terça-feira, 26 de julho de 2022

Três queixas por dia de discriminação contra pessoas com deficiência

Em cada dia do ano passado, houve em média três queixas por discriminação em razão da deficiência e do risco de saúde agravado. Metade dos processos (578) foram concluídos/arquivados, a maior parte porque a situação se resolveu (311), mas muitos por inexistência de prática discriminatória (206).

Os dados constam do Relatório anual 2021 sobre as práticas de actos discriminatórios em razão da deficiência e do risco de saúde agravado, elaborado pelo Instituto Nacional de Reabilitação (INR). Revelam um aumento em 2021 (1195) em relação a 2020 (1023), ano marcado pelo surgimento da pandemia.

A evolução não tem sido linear, nota Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório da Deficiência e dos Direitos Humanos. Tudo começou em 2016 (284 processos). Houve um salto (1024 em 2017) e logo uma queda (911 em 2018) para de imediato voltar a haver uma subida (1274 em 2019). Antes, pesava mais a acessibilidade física. Com a pandemia de covid-19, o acesso à saúde ganhou protagonismo.

No ano passado, lideraram as queixas relacionadas com recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde (39,60%). Seguiram-se, de longe, as associadas ao exercício de direitos e aos transportes públicos, com 5,42% cada uma. E mesmo atrás a fruição de bens e serviços (4,46%).

Não é claro o que quer dizer “recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde”. Os dados estão trabalhados de forma “genérica, inespecífica”, nas palavras de Paula Campos Pinto. “A pessoa sentiu-se discriminada nos cuidados prestados nalgum estabelecimento de saúde? Não teve prioridade e era suposto? Não obteve resposta adequada à sua situação? Não sabemos.”

Ao que se pode ver no documento, a provedoria de Justiça recebe o grosso das denúncias (967). Muito distante de todas as outras entidades habilitadas para o fazer, a começar pelo INR (72), a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (66), a Comissão Nacional de Eleições (43) e a Inspecção-Geral de Educação e Ciência (14).

Paula Campos Pinto não se espanta. A provedoria de Justiça não se fica pelo registo, tenta fazer a mediação entre o queixoso e a pessoa/entidade, procura resolver o problema. “A mediação muitas vezes é eficaz”, sublinha. Isso fica muito claro quando se olha para o estado processual das queixas.

Das 1195 queixas entradas em 2021, 227 continuavam em curso no final do ano, 390 tinham sido encaminhadas para outras entidades e 578 suscitado uma decisão de conclusão/arquivamento. Na maior parte das vezes, o arquivamento deveu-se à resolução da situação (311).

Mais de 200 queixas arquivadas

O relatório também mostra que 206 queixas foram arquivadas por inexistência de prática discriminatória. A desistência responde apenas por 12 arquivamentos. E a falta de prova da existência de prática discriminatória por outros nove.

Paula Campos Pinto deteve-se naquele número: 206. “É um número muito alto”, diz. O que pode explicá-lo? “As pessoas não percebem a lei? Nem tudo o que parece discriminação é efectivamente discriminação”, concede. “Será que as pessoas não têm apoio para fazer a queixa como deve ser? Escrevem no livro de reclamações, mas não se expressam bem? Era preciso conhecer melhor o que está a acontecer. Há qualquer coisa que não está a funcionar.”

De condenações/contra-ordenações nem sinal naquele relatório público. Se as houvesse, estariam ali. As autoridades com competência para instruir procedimentos de contra-ordenação têm de enviar cópia do processo administrativo ao INR. Os tribunais, por sua vez, têm de comunicar todas as decisões comprovativas de práticas discriminatórias em função da deficiência.

“No ano de 2021 foram comunicadas ao INR, I.P. pelas autoridades competentes 19 (dezanove) decisões finais referentes a queixas por discriminação, todas de arquivamento”, refere o documento. Dessas decisões, 12 correspondem a queixas apresentadas em 2021 e sete a queixas apresentadas em 2020.

Usando os casos instruídos pelo INR como amostra, verifica-se que é igual o número de queixas apresentadas contra entidades públicas e entidades privadas. E, na opinião de Paula Campos Pinto, isso também deve causar reflexão. Parece-lhe “inaceitável” que o sector público não se destaque pela positiva quando o que está em causa é o cumprimento da legislação.

Fonte: Público

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