É verdade, colega Matilde. A escola talvez ande mesmo a enganar os jovens. Apropriei-me da sua pertinente questão, encontrada por acaso na internet no conhecido Blog De Arlindo – que nos vai mantendo a par do estado da arte – porque também esta é uma das principais reflexões que, neste momento, importa fazer.
Mais um ano letivo a chegar ao fim. Altura para fazer balanços, repensar os erros do passados, seguir em frente, preparar o futuro. Que futuro se pretende exatamente preparar? Como se não bastasse já a situação de caos que vivemos diariamente na escola com a indisciplina gritante, os atos de rebeldia e de falta de educação crescentes e a linguagem despudorada, antes das reuniões de avaliação do terceiro período, recebemos a seguinte informação do Conselho Pedagógico: Os alunos do quinto, sexto, sétimo e oitavo anos de escolaridade transitam todos, independentemente do número. Conseguem imaginar o que se avizinha nas salas de aula das escolas difíceis nos próximos anos letivos, se tivermos em consideração que tal transição não teve sequer em linha de conta o número maior ou menor de processos disciplinares de que o aluno foi alvo? Por outras palavras, e para esclarecer melhor o leitor, o aluno pode ter passado o ano a gozar literalmente com a cara do(s) professor(es), a ir para a aula sem caderno, livro ou sequer caneta, pode ter dito os palavrões que bem lhe apeteceu (e se não mandou o professor diretamente para aquele sítio terá sido uma grande sorte), ter tido classificação negativa em todos os momentos de avaliação realizados e mesmo assim transitou de ano.
E não é que aconteceu mesmo assim? Encontrei uma ex-aluna, mãe de um miúdo a frequentar o 8º ano de escolaridade – puto com vários processos disciplinares ao longo do ano – que me disse, em êxtase: O meu Pedro passou, stora, com seis negativas mas passou!
Estaremos nós, professores, ao pactuar com estas transições em roda livre, a transmitir aos nossos jovens a ideia de que podemos não cumprir as nossas obrigações, não respeitar as regras impostas, não fazer a nossa parte e, mesmo assim, não sofrer consequências? Observámos de perto este prejudicial e enganosos conceito de facilitismo de que é possível sucesso sem trabalho. Nada mais enganador para uma geração que não lê, não escreve, mal fala e pouco pensa. Como irão enfrentar o mundo real se a escola lhes ensinou esta perigosa lição?
Voltando à questão da minha colega, sim, a escola – pelo menos este ano e apesar das vicissitudes e constrangimentos dos dois anos de pandemia – andou a enganar os jovens, mostrando-lhes um mundo de fantasia que em pouco ou nada corresponde à realidade. O mundo fora da escola não se compadece com quem é irresponsável e não cumpre as suas tarefas. A vida real não é complacente com a indolência e muito menos com insolência. Citando a professora Matilde, “uma escola que engana, é uma escola que, no limite, expõe as vulnerabilidades dos jovens, incentiva a fuga à realidade, promove o alheamento das dificuldades existentes na vida real e restringe a capacidade de auto-controle e de gerir a frustração, a ansiedade e a angústia, conduzindo a uma certa alienação…”
Temo que esteja a caminho uma nova geração de alienados.
Carmo Machado
Fonte: Visão
Nota pessoal ao artigo de opinião:
O enquadramento normativo atual decorrente da publicação e da aplicação da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, na redação atual, determina que a decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste caráter pedagógico, sendo a retenção considerada excecional, acrescentando que a decisão de retenção só pode ser tomada após um acompanhamento pedagógico do aluno, em que foram traçadas e aplicadas medidas de apoio face às dificuldades detetadas.
A realidade comprova que existem retenções nos diversos anos de escolaridade do ensino básico, com exceção para o 1.º ano de escolaridade. Não podemos partir de uma suposta exceção e generalizá-la.
Independentemente deste contexto e dos motivos que o originam, a taxa de retenção e de não aprovação tem vindo tendencialmente a diminuir.
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