático é fundamental para o desenvolvimento dos cidadãos. Porque é que a Cidadania não é facultativa? Porque se reconhece que a promoção dos Direitos Humanos, a promoção da paz, a promoção da aceitação do outro é fundamental para o nosso desenvolvimento enquanto cidadãos e enquanto sociedade. O combate ao ódio não pode ser um desígnio facultativo e individual, tem de ser um compromisso coletivo».

A terminar, João Costa deixou um desafio às escolas: «Cidadania não pode estar confinada a uma ou duas horas por semana. Tem de estar na escola toda. Não podemos querer promover a cidadania ativa dos jovens e não lhes dar voz».

Recordar Utøya 11 anos depois

O projeto-piloto de «Educação para a Cidadania» decorreu entre março de 2019 e o passado mês de fevereiro no Agrupamento de Escolas de Gondifelos (Famalicão), no Agrupamento de Escolas da Damaia (Amadora) e no Agrupamento de Escolas de Porto Santo (Arquipélago da Madeira).

Luís Madureira Pires, diretor do programa Cidadãos Ativ@s da Fundação Calouste Gulbenkian apresentou o projeto e enalteceu o trabalho colaborativo entre esta Fundação, a Fundação Bissaya Barreto, a Fundação Gonçalo da Silveira e a Universidade Católica do Porto, bem como o apoio da Direção-Geral da Educação.

Também presente na sessão de abertura esteve Ellen Aabø, chefe de missão adjunta da embaixada da Noruega em Portugal, que sublinhou a importância de uma educação para a democracia e uma cidadania ativa dando como exemplo o ataque extremista que matou 77 pessoas na ilha norueguesa de Utøya, atentado que ocorreu a 22 de julho, em 2011. Este ataque também foi lembrado pelo Ministro da Educação, que sublinhou o perigo de os extremismos poderem levar a mais incidentes trágicos.

Fonte: Governo por indicação de Livresco

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Valerá a pena entrar na escola mais cedo?

De acordo com a lei portuguesa, alunos que completaram 6 anos de idade à data de 15 de setembro terão obrigatoriamente de estar inscritos no primeiro do ensino básico nesse mesmo ano letivo. Mas os alunos nascidos entre 16 de setembro e 31 de dezembro poder-se-ão inscrever, ou não, consoante a vontade dos pais e a disponibilidade existente na escola nesse mesmo ano letivo. Este desenho do sistema faz com que, por exemplo, um aluno que tenha nascido a 31 de dezembro 2014 se possa inscrever ainda este ano letivo (2020/2021), mas um outro nascido a 1 de janeiro de 2015 apenas se possa inscrever no ano letivo seguinte (2021/2022). Apesar de estes alunos terem uma diferença de apenas um dia de idade, entrarão na escola com idades muito diferentes.

O facto de a data de inscrição depender da data de aniversário dos alunos cria aquilo a que os economistas e econometristas da educação denominam “pontos de corte”, ou seja, momentos específicos associados a regras que alteram as condições dos sujeitos, neste caso a distribuição de alunos pelas turmas e escolas. Aqui, os dois pontos de corte são o 16 de setembro, uma vez que os pais dos alunos nascidos após esta data poderão, ou não, inscrevê-los nesse ano letivo e, claramente, o 1 de Janeiro.

Um estudo muito recente para Portugal, cujo resumo se encontra aqui usando dados de mais de 660 mil alunos seguidos entre o 1.º e o 9.º ano e um outro conjunto de 630 mil alunos seguidos entre o 9.º e o 12.º ano, mediu os impactos da idade de entrada na escola no curto e longo prazo. Considerando o conjunto dos alunos presentes nos dados, o conceito de pontos de corte pode ser claramente observado na figura.



Nota-se que os alunos nascidos nos primeiros dias de janeiro e os nascidos nos últimos dias de dezembro do mesmo ano e que entram na escola no mesmo ano letivo, apresentam uma significativa diferença de idade – praticamente um ano! Tal poder-se-á refletir numa diferença de maturidade e consequentemente nos seus resultados escolares. É exatamente este ponto de corte que permite encontrar os impactos da idade no sucesso escolar, assumindo que entre os alunos cujo aniversário se situa nos primeiros e nos últimos dias do ano, nada os distingue significativamente a não ser o dia do ano em que nasceram.

Para medir o impacto médio deste diferencial da idade dos alunos à entrada do 1.º ano, este estudo utilizou os seus resultados nas provas e exames nacionais no final do 4.º, 6.º, 9.º e 12º ano. Concluiu que a diferença de um ano de idade à entrada na escola no 1.º ano tem impactos positivos no final 4.º ano em Língua Portuguesa e Matemática.

É curioso que este efeito tem uma dimensão importante, semelhante ao impacto positivo máximo encontrado no famoso programa Star que reduziu o tamanho das turmas de 22 para 15 alunos[1]. Os impactos mostram-se ligeiramente maiores para raparigas, sendo, contudo, bastante homogéneos entre alunos com condições socioeconómicas distintas. Os resultados mantêm-se como significativos pelo 2.º ciclo, sendo que depois se vão desvanecendo durante o 3.º ciclo e ensino secundário. Contudo, à saída do 9.º ano, os alunos mais velhos apresentam ainda uma probabilidade inferior em 2 pontos percentuais de serem retidos e uma probabilidade superior, também em 2 pontos percentuais, de enveredar por um curso científico-humanístico no ensino secundário.

Contudo uma questão merece maior atenção. Estes resultados positivos resultantes de ser mais velho à entrada do 1.º ciclo são fruto de uma maior maturidade no percurso escolar ou resultam apenas do facto de os alunos serem mais velhos quando realizam os exames que servem como medida de aproveitamento?

Para tentar responder a esta questão, olhemos para um outro estudo, desta vez com dados noruegueses, que seguem todos os alunos nascidos entre 1962 e 1988 num total de 600 mil observações. Para separar o efeito de entrada mais tarde na escola do efeito da idade em que o teste é feito, estes dados possuem informação acerca do teste de QI realizado pelos noruegueses aos 18 anos aquando do registo no exército. Acresce que consoante o mês de nascimento, estes testes são feitos em diversos momentos, sendo que é recolhida a idade do individuo no momento da realização destas provas. Desta forma é possível identificar separadamente o impacto da idade de entrada na escola do da idade de realização do teste, concluindo que este último efeito explica os melhores resultados dos alunos. Ou seja, é a maior maturidade dos alunos no momento da realização dos testes que servem para aferição de conhecimentos, e não um impacto no seu aproveitamento escolar global, que explicam os resultados mais elevados dos alunos que nasceram no início do ano em comparação com os alunos que nasceram no final do ano. Este mesmo estudo foca-se em impactos de longo prazo, tais como o nível de educação mais alto atingido, salários no mercado de trabalho, níveis de saúde mental ou pedidos de ajuda social na idade adulta. Para todas estas variáveis notou-se um impacto reduzido ou nulo de uma entrada mais tardia na escola.

Este resultado acerca dos impactos de longo prazo de atrasar a entrada na escola não é consensual na literatura, encontrando-se noutros estudos impactos positivos em salários ou na probabilidade de atingir lugares de direção numa empresa. Estas análises de longo-prazo não internalizam, contudo, outros custos associados ao diferimento da entrada na escola dos alunos mais novos, nomeadamente o aumento dos custos com a educação pré-escolar ou uma entrada mais tardia no mercado de trabalho. Há certamente muito a estudar ainda em torno deste problema.

Os resultados apontam assim para impactos positivos de curto-prazo em atrasar a entrada na escola dos alunos mais novos, sendo os resultados menos consensuais nos ganhos de longo-prazo. Os impactos positivos de curto-prazo parecem ser justificados por diferentes graus de maturidade nos momentos de avaliação.

[1] Este impacto quantifica-se em cerca de 30 pontos de um desvio padrão das notas dos alunos.

Pedro Freitas, Hugo Reis e Gonçalo Lima

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Concurso “Cartaz 3 de Dezembro, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência”

Estão abertas as candidaturas para a Edição de 2022 do Concurso “Cartaz 3 de Dezembro, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência”, que premeia o trabalho gráfico que, através de um cartaz, sensibiliza a opinião pública para o reconhecimento dos direitos das Pessoas com Deficiência, celebrado no dia 3 de dezembro, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.

1.º Prémio no valor de € 3 000 (três mil euros) – atribuído em partes iguais pelo INR, I.P. e El Corte Inglês, Grandes Armazéns, S.A.
O vencedor e as 2 Menções Honrosas – prémios não pecuniários com o apoio do CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica.

As candidaturas estão abertas do dia 27 de julho ao dia 18 de outubro de 2022.

Nas 14 edições anteriores foram distinguidos diversos cartazes de profissionais da arte e do design, de pessoas com deficiência, estudantes, cidadãos e cidadãs que prosseguem os valores da igualdade.

Saiba mais sobre este prémio aqui.

As candidaturas a este Prémio podem ser efetuadas através deste formulário.

Esclarecimentos adicionais através do endereço eletrónico INR-uifd@inr.mtsss.pt.

Fonte: INR

terça-feira, 26 de julho de 2022

Três queixas por dia de discriminação contra pessoas com deficiência

Em cada dia do ano passado, houve em média três queixas por discriminação em razão da deficiência e do risco de saúde agravado. Metade dos processos (578) foram concluídos/arquivados, a maior parte porque a situação se resolveu (311), mas muitos por inexistência de prática discriminatória (206).

Os dados constam do Relatório anual 2021 sobre as práticas de actos discriminatórios em razão da deficiência e do risco de saúde agravado, elaborado pelo Instituto Nacional de Reabilitação (INR). Revelam um aumento em 2021 (1195) em relação a 2020 (1023), ano marcado pelo surgimento da pandemia.

A evolução não tem sido linear, nota Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório da Deficiência e dos Direitos Humanos. Tudo começou em 2016 (284 processos). Houve um salto (1024 em 2017) e logo uma queda (911 em 2018) para de imediato voltar a haver uma subida (1274 em 2019). Antes, pesava mais a acessibilidade física. Com a pandemia de covid-19, o acesso à saúde ganhou protagonismo.

No ano passado, lideraram as queixas relacionadas com recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde (39,60%). Seguiram-se, de longe, as associadas ao exercício de direitos e aos transportes públicos, com 5,42% cada uma. E mesmo atrás a fruição de bens e serviços (4,46%).

Não é claro o que quer dizer “recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde”. Os dados estão trabalhados de forma “genérica, inespecífica”, nas palavras de Paula Campos Pinto. “A pessoa sentiu-se discriminada nos cuidados prestados nalgum estabelecimento de saúde? Não teve prioridade e era suposto? Não obteve resposta adequada à sua situação? Não sabemos.”

Ao que se pode ver no documento, a provedoria de Justiça recebe o grosso das denúncias (967). Muito distante de todas as outras entidades habilitadas para o fazer, a começar pelo INR (72), a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (66), a Comissão Nacional de Eleições (43) e a Inspecção-Geral de Educação e Ciência (14).

Paula Campos Pinto não se espanta. A provedoria de Justiça não se fica pelo registo, tenta fazer a mediação entre o queixoso e a pessoa/entidade, procura resolver o problema. “A mediação muitas vezes é eficaz”, sublinha. Isso fica muito claro quando se olha para o estado processual das queixas.

Das 1195 queixas entradas em 2021, 227 continuavam em curso no final do ano, 390 tinham sido encaminhadas para outras entidades e 578 suscitado uma decisão de conclusão/arquivamento. Na maior parte das vezes, o arquivamento deveu-se à resolução da situação (311).

Mais de 200 queixas arquivadas

O relatório também mostra que 206 queixas foram arquivadas por inexistência de prática discriminatória. A desistência responde apenas por 12 arquivamentos. E a falta de prova da existência de prática discriminatória por outros nove.

Paula Campos Pinto deteve-se naquele número: 206. “É um número muito alto”, diz. O que pode explicá-lo? “As pessoas não percebem a lei? Nem tudo o que parece discriminação é efectivamente discriminação”, concede. “Será que as pessoas não têm apoio para fazer a queixa como deve ser? Escrevem no livro de reclamações, mas não se expressam bem? Era preciso conhecer melhor o que está a acontecer. Há qualquer coisa que não está a funcionar.”

De condenações/contra-ordenações nem sinal naquele relatório público. Se as houvesse, estariam ali. As autoridades com competência para instruir procedimentos de contra-ordenação têm de enviar cópia do processo administrativo ao INR. Os tribunais, por sua vez, têm de comunicar todas as decisões comprovativas de práticas discriminatórias em função da deficiência.

“No ano de 2021 foram comunicadas ao INR, I.P. pelas autoridades competentes 19 (dezanove) decisões finais referentes a queixas por discriminação, todas de arquivamento”, refere o documento. Dessas decisões, 12 correspondem a queixas apresentadas em 2021 e sete a queixas apresentadas em 2020.

Usando os casos instruídos pelo INR como amostra, verifica-se que é igual o número de queixas apresentadas contra entidades públicas e entidades privadas. E, na opinião de Paula Campos Pinto, isso também deve causar reflexão. Parece-lhe “inaceitável” que o sector público não se destaque pela positiva quando o que está em causa é o cumprimento da legislação.

Fonte: Público

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Guia “Crescer com Direitos - Ações Pedagógicas na Escola”



O Instituto de Apoio à Criança (IAC) editou o Guia “Crescer com Direitos - Ações Pedagógicas na Escola”. Este guia reúne um conjunto de propostas de ações pedagógicas realizadas em contexto escolar.

O Guia está estruturado em três partes: parte I – Investir no futuro da criança; parte II – Na escola com Direitos e parte III – Experiências para partilhar.

A parte I apresenta-nos o enquadramento geral desta edição. Leva-nos a fazer um percurso que parte dos Direitos da Criança, faz uma visita ao trajeto do projeto Rua desde o seu início, até aos nossos dias, e reforça a importância das atividades lúdicas e do brincar como estratégias de promover os direitos e proteger as crianças e os jovens.

A parte II revisita as motivações da equipa do Projeto Rua e o contexto que evidenciou a necessidade de empreender “Na escola com Direitos”, bem como a metodologia de construção das sessões dinamizadas pela equipa. São apresentadas 23 sessões, divididas em cinco temáticas, nomeadamente, viver e respeitar, crescer é descobrir, conhecer para prevenir, abraçar a diversidade e criar e participar.

A III parte apresenta cinco projetos de continuidade, com várias sessões, dinamizadas em contextos particulares, com populações e com problemáticas específicas, e que foram desenvolvidos no âmbito de parcerias.

A publicação destina-se a animadores, educadores, professores e a todos os profissionais que acreditam na educação como ferramenta privilegiada de promoção da inclusão e do desenvolvimento e que procuram novas estratégias para enriquecer as suas práticas.

Para mais informações sobre os livros do IAC, aceda a Livros IAC - Instituto de Apoio à Criança | Fique A Conhecer-nos! (iacrianca.pt)

Fonte: DGE

domingo, 24 de julho de 2022

Memória de trabalho: a memória que nos permite apre(e)nder

Caro leitor, se está neste momento a ler estas linhas, a decifrar o código escrito, enquanto simultaneamente interpreta e formula hipóteses, baseadas no seu conhecimento prévio, sobre o que este artigo lhe irá trazer de novo, então é porque está a fazer uso daquilo a que a ciência cognitiva designa por “memória de trabalho”.

Ao falarmos de memória de trabalho, referimo-nos a um sistema mnésico de curta duração, que utilizamos de forma consciente, e que nos permite reter e processar as informações necessárias à realização de uma tarefa. Quando converso com alguém, coloco na minha “secretária mental” (Gathercole & Alloway, 2008) não só a narrativa que me está a chegar, como as minhas próprias convicções, que me permitem dar continuidade à conversação. Recruto ainda esta função, quando me é exigido tomar uma decisão para a qual devo ponderar mentalmente várias variáveis. A memória de trabalho permite-nos apreender e aprender sobre o mundo, sempre que temos um objetivo em mente e para o qual os nossos comportamentos automáticos deixam de conseguir dar resposta.

A amplitude desta capacidade é variável, tendo alguns de nós uma enorme facilidade para resolver problemas sem precisar de papel e lápis, enquanto para outros usar um bloco de notas é fundamental.

E se a memória de trabalho detém um papel primordial na vida adulta, no contexto escolar esta assume um valor maior. Seguir instruções, interpretar enunciados, resolver situações matemáticas e cálculos mentais, compreender e recontar histórias são tarefas que recrutam a memória de trabalho e que fazem parte do quotidiano escolar. Ter algum conhecimento sobre esta função cognitiva dará aos educadores e professores uma maior sensibilidade para identificar dificuldades e melhor adaptarem o contexto à luz dessa informação. O que poderá então ser útil saber enquanto pai, educador ou professor?

A memória de trabalho e a atenção são processos indissociáveis.
Como poderei guardar e processar aquilo a que não prestei a atenção? Se, por um lado, devemos garantir que a criança ou aluno preste atenção a uma dada tarefa para ter sucesso no seu desempenho, por outro, quando este não é alcançado, não devemos assumir a priori que foi por distração.

A memória de trabalho apresenta uma curva de desenvolvimento que vai aumentando ao longo da infância.
Uma criança com quatro anos não terá a mesma capacidade de seguir instruções que uma de nove. A extensão ou o número de pedidos deve ser ajustada à idade. Pondere se o que vai pedir exige demasiado esforço mental à criança ou jovem.

A amplitude da memória de trabalho é limitada e altamente susceptível a interferências externas e internas.
Para além de não conseguirmos lidar com um número ilimitado de informações, um estímulo vindo do exterior (um som, um chamamento) ou interno (um pensamento, uma preocupação) podem pôr em causa a nossa ação e comprometer o desempenho de uma dada tarefa. Na apresentação de desafios devem ser asseguradas condições que favoreçam a concentração e tidos em conta que os estados emocionais correntes podem sobrecarregar a memória de trabalho, condicionando o seu funcionamento.
Foto A memória de trabalho e a atenção são processos indissociáveis CSA Images/Getty Images

Várias perturbações do desenvolvimento (de aprendizagem, do espectro do autismo, de hiperatividade e défice de atenção, entre outras) são frequentemente acompanhadas por défices na memória de trabalho.
Deste modo, pode ser útil simplificar a estrutura linguística da informação verbal dada, disponibilizar e incentivar a utilização de auxiliares de memória (listas, imagens) e/ou reduzir o grau de novidade introduzida ou de instruções dadas.

Devemos estimular o pleno desenvolvimento da memória de trabalho desde cedo, em casa e na escola, através de dinâmicas lúdicas, mas que exijam a ativação desta função, como brincar com lengalengas, fazer jogos rítmicos e de imitação, promover o “faz de conta”, jogar jogos de tabuleiro que requeiram alguma estratégia, aprender um instrumento ou levar a cabo uma atividade desportiva. Abordar as estratégias que poderão potenciar a memorização como a repetição, a organização da informação, a criação de imagens mentais, a utilização de mnemónicas, serão também excelentes formas de promover a aprendizagem e a produtividade ao longo da vida.

Sofia Garcia da Silva

Fonte: Público

sábado, 23 de julho de 2022

Andará a escola a enganar os jovens?

É verdade, colega Matilde. A escola talvez ande mesmo a enganar os jovens. Apropriei-me da sua pertinente questão, encontrada por acaso na internet no conhecido Blog De Arlindo – que nos vai mantendo a par do estado da arte – porque também esta é uma das principais reflexões que, neste momento, importa fazer.

Mais um ano letivo a chegar ao fim. Altura para fazer balanços, repensar os erros do passados, seguir em frente, preparar o futuro. Que futuro se pretende exatamente preparar? Como se não bastasse já a situação de caos que vivemos diariamente na escola com a indisciplina gritante, os atos de rebeldia e de falta de educação crescentes e a linguagem despudorada, antes das reuniões de avaliação do terceiro período, recebemos a seguinte informação do Conselho Pedagógico: Os alunos do quinto, sexto, sétimo e oitavo anos de escolaridade transitam todos, independentemente do número. Conseguem imaginar o que se avizinha nas salas de aula das escolas difíceis nos próximos anos letivos, se tivermos em consideração que tal transição não teve sequer em linha de conta o número maior ou menor de processos disciplinares de que o aluno foi alvo? Por outras palavras, e para esclarecer melhor o leitor, o aluno pode ter passado o ano a gozar literalmente com a cara do(s) professor(es), a ir para a aula sem caderno, livro ou sequer caneta, pode ter dito os palavrões que bem lhe apeteceu (e se não mandou o professor diretamente para aquele sítio terá sido uma grande sorte), ter tido classificação negativa em todos os momentos de avaliação realizados e mesmo assim transitou de ano.

E não é que aconteceu mesmo assim? Encontrei uma ex-aluna, mãe de um miúdo a frequentar o 8º ano de escolaridade – puto com vários processos disciplinares ao longo do ano – que me disse, em êxtase: O meu Pedro passou, stora, com seis negativas mas passou!

Estaremos nós, professores, ao pactuar com estas transições em roda livre, a transmitir aos nossos jovens a ideia de que podemos não cumprir as nossas obrigações, não respeitar as regras impostas, não fazer a nossa parte e, mesmo assim, não sofrer consequências? Observámos de perto este prejudicial e enganosos conceito de facilitismo de que é possível sucesso sem trabalho. Nada mais enganador para uma geração que não lê, não escreve, mal fala e pouco pensa. Como irão enfrentar o mundo real se a escola lhes ensinou esta perigosa lição?

Voltando à questão da minha colega, sim, a escola – pelo menos este ano e apesar das vicissitudes e constrangimentos dos dois anos de pandemia – andou a enganar os jovens, mostrando-lhes um mundo de fantasia que em pouco ou nada corresponde à realidade. O mundo fora da escola não se compadece com quem é irresponsável e não cumpre as suas tarefas. A vida real não é complacente com a indolência e muito menos com insolência. Citando a professora Matilde, “uma escola que engana, é uma escola que, no limite, expõe as vulnerabilidades dos jovens, incentiva a fuga à realidade, promove o alheamento das dificuldades existentes na vida real e restringe a capacidade de auto-controle e de gerir a frustração, a ansiedade e a angústia, conduzindo a uma certa alienação…”

Temo que esteja a caminho uma nova geração de alienados.

Carmo Machado

Fonte: Visão

Nota pessoal ao artigo de opinião:
O enquadramento normativo atual decorrente da publicação e da aplicação da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, na redação atual, determina que a decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste caráter pedagógico, sendo a retenção considerada excecional, acrescentando que a decisão de retenção só pode ser tomada após um acompanhamento pedagógico do aluno, em que foram traçadas e aplicadas medidas de apoio face às dificuldades detetadas.
A realidade comprova que existem retenções nos diversos anos de escolaridade do ensino básico, com exceção para o 1.º ano de escolaridade. Não podemos partir de uma suposta exceção e generalizá-la.
Independentemente deste contexto e dos motivos que o originam, a taxa de retenção  e de não aprovação tem vindo tendencialmente a diminuir. 

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Quatro em dez alunos com necessidades especiais não têm apoio directo especializado

Quatro em cada dez alunos com necessidades especiais não têm apoio directo do professor especializado, segundo um inquérito sobre a educação inclusiva, que revela que a principal queixa das escolas é a falta de recursos humanos.

A conclusão, divulgada esta sexta-feira, é de um inquérito feito pela Federação Nacional dos Professores (Fenprof), que envolveu 80 agrupamentos de escolas, cerca de 10% do total dos estabelecimentos de ensino.

Entre os mais de 89 mil alunos das escolas inquiridas, 5544 beneficiam de medidas selectivas ou adicionais e a maioria (81,7%) passa mais de 60% do tempo lectivo em sala de aula. O problema é que muitos não têm apoio especializado.

De acordo com os resultados do inquérito, 40% dos alunos com necessidades especiais não têm qualquer apoio directo do docente de educação especial, que apenas aconselha o professor da turma.

“Muitas vezes (o docente de educação especial) não conhece o aluno em causa”, relata a Fenprof, sublinhando que “este não é um apoio que respeite a individualidade e as características específicas de cada aluno”.

Noutros casos, os alunos são apoiados por um segundo professor em coadjuvação com o titular de turma ou até por assistentes operacionais que, segundo a estrutura sindical, não têm formação adequada para esse efeito, “ainda que alguns já tenham adquirido alguma experiência”.

Número de assistentes operacionais insuficiente

A falta de profissionais especializados para a educação inclusiva é o principal problema que, segundo os resultados do inquérito, as escolas apontam no balanço que fazem dos quatro anos desde a implementação do regime.

A maioria dos agrupamentos (73,5%) afirma que o número de assistentes operacionais para a educação especial continua a ser insuficiente e 65,5% dizem que esses profissionais não têm formação específica.

Os directores referem ainda falta de terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e psicólogos clínicos, além dos psicólogos educacionais que também são insuficientes, e alguns apontam também a necessidade de enfermeiros devido às necessidades especiais de saúde de alguns alunos.

Quanto aos docentes, a Fenprof refere que existe um número significativo de professores que exerce actividade na educação especial, sobretudo entre os não especializados, que estão colocados através do regime de mobilidade por doença, recentemente alterado.

“Com as novas regras impostas, que impedem todos os que se encontram colocados a menos de 20 quilómetros de requererem essa mobilidade, (os agrupamentos) irão perder essa possibilidade de compensarem a falta de docentes de educação especial, com prejuízo para os alunos apoiados”, alerta a Fenprof.

Outro aspecto avaliado no inquérito está relacionado com as regras sobre a constituição das turmas que integrem alunos com necessidades especiais e que não devem ultrapassar o total de 20 alunos e dois nessa situação.

Entre as 6911 turmas dos 80 agrupamentos inquiridos, 1647 integram alunos com necessidades especiais, mas só pouco mais de metade (56,6%) respeita os dois critérios.

Das restantes, a maioria tem mais de 20 alunos e 14,3% falham em ambos, mas a Fenprof considera que isso é resultado da falta de autorizações, por parte da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, para o desdobramento das turmas.

No geral, o inquérito conclui que as escolas se dividem na avaliação que fazem do actual regime legal da Educação Inclusiva: 51,4% dos agrupamentos consideram que é a resposta adequada para todos os alunos, mas 48,6% consideram que não e há até casos em que se mantém a estrutura de resposta anterior.

Fonte: Público

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Medidas na Educação para a Capacitação e Inclusão

Quando na semana passada ouvimos o Ministro da Educação dizer, na sessão de apresentação dos resultados do Sistema de Monitorização da Implementação do Regime Jurídico da Educação Inclusiva em Portugal, que decorreu em Lisboa, que «a educação inclusiva é uma reforma estrutural da educação» e que essa «passa pelo desenho de uma escola que não serve o discurso falacioso da meritocracia, mas desenha uma escola para uma missão muito clara de levar cada um mais longe, mas não de uma elite que já tinha tudo para o sucesso», rapidamente poderíamos ficar iludidos com essas palavras e achar que tudo vai bem. Só que não.

Quando, aqui há tempos, lemos numa notícia que uma funcionária de uma escola em Odivelas havia sido suspensa por ter agredido uma criança com necessidades educativas especiais (NEE), percebemos que, apesar de considerarmos que não há desculpa nenhuma para que um adulto que trabalhe na área educativa agrida um aluno, estas situações podem acontecer sobretudo pela forma como se tem gerido, com escassos recursos, e implementado nas escolas a afamada inclusão.

De que serve fazer apresentações pomposas com dados estatísticos quando o que se passa nas escolas é uma falta enorme de apoios específicos, alegadamente presentes aquando da atribuição de medidas selectivas e adicionais aos alunos de acordo com o Decreto-Lei 54.

Este facto gera sobretudo uma automática exclusão de quem precisa, por falta de apoios, e de quem não precisa, por naturais e constantes requisições dos professores por parte destes alunos. Uma pergunta deve ser colocada sem receios: as necessidades educativas especiais das crianças não carecem da presença de um adulto com formação adequada?

Num tempo em que todos ouvimos dizer que os professores têm de fazer Capacitação Digital, ninguém se lembra da mais exigente e urgente necessidade: a Capacitação para a Inclusão.

A inclusão passa por diluir barreiras com propósito! Aprendemos muito na interação. Quando temos a sorte de aprender com quem está com os nossos filhos ou alunos, todos temos a ganhar.

Claro que a necessidade faz o engenho, mas não terão a escola e as unidades de saúde a necessidade de aprofundar os seus conhecimentos e estratégias na forma de atuação/ interação com as crianças com Perturbações do Espetro do Autismo (PEA) ou outras patologias?

Pois… O que temos aprendido deveria ser partilhado de forma efetiva, de modo a refletir o propósito da inclusão, mas principalmente o desenvolvimento e a felicidade dos nossos filhos e alunos.

Quando o apoio prestado a uma aluna com PEA consiste apenas, através da intervenção precoce, em sessões de terapia ocupacional/sensorial de 1 hora semanal, repetimos, 1 hora semanal, percebemos que não são só as nossas lacunas como professores que contam, na Capacitação para a Inclusão, como principalmente a falta de recursos específicos. Aumentar a carga horária dos técnicos e professores especializados nas escolas é urgente.

Não conhecemos professores que sejam contra inclusão, mas começamos a cruzar-nos com alguns colegas que corroboram a nossa narrativa de que, conforme está a ser implementada, esta estratégia tem mais prejuízos do que benefícios. Sobretudo porque, demasiadas vezes, estes alunos são auxiliados ao longo do seu dia por pessoal não docente, não especializado. Obviamente, com um efeito devastador na maioria das escolas no que toca ao aumento de casos de indisciplina e à degradação do ambiente de sala de aula, com repercussões óbvias no processo de ensino-aprendizagem.

Por conseguinte, como complemento ao necessário aumento real de recursos humanos com formação específica, devia o governo capacitar a comunidade escolar, promovendo formações para um maior conhecimento das patologias, assim como disponibilizar ferramentas de trabalho específicas para estes casos.

Incluir, obviamente que sim. Mas antes criar as condições necessárias dentro e fora da escola para que se cumpram os intentos de incluir!

Joana Leitão e Alberto Veronesi

Fonte: Observador por indicação de Livresco

quarta-feira, 20 de julho de 2022

SOBRE A GESTÃO ESCOLAR

A generalidade dos especialistas em políticas educativas têm vindo a considerar a gestão e administração escolar como uma área de profissionalidade com enorme futuro face às políticas de autonomia que se querem implementar nos sistemas educativos e que são uma recomendação prioritária da União Europeia.Estamos perante um quadro conjuntural em que o reconhecimento de uma formação especializada nessa área das Ciências da Educação é considerada indispensável para o exercício de funções de gestão escolar, sejam elas de topo ou intermédias, pelo que a continuação da oferta desta formação especializada se reveste de importância fundamental.
A mudança permanente da nossa sociedade exige a actualização permanente (pós graduações, especializações, mestrados…). A reconversão, pessoal e profissional vai estar na agenda de todos os actores educativos, já que a formação diversificada aumenta a capacidade de sobrevivência num sistema altamente concorrencial.
Nos nossos dias, a tentativa de reorganização neoliberal da escola, em que os alunos são vistos como “clientes”, os professores como “colaboradores”, a aprendizagem como um “produto”, o sucesso académico como um indicador de “qualidade total”, o planeamento pedagógico como “acção de empreendedorismo”, a gestão escolar como “direcção corporativa” e os pais e a comunidade como “stakeholders”, e o investimento como um “custo orçamental”, esta reorganização, dizíamos, tem destruído uma boa (e talvez a melhor) parte do edifício da escola pública, enquanto escola democrática, inclusiva e meritocrática. E os nossos gestores escolares têm de estar teoricamente preparados para enfrentar este desafio….
As políticas educativas que pretendem fazer funcionar uma escola apenas com “gestores profissionais externos”, sem professores reflexivos, activos e motivados, e com autonomia, foi experimentada por vários sistemas, tendo conduzido sempre ao fracasso.
Décadas de investigação científica provaram que todo o desinvestimento na profissão e a ausência de formação permanente sempre redundou num atraso do desenvolvimento profissional dos docentes e, logo, à sua desactualização precoce.
Se o Estado não investir na actualização dos docentes, ao longo da vida, o seu futuro profissional pode vir a ser preocupante. Sobretudo, porque isso acontece em pleno desenvolvimento da sociedade do conhecimento, da globalização, que também ela é partilha da inovação e do progresso contínuo.
Porque ocorre, também, numa escola onde os actuais alunos, apesar da sua natural diversidade, provêm de uma geração “digital”, e se revelam sujeitos activos e imprevisíveis quanto ao domínio das novas tecnologias e, sobretudo, quanto ao uso dos seus meios e conteúdos…
Ou seja, numa escola que alberga uma geração em que o acompanhamento das actividades dos alunos, dentro e fora da sala de aula, e em que a formação parental se revela igualmente fundamental, e onde ninguém se pode dar ao disparate de afirmar que existem recursos humanos e tecnológicos dispensáveis.
Recursos humanos cuja formação especializada custou esforço pessoal, tempo, dinheiro e muito investimento em estruturas e equipamentos, que não podem ser desperdiçados, num país que necessita ainda de muita educação e promoção cultural.

João Ruivo

terça-feira, 19 de julho de 2022

Indicadores de Inclusão e Equidade em Agrupamentos de Escola



Resumo

Portugal recentemente criou um conjunto de políticas públicas, designadamente de promoção do sucesso educativo, Educação Inclusiva e da Autonomia e Flexibilidade Curricular. Estas políticas têm-se refletido de várias formas, nomeadamente nos indicadores de Inclusão e Equidade, cujos níveis variam de Agrupamento para Agrupamento. A investigação teve como objetivo identificar em que níveis de Inclusão e Equidade estão dois Agrupamentos de Escolas do distrito de Setúbal, segundo a apreciação dos seus Diretores e das suas Lideranças Intermédias, e segundo os indicadores encontrados nos documentos orientadores dos dois ‘agrupamentos-caso’. Realizaram-se dois estudos de caso, sendo um dos instrumentos utilizados o “Quadro de Revisão” do “Manual para garantir Inclusão e Equidade na Educação” (Unesco, 2019), que se adaptou da escala de análise de um país para a escala de um agrupamento. Os outros instrumentos utilizados foram o questionário e a análise documental. Nos resultados do Agrupamento A os participantes atribuíram o nível mais avançado a um maior número de indicadores de Inclusão e Equidade, e a maior parte destes indicadores estavam refletidos nos documentos do agrupamento. Os resultados do Agrupamento B mostram menos indicadores nos documentos e os níveis atribuídos pelos participantes distribuem-se entre os níveis intermédio e avançado.

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Por que razão as crianças autistas abanam as mãos?

Por que as crianças autistas abanam tanto as mãos? Perguntam-me muitas vezes. Como não sou autista nem especialista em neurociências, não posso responder cabalmente a esta pergunta. Isto seria, de algum modo, roubar voz a uma comunidade da qual não faço parte. Mas posso arriscar possíveis explicações.

1. Reparo que o meu filho balança as mãos quando está feliz ou contente. Abanar mãos, aos meus olhos, é um exercício de júbilo. A definição é minha. Não sei se será precisa. Não estou dentro do corpo dele. A verdade sobre o que um corpo sente nunca está na boca dos que o rodeiam.

2. Muitas pessoas neurodiversas — ou seja, que possuem um cérebro cujo funcionamento se distingue da maioria — apresentam uma desregulação no processamento sensorial. Por outras palavras, o cérebro autista processa os estímulos do ambiente de forma diferente. Como o volume de informação que chega ao sistema nervoso é mediado pelos sentidos (e, já agora, vale lembrar que temos mais do que cinco sentidos), estas diferenças tornam-se visíveis nas respostas sensoriais de cada um. Há pessoas autistas que têm uma resposta exagerada aos barulhos — e, por isso, ficam agitadas em contextos ruidosos, defendem-se colocando as mãos nos ouvidos. Outras possuem uma resposta demasiado tímida neste ou noutros domínios. Podem não sentir tanta dor ao pisar num caco de vidro, por exemplo. Podem andar à caça de sensações que lhes encham as medidas, e daí desatarem a saltar, correr, rodar, balançar.

3. Todas as pessoas combinam sensibilidades distintas. É possível que uma criança seja muito sensível a barulhos (ou seja, tenha uma hiper-resposta do sistema auditivo) e, ao mesmo tempo, esteja com frequência a girar sobre si própria porque gosta da sensação de ficar com a cabeça à roda (hipo-resposta do sistema vestibular, que está associado ao equilíbrio). Assim sendo, não é porque uma menina é muito sensível a determinados estímulos que ela vai ter uma hiper-resposta em todos os domínios. Cada indivíduo, autista ou não, tem um perfil sensorial diferente e, de certo modo, único.

4. Estas diferenças do processamento sensorial são comuns no espectro autista. Com muita observação e a ajuda de terapeutas especialistas em integração sensorial, podemos tentar entender como a criança vivencia o mundo ao seu redor. Quando alcançamos essa compreensão, ainda que incompleta — jamais saberemos exactamente como o outro percepciona as pessoas e as coisas —, conseguimos proporcionar à criança maior bem-estar. E mais: conseguimos também colocar em contexto comportamentos que, de outro modo, julgaríamos estranhos.

5. O meu filho procura mais estímulos do que a maior parte das crianças com um desenvolvimento típico. Daí ele adorar andar de baloiço, girar em cadeiras rotativas, abanar a cabeça de um lado para o outro ou correr uma curta distância e parar de repente. Quando recebe estes estímulos específicos, ele exprime uma sensação de completude. Gosto de pensar que é o que eu sinto quando começo a escrever num caderno novo com uma caneta preta Uniball Eye.

6. Uma das várias coisas que me fascinam na criança autista é precisamente esta capacidade, esta sabedoria, de encontrar respostas para as próprias necessidades sensoriais. Quem vê o meu filho a agitar as mãos pode julgar que ele está alienado, “no seu mundinho”. O que os meus olhos vêem é um menino criativo a encontrar soluções de bem-estar. Habitamos o mesmo mundo, apenas temos perfis sensoriais diferentes. Eu diria que é por isso que ele abana as mãos. Mas ficarei feliz se ele me contradisser dentro de alguns anos.

Andréia Azevedo Soares

Fonte: Público

sábado, 16 de julho de 2022

Acordo para a inclusão

Em apenas um ano, mais de 150 pessoas com deficiência foram recrutadas ou estão em fase de recrutamento. Entidades empregadoras e os talentos recrutados partilharam experiências positivas durante o evento que se realizou em Lisboa

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e a e a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) assinaram um protocolo de colaboração no âmbito da Valor T, uma agência de empregabilidade que se encontra ao serviço das pessoas com deficiência. Na ocasião, foi também lida uma mensagem do Senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

A cerimónia, imbuída de simbolismo e de expectativas renovadas sobre a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, decorreu no final da semana passada no Polo de Inovação Social, na Mitra, e contou com as presenças da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho; do provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho; do presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva; Laurinda Alves, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa e Vanda Nunes, diretora da Valor T, além de muitos dos jovens já contratados através do programa.

Estiveram ainda presentes as administrações de muitas empresas, tendo a Sonae, a Altice, a Inditex, o Santander, a Cuf e o Grupo Pestana apresentado o testemunho de compromisso para com a integração de pessoas com deficiência e o trabalho em curso com a Valor T.

O protocolo estabeleceu princípios de colaboração entre as duas instituições na implementação de atividades do projeto. "O protocolo tem um valor simbólico imenso, exprimindo a vontade das empresas de serem inclusivas e de serem parte deste processo maravilhoso. A CIP está connosco desde a primeira hora. Isso tem um significado tremendo", admite o provedor da SCML. No futuro, esta poderá ser uma porta de entrada no mercado de trabalho para muitas centenas de pessoas com deficiência. "Neste momento, temos mais de 100 empresas connosco, todas com a mesma vontade de seguir em frente e de acolherem nos seus quadros pessoas em função dos seus talentos e não apenas das suas limitações. O importante aqui é centrarmo-nos no potencia e menos nas dificuldades. Estou convencido que este protocolo irá envolver ainda mais empresas e motivá-las a ter esta atitude", explicou Edmundo Martinho.

Lançada em maio de 2021, precisamente no Dia do Trabalhador, a Valor T tem por missão não só apoiar as pessoas com deficiência na procura e concretização do seu potencial profissional através de um processo de promoção de empregabilidade centrado na valorização do talento e mérito dos candidatos mas também o acompanhamento de proximidade das entidades empregadoras. O primeiro ano do projeto foi "muito positivo" e como tal, não falta "ânimo para continuar", conforme o provedor da SCML fez questão de reiterar.

Já há casos de sucesso

Um indisfarçável orgulho guiava cada passo de Vanda Nunes, diretora da Valor T, no acolhimento a todos os que participaram na cerimónia, no Polo de Inovação Social, na Mitra. Colegas, empresas e entidades parceiras e, sobretudo, os seus ‘talentos’ recentemente integrados no mercado de trabalho, todos lhe mereciam uma palavra, um sorriso.

"Procuramos reunir aqui hoje uma parte das empresas T, que são já mais de 100, aquelas que vieram até nós e que são geradoras de oportunidades e com as quais procuramos fazer a ponte com o talento e as competências dos nossos candidatos. Neste encontro conhecemo-nos melhor uns aos outros", explicou (...).

O projeto, que nasceu há um ano, já é vencedor. "Surgiu em plena pandemia e teve de ser muito resiliente para conseguir crescer e chegar até aqui. É uma caminhada difícil, exigente, que se faz todos os dias com proximidade e atenção, porque é também aí que procuramos fazer a diferença", recorda.

Nesta agência cada um candidato tem direito a um apoio individualizado para facilitar o recrutamento e a integração. "O ‘T’ é também o do ‘tempo’ que cada um merece. Num processo de recrutamento de pessoas com deficiência, procuramos que a equidade seja garantida, para partirmos todos pela mesma meta e podermos depois celebrar casos como o do João Antunes, que acabou de ser integrado nos quadros da empresa que o recrutou há alguns meses através da Valor T", ilustrou, dando um dos vários exemplos de sucesso que a agência já vai somando.

António Saraiva, presidente da CIP

– Em termos de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em que é que este protocolo se poderá traduzir no futuro?
– Muitos dos nossos problemas são civilizacionais e, por isso estamos num tempo de inclusão. E essa inclusão que a Valor T permite, a integração deste público-alvo, mais do que uma responsabilidade social é uma responsabilidade civilizacional, porque as empresas e a sociedade têm de saber incluir estas pessoas. O talento não tem género, não é feminino nem masculino, e também não é exclusivo de quem não tem deficiência. A Valor T é também isto: transformação das mentalidades e das atitudes. Isso vale mais que bonitas palavras. Como diz o Governo: "Não podemos deixar ninguém para trás."

– Que tipo de dificuldades têm as empresas que pretendem empregar estes talentos?
– Há um conjunto de necessidades que têm de ser cobertas: questões de mobilidade e acessibilidade, de formação profissional, etc. A integração não é mera vontade, há um conjunto de aspetos que têm de se interligar para consumar esse objetivo e que passam por toda a sociedade.

Fonte: CM